A EMANCIPAÇÃO FEMININA E O CASAMENTO


Recentemente a Mandic fez uma enquete que perguntava o seguinte: ‘Presenciamos na última semana o fim do casamento mais comentado pela mídia nos últimos tempos, de Adriane Galisteu e Roberto Justus. A imprensa divulgou depoimento do ex-casal no qual se concretiza a idéia da mulher moderna estipulando novas metas de vida. Você acredita que a emancipação feminina pode colocar em risco a instituição "casamento"?’

Dizer que sim ou que não é muito pouco, pois a questão tem a ver com mudança de costumes que datam de alguns séculos. O que realmente se entende hoje por casamento? Certamente não é o que se entendia a 50 ou 100 anos atrás. Realmente, a emancipação feminina, seja por vontade ou por necessidade, causa uma modificação no conceito de casamento e família, que é baseado no patriarcalismo e na presença constante da mulher no lar. Esse modelo tem sido visto pela sociedade como antiquado e, no mundo econômico de hoje, talvez seja até mesmo pouco eficaz, especialmente nas cidades de maior porte. Na realidade, a presença ativa da mulher na sociedade tem sido muito importante sob diversos aspectos. Obviamente, essa mudança tem prós e contras. Nesse sentido, penso que sim, a emancipação feminina pode colocar em risco o modelo atual de casamento e isso não é bom nem ruim, é apenas uma conseqüência da evolução dos costumes.

Vamos tentar entender de forma simplória que significado evoca o termo casamento no pensamento das pessoas. A primeira imagem que vem a mente do cidadão comum é uma casa, crianças (normalmente uma no colo da mãe), o marido saindo para seu trabalho e a esposa na porta se despedindo. É esse símbolo que norteia o conceito de casamento ainda hoje em muitos lugares. Aliás, em muitas partes do mundo isso ainda é praticado como regra. Em outros, podemos adicionar algumas mulheres a mais nesta imagem. Esse modelo é aplicado a muitos séculos, sendo que, provavelmente, está arraigado na memória genética do ser humano. Podemos adicionar a essa imagem a amante do marido, oculta, misteriosa, a prova da virilidade, até porque, o homem muitas vezes faz com a amante aquilo que não tem coragem de fazer com a esposa. Alguns psicólogos afirmam que isso acontece porque o homem projeta a própria mãe na esposa, fazendo com que ela se torne um ser sagrado, de forma que "é um pecado" ter determinadas práticas sexuais com a esposa. No fundo, ele trocou a mãe pela esposa e intimamente deseja que ela cuide dele como a mãe um dia cuidou. No caso da esposa, a imagem do marido é a do pai, que protege, que sustenta e que ela precisa agradar. Não podemos deixar de levar em conta também as teorias de Freud, onde tudo isso é regado por desejos sexuais inconscientes. Esse conceito continua sendo veiculado maciçamente nos meios de comunicação, através dos filmes, novelas, desenhos animados (o que é pior, pois reforça o modelo na mente das crianças), etc., onde o clichê é o mocinho que salva a mocinha das garras do bandido e ambos vivem felizes para sempre.

Mudar esse conceito exige uma certa conscientização. Acredito que muitos que estão lendo este artigo não acreditam que intimamente desejam esse tipo de situação, especialmente as mulheres. Vemos que a revolução feminina já solidificou alguns elementos culturais de igualdade, mas há muito o que fazer ainda. Temos que adaptar nossa consciência a uma nova realidade. Alguns problemas básicos tem que ser equacionados de forma eficaz, como por exemplo, como serão educados nossos herdeiros na ausência freqüente da mãe? Como superar a resistência masculina, das pessoas mais tradicionais e os conflitos gerados por essa resistência? Inconscientemente, para os filhos e o marido fica a sensação de abandono, de orfandade, de rejeição, crises matrimoniais. A família é fortemente afetada, pois o grande sustentáculo familiar até então era a subjugação feminina. Essa subjugação está sendo diluída pouco a pouco nas sociedades menos tradicionais e esse movimento precisa ser analisado e compreendido. Aliás, o entendimento da função do casamento e da família na sociedade contemporânea é uma busca importante para construir novos modelos de associação familiar. Nesse sentido, podemos analisar as várias manifestações desse tipo de associação em algumas sociedades menos complexas.

