RENATO SÓCRATES GOMES PINTO, Procurador de Justiça do Distrito Federal. Pós-graduado em Direito e Estado pela Universidade de Brasília e em Direitos Humanos e Liberdades Civis pela universidade de Leicester, Grã-Bretanha..
INTRODUÇÃO
Vivendo estamos sempre aprendendo, mas o que mais aprendemos mesmo é a fazer mais perguntas. (GUIMARÃES ROSA)
Com a presente monografia propõe-se uma reflexão sobre os direitos humanos na América Latina, a partir do impacto da globalização econômica.
É, inicialmente, discutida a contemporaneidade latino-americana e a perspectiva dos direitos humanos diante da Globalização Econômica. Em seguida é apresentado um perfil do florescente "Direito Internacional dos Direitos Humanos", sendo também abordado o tema do conflito ideológico no campo dos Direitos do Homem, como ele se apresenta na atualidade.
Por fim, é posta a tese de que a prevalência dos direitos humanos se afirma como uma ordenação internacional de vigência, que terá uma função de equilíbrio na economia globalizada do reino neo-liberal.
1. A PÓS-MODERNIDADE, O NEOLIBERALISMO E A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA
Nesta virada de milênio, parece evidenciada a configuração da globalização econômica e da hegemonia do neoliberalismo. À vista dos grandes desafios da América Latina abertura política, estabilização econômica e reforma social segundo JOSÉ EDUARDO FARIA, emergem as seguintes questões: como criar e desenvolver formas originais e inéditas no Continente, conciliando a racionalidade técnico-instrumental dos processos de modernização econômica com a racionalidade normativa dos processos de modernidade político-jurídica?
Como pode a sociedade latino-americana autodeterminar sua ordem coletiva em termos de engenharia institucional, diante de um processo transnacional de modernização que compromete a soberania de seus Estados e torna obsoletos seus instrumentos tradicionais de ação, gestão, controle e planejamento?
As indagações do notável estudioso são tormentosas, pois a receita neoliberal, com seus ingredientes essenciais - a desconstitucionalização, a deslegalização e a desregulamentação - poderá resultar no esvaziamento institucional e no retorno ao "estado de natureza" hobbesiano e à barbárie, numa verdadeira catástrofe social para os latino-americanos.
O que se verifica, na era pós-industrial é a supressão das oportunidades de trabalho ignorando-se a proteção que dá a nossa Constituição contra a eliminação de empregos em virtude da automação. E isto sem uma crescente, igual e simultânea preocupação, também, com o implemento de uma política de desenvolvimento de novos campos de atividade profissional de molde a proporcionar pelo menos os meios mais imprescindíveis para a sobrevivência do ser humano excluído. E o pior é que isso tudo não é nosso. Vem-nos de forma imposta, sem ao menos se consultar previamente nossa realidade sócio-econômica, cultural, histórica, com sacrifícios de toda natureza.
E a consequência é o agravamento crescente do sofrimento social, ampliando-se ainda mais o nosso universo de excluídos e vulnerabilizados. E, certamente, será dantesco o cenário que se desenhará para a América Latina. Teremos minorias morando em condomínios fechados e consumindo griffes franqueadas em Shopping Centers, em contraste com a grande maioria de sem-tetos, sem emprego, sem alimentos, sem saúde, sem escola, sem-terra e, enfim, sem dignidade.
Sustenta-se que essa realidade virá agravar mais ainda a situação sócio-econômica latino-americana porque o modelo neoliberal, marcado pelo eficientismo de mercado e pela idéia do Estado mínimo, esmaga as conquistas dos trabalhadores e inviabiliza investimentos para a implementação de políticas públicas voltadas para a inclusão social. Para uma melhor percepção da infelicidade social do Continente e, particularmente do Brasil, basta consultar os indicadores sócio-econômicos.
A mortalidade infantil, a falta de escolas, a exploração do trabalho infanto-juvenil, a prostituição infantil, o desemprego, a desnutrição, as endemias, o deficit habitacional, a sempre postergada reforma agrária e a falta de uma previdência e assistência social que ampare adequadadamente a população, estão retratados nesses assustadores indicadores.
E diante da perspectiva de agravamento desse quadro, falar em direitos humanos em nosso continente pode parecer ingênuo otimismo. Aliás, a própria apologia que os países centrais fazem dos direitos humanos e da preservação do meio-ambiente também tem sido vista como uma forma de refinado neocolonialismo.
