AS LOJECAS
O
"daimon" português é o comércio. O leva e
traz, a margenzinha de lucro, o espeta-a-unha que a gente arranja um desconto
e depois revende mais além, ficam todos a ganhar. Que um estabelecimento
é coisa sólida, porta aberta, caixotes, mercadoria empilhada,
livro de assentos, dono atrás do balcão:
"Ora faça favor! ? ".
Cem gramas de fiambre, 2 queques, 1/2 Kg.
de cimento, uma torneira, metro e meio de fita de nastro, aqueles chinelos
ali, trinta e oito. Trinta e oito não temos, sempre a falar no plural,
temos, nós, a firma, nós, o
negócio.
Como carrejões, em carrinhas Toyota
Hiace, Ford Transit, encafuando cabazes, frutas, garrafões, T-Shirts
que não desbotam, sacos de cebola, costoletas de porco, lá
andam os negócios do português, fazer uma casinha, comprar
terra, uns ouros, uma conta a prazo na "Caixa".
Por um prato de lentilhas, desfazem-se. Não
ter patrões, mandar neles, ser independentes, desconfiar
da "coisa grande", notários, advogados, escritas com IVA,
contabilidades.
Ter a mania que tem jeito para tudo, obras,
fachadas, decoração, quero lá saber do "Finantial
Times", do índice Nikkei, de Wall Street! Depois, talvez, uma
menina pr'á caixa, um balcão frigorífico, uma máquina
de "cimballinos", um mini-mercado com cestas inox e frutas em
promoção. Semana, Domingos, feriados, sempre abertos, umas
ventoinhas a enxotar as moscas, uma mulher gorda e triste a fazer rissóis
e croquetes. Quem sabe, comprar um Mercedes a faiscar, um BMW de jantes
alargadas, que é para verem, ó pelintras que me olhais com
desprezo e aturais escritórios, transportes, andais pr'á
aí com contas, tome lá 10 contos a abater, bem vos conheço.
. .
Um dia, se a canalha não quiser o
negócio, por via dos liceus e dos estudos, trespassar a tenda e
reformar-se, sem "fazer «ninhum»"!
Aos Domingos, um cozido à portuguesa, com todos, um "brande"
pr'a esmoer, adormecer ouvindo o relato, com o JN na necrologia e nos anúncios.
Passa-se loja. Passa-se Vida! !
23. 07. 92