*** NOTURNO, quase acalanto para BRASÍLIA, ancoradouro do MITO ***
Farias de Carvalho
De repente, / O sonho armando tendas no cerrado. / Geografia lunar, a aurora faz-se febre / Rasgando as surdas laparotomias
/ No ventre milenar do descampado.
Teodolito de azul, mapas de audácia.
Eles vieram, inflando as bujarronas / Dos bergantis das suas esperanças. / Vieram e fundearam. / Ancorando seus múltiplos cansaços / No inconsúltil corpo da enseada / Que inauguravam, tecida de delírios, / De devaneios e de madrugadas.
Brasília! Súbito, / A brisa transformada em partitura / Recolhendo solfejos e bemóis / Na cantata de aço dos tratores / Riscando no vermelho dos caminhos / A sinfonia dos novos arrebóis.
Brasília! (...) meu canto /só quer lavar-te as chagas e as feridas / Para vestir-te uma outra vez de auroras / Com o sonho que restou das nossas vidas.
Brasília! Olho-te e sinto que és um risco / De tatuagem sobre a eternidade / Onde um fantasma em risos se agasalha / Nas esquinas da brisa, degustando / Seus banquetes eóleos de saudade.
Brasília! Amo-te em cada palmo do teu chão / Que guarda o som dos passos pioneiros / Dos que já te traziam, além dos mapas,
/ Na bússola interior do coração.
Amo-te na paisagem que se esconde
/ No teu ar de presságios e mistérios; / Amo-te, não no que te tornaram. / Mas no destino / Que ainda não se cumpriu / E dorme como um pássaro de asas tontas / no olhar de amplidão de Juscelino.
Amo-te na seara de esperanças / Que ainda amadurece, e está à espreita / No útero de fogo das auroras / Que aconteça o momento da colheita.
Amo-te, / Despida de ornamentos e excelências / De majestades, sabres e tambores. / Mas em ti mesma , nua / como a lua, / Que acoberta os teus bêbados notívagos / Teus poetas perdidos e seus amores.
Brasília! Ilha,
Nas rotas do amanhã, este acalanto,
Sabe a selva e mar, sorriso e pranto,
Matérias-prima de que fez-se o mito
Desse teu existir antes de ser.