Em meio a essas angustiantes considerações, é de se observar que felizmente alguns ventos sopram na Europa que talvez tragam algum refrigério para esse estado de espírito.
Quer-se referir aos resultados das eleições na Grã-Bretanha e na França, que parecem produzir importante abalo numa tendência que já vinha se consolidando de forma quase irreversível.
A vitória do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha foi deveras esmagadora, e segundo Domingos Armani, "a razão de fundo para tanta festa é que a vitória do Partido Trabalhista, além de marcar o adeus às duas décadas de regime conservador, significa também o fim de uma era em que o princípio do livre mercado foi levado às últimas consequências, entronizado como regulador social absoluto - a mensagem das urnas é clara: a era do ultraneoliberalismo de inspiracão thatcherista acabou".
Portanto, se o quadro não é para otimismo, devemos ser pelo menos pessimistas ativos, pelos recentes fenômenos eleitorais na França e Reino Unido e à vista da ainda vigente abertura para os direitos humanos, que, segundo a cartilha editada pelo governo brasileiro para divulgar o Plano Nacional dos Direitos Humanos, "é o novo nome da Democracia...".
2. A EMERGÊNCIA DE UM DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Observa-se, na atualidade, o surgimento de uma nova disciplina
jurídica, com autonomia didática e científica, designada
"Direito Internacional dos Direitos Humanos" (International Human Rights
Law).
As normas desse florescente Direito, que tem dimensão
global, são externadas em declarações, pactos, convenções
e protocolos adicionais. As declarações, como é o
caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração
Americana dos Direitos Humanos, são instrumentos que consubstanciam
regras de Direito Internacional Consuetudinário e princípios
gerais do direito. Os pactos, convenções e protocolos adicionais
constituem tratados que vinculam os Estados signatários, sendo,
como veremos adiante, internalizados no Direito Constitucional e infra-constitucional
dos Países.
Esse novo ramo do Direito emerge com princípios
próprios. Suas normas têm hierarquia
constitucional e se caracterizam por sua força expansiva decorrente
da abertura
tipológica de seus enunciados. O Direito Internacional dos Direitos
Humanos também
rompe com a distinção rígida entre Direito Público
e Direito Privado, libertando-se dos
paradigmas clássicos.
Como base jurídico-política do que pode ser
considerada a vertente humanista da
globalização, o "Direito Internacional dos Direitos Humanos",
por ter também uma
função de dissolver fronteiras, a operar a proteção
do ser humano intrinsecamente
considerado, tangencia o tradicional conceito de soberania irrestrita.
O que se vislumbra em todo esse processo de internacionalização
dos direitos humanos, a
que NORBERTO BOBBIO se refere como essencial no caminho obrigatório
para a
busca da "paz perpétua", no sentido Kantiano da expressão,
é a configuração de um
fenômeno da mesma natureza da globalização econômica.
A estrutura normativa de proteção internacional
dos direitos humanos abrange os
instrumentos de proteção global, cujo código básico
é a chamada international bill of
human rights, compreendendo (a) o pacto e o protocolo facultativo internacional
dos
direitos civis e políticos, (b) o pacto internacional dos direitos
econômicos, sociais e
culturais e os instrumentos de proteção regional, que
são aqueles pertencentes aos
sistemas europeu, americano, asiático e africano. Costuma-se
também classifcar esses
tratados em instrumentos gerais ou específicos, conforme o âmbito
de aplicação.
O primeiro marco histórico referido à internacionalização
dos direitos humanos terá sido
a Convenção de Direito Humanitário de 1864 (jus
in bello).
O Direito Humanitário surgiu então como primeira positivação,
no campo do Direito
Internacional, dos direitos humanos.
Outra pedra fundamental foi a Convenção da
Liga das Nações de 1920 , que continha
previsões genéricas referentes aos Direitos Humanos,
obrigando os Estados signatários
a respeitarem a dignidade dos homens, mulheres e crianças, particularmente
no campo do
trabalho. Pela primeira vez, foram previstas sanções
econômicas e militares contra os
Estados que violassem essa Convenção.
No processo de internacionalização dos direitos
humanos, foi também marcante a
instituição da Organização Internacional
do Trabalho. Nessa fase inicial, contudo, ainda
vigorava a idéia de que os direitos humanos eram matéria
subtraída à participação do
indivíduo como ator do processo. Os instrumentos eram endereçados
apenas aos Estados,
sendo os indivíduos apenas objeto de proteção,
sem direito de representação.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação
das Nações Unidas, em 1945, houve uma
genuína revolução jurídica, que internacionalizou,
de modo decisivo, os direitos humanos
(arts. 55 e 56 da Carta da ONU).