Sob o ponto de vista natural, a família tem uma duração limitada no mundo animal. Em muitos casos, não há o conceito de família, pois a fêmea é abandonada a sua própria sorte. Em geral, cabe a fêmea a maior responsabilidade. Em algumas espécies, o macho tem uma função importante auxiliando a fêmea na criação e "formação" da prole, mas de fato, é a fêmea que faz o trabalho. A educação é facilitada pela quantidade de conhecimento instintivo presente na natureza, o que faz com que alguns caminhos sejam encurtados. Além disso, a "formação intelectual" que cabe aos pais é pequena em relação a sociedade humana. O meio também ajuda e as regras do mundo animal não deixam dúvidas quanto a quem vai sobreviver ou não. No fundo, cabe aos pais indicar as opções, muito restritas, de como sobreviver ante a lei das selvas. Desta forma, o trabalho dos pais encerra quando a cria aprende a se locomover, se alimentar e se defender sozinha. Neste ponto, a família deixa de existir, pois cumpriu sua função social.

Sob o ponto de vista idealístico, podemos encontrar elementos nas sociedades indígenas que são bem resolvidos no que tange a formação social de cada indivíduo. Se considerarmos apenas os pontos mais evoluídos, vemos que nessas sociedades cada cidadão tem uma função definida e uma participação ativa na comunidade. As crianças são tratadas como pequenos adultos, ou adultos em formação, desta forma, devem ser preparados para contribuir com a perpetuação do grupo e aprendem isso junto com os adultos no modelo mestre e aprendiz, ou seja, ajudando o adulto a executar seu trabalho. Em muitos casos, há o respeito ao amadurecimento individual, de modo que o indivíduo só é considerado "responsável" quando consegue passar por determinadas iniciações, independente da idade cronológica. A partir deste momento, o "pequeno humano" é levado a executar trabalhos mais arriscados junto aos "grandes humanos". De qualquer modo, o processo de formação é levado a cabo pela comunidade e não pelo pai ou mãe isoladamente, visto que é uma tarefa demasiadamente difícil e demasiadamente importante para ser feita isoladamente. Lógico que isso é viável, pois um grupo indígena é composto relativamente por poucas pessoas. Entretanto, temos que levar em conta que o comportamento do ser humano ainda conserva esse jeito tribal, tendo em vista que cada ser humano busca se identificar e participar em uma comunidade afim, mesmo dentro de grandes cidades, onde cada um tem seu grupo de relacionamento, ou sua "tribo". Idealmente, poderíamos fortalecer as estruturas subdistritais, por exemplo, fazendo com que cada subdistrito de uma cidade tenha a autonomia de uma prefeitura e possa resolver os problemas do seu bairro, além de gerar atividades que pudessem congregar seus indivíduos e fomentar a participação. A idéia é criar várias tribos urbanas. Para obter os recursos necessários, os impostos, ou qualquer outra forma de arrecadação deveriam ser totalmente direcionados para essas mini prefeituras e, assim como qualquer associação, essa verba seria administrada através de assembléias que contam com a participação dos membros daquela comunidade. Obviamente, a formação escolar deveria enfatizar a necessidade de participação de cada indivíduo na sua "tribo", diferentemente do resultado que obtemos hoje que privilegia o individualismo e a competitividade, apesar dos esforços que visam fortalecer a cidadania. É necessário estimular a cooperação e não a competição. Outro ponto que deveria ser estimulado é que qualquer problema que aconteça na comunidade é de responsabilidade de cada um que participa da mesma, e não como no modelo atual que muitos acham que a responsabilidade é do governo e pagam caro para que este resolva seus problemas. Mas como o governo pode resolver algo se é composto por pessoas que pensam do mesmo jeito? De qualquer forma, essa visão de comunidades está baseada na distribuição do poder em unidades que possam ser fiscalizadas e gerenciadas por um grupo pequeno de pessoas. As estruturas que temos hoje estão baseadas na concentração do poder, o que dificulta a fiscalização e, por conseguinte, gera corrupção.

Se olharmos sob o ponto de vista prático, a visão acima é pouco provável, ou mesmo pouco viável, em um curto espaço de tempo, pois seria necessária uma ruptura brutal de toda uma estruturação social e a história mostra que mudar comportamentos leva tempo, mesmo se tomarmos por base o último século. Como poderíamos então criar bases para que a emancipação feminina não seja acusada de arriscar o casamento ou a família? Primeiramente, temos que acreditar intimamente que a emancipação é benéfica, não adianta apenas discursar hipocritamente sobre a questão. Em segundo, temos que valorizar a profissão "do lar" executada largamente até pouco tempo pela mulher. Percebam que usei o termo "profissão", pois é assim que deve ser considerado. É uma atividade tão importante que dela talvez dependa o futuro da humanidade. Isso pode parecer machismo, mas não é, basta vocês se perguntarem: eu deixaria meus filhos serem educados por alguém que não tivesse noção de higiene nem integridade moral? Nem os seus bens materiais vocês deixariam, quanto mais seus filhos. Se considerarmos essa atividade como uma profissão, temos que ter profissionais qualificados que exerçam essa função. Em terceiro, conforme citado acima, temos que entender de forma objetiva qual a função que essas associações chamadas casamento e família tem na sociedade. Não adianta apenas a visão romântica do amor eterno na saúde e na doença, pois estar associado implica em obrigações e responsabilidades, especialmente quando há crianças envolvidas. Deveriam ser criados modelos jurídicos de casamento que façam mais sentido em relação aos novos comportamentos. Se alguém dá total prioridade para sua carreira, então é melhor não casar. Se o fizer, deve haver algo que o obrigue a dedicar parte do seu tempo ao casamento. Se considerarmos que ser pai ou mãe é uma profissão, então deve haver algo que obrigue o pai e/ou a mãe a se dedicar aos filhos ou então a empreender recursos suficientes para contratação de alguém competente que o faça (e goste do que faz). Caso não seja possível, então é melhor que não tenham filhos, afinal já há muita gente no mundo e, segundo a tese defendida pelo Dr. Elsimar Coutinho, o mundo não tem problemas econômico-sociais, e sim, problemas de explosão populacional. Se reduzirmos a população, as mazelas do desemprego, distribuição de renda, saneamento básico, etc., podem ser equacionadas mais facilmente.

Isso não é absurdo, é uma realidade. Infelizmente, temos sido incompetentes nas profissões de educar nossas crianças, de compartilhar com nossos amores, de dar a devida importância a nossas famílias, dar a devida importância aos membros de nossa comunidade. Se isso não estivesse ocorrendo, não haveriam tantos divórcios nem tantas crianças abandonadas, a sociedade estaria mais saudável. A liberdade da mulher (e do homem) tem que ser preservada, mas a de nossos filhos também. Há espaço para ambas, mas muitas vezes não ao mesmo tempo, nem na mesma vida. Portanto, cada um tem que fazer sua opção, com responsabilidade e consciente do que isso representa para sociedade. Se isso não for feito, talvez não será possível preparar nossas crianças para uma nova sociedade, e então, ficará difícil garantir um mundo mais justo, pois não há como preservar a liberdade sem uma adequada formação emocional, intelectual, moral e social.

Cerpens Welsi

Nota: Cerpens Welsi é um executivo da área
de informática em uma grande empresa.