Em 1948, foi aprovada a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, enunciando
direitos referidos à liberdade e à igualdade. Esta representou
também um salto de síntese
dialética de superação da velha dicotomia (liberdade
versus igualdade), ao reunir, num
mesmo documento, os direitos civis e políticos, bem assim os
direitos econômicos, sociais
e culturais, afirmando então a indivisibilidade dos direitos
humanos fundamentais.
Ainda em 1948, foi aprovada a convenção contra o genocídio.
No mesmo ano, foi
assinada, em Bogotá, a Convenção Interamericana
sobre a Concessão dos Direitos Civis
e dos Direitos Políticos à Mulher.
Em 1950, foi aprovada a Convenção Européia
dos Direitos Humanos. O tratado europeu
representou um dos mais significativos avanços na consolidação
do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, com uma grande inovação: elevou
o indivíduo à condição de
sujeito de direito internacional, ao prever a possibilidade de qualquer
cidadão, nacional ou
estrangeiro, individual ou coletivamente, ajuizar petições
junto à Comissão Européia de
Direitos Humanos, denunciando violações dos direitos
e liberdades enunciados na
Convenção.
Numerosas outras convenções vêm sendo firmadas, a saber:
(a) em 1951, a convenção relativa ao estatuto dos refugiados;
(b)em 1966, o pacto internacional para a proteção dos
direitos civis e políticos e o pacto
internacional para a proteção dos direitos econômicos,
sociais e culturais;
(c) em 1968, a convenção sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação racial;
(d)em 1969, a convenção americana sobre direitos humanos;
(e)em 1979, a convenção sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação contra a
mulher;
(f) em 1984, a convenção contra a tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis,
desumanas ou degradantes;
(g) em 1985, a convenção interamericana para prevenir
e punir a tortura; (h) em 1989, a
convenção sobre os direitos da criança;
(i) em 1994, a convenção interamericana para prevenir,
punir e erradicar a violência
contra a mulher.
A partir, portanto, de meados deste século, várias
declarações, pactos e convenções
sobre direitos humanos vêm sendo produzidas, num processo de
convergência mundial
pela positivação desses direitos. E os direitos e liberdades
enunciados nesses tratados
internacionais vêm sendo internalizados no Direito Constitucional
dos países, como
normas materialmente constitucionais.
No Brasil, esses direitos são constitucionalizados
em virtude do disposto no parágrafo 2º
do art. 5º da Constituição de 1988, que diz que
os direitos nela enunciados não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem, então,
essa porta de entrada para o
Direito Constitucional Positivo Brasileiro e, uma vez pertencendo à
ordem
jurídico-constitucional brasileira, tem a mesma força
normativa dos direitos fundamentais
expressos no texto constitucional, isto é: (a) estão
entre os fundamentos da República
(art. 1º, incisos II a V), (b) permeiam os objetivos fundamentais
do Estado (art. 3º, incisos
I, III e IV), (c) são diretrizes que regem as relações
internacionais do Brasil (art. 4º,
inciso II) e (d) constituem cláusula pétrea da Constituição
(art. 60, § 4º, inciso IV), (e)
dando lugar à intervenção federal em caso de sua
inobservância (art. 34, inciso VII, b).
No Direito Constitucional Comparado Latino-Americano a
mesma força normativa dos
tratados internacionais sobre direitos humanos é observada.
FLÁVIA PIOVESAN, em
sua excelente obra Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional
faz
substanciosa síntese da recepção dos tratados
sobre direitos humanos nas constituições
latino-americanas, nestes termos:
Destaque-se, inicialmente, a Constituição
do Peru de 1979, ao determinar no art. 105 que
os preceitos contidos nos tratados de direitos humanos têm hierarquia
constitucional e
não podem ser modificados senão pelo procedimento que
rege a reforma da própria
constituição.
No mesmo sentido, a Constituição da
Argentina, após a reforma constitucional de 1994,
passou a dispor no art. 75, inciso 22, que, enquanto os tratados em
geral têm hierarquia
infra-constitucional, mas supra-legal, os tratados de proteção
dos direitos humanos têm
hierarquia constitucional, complementando os direitos e garantias constitucionalmente
reconhecidos.
Por sua vez, a Constituição da Nicarágua
de 1986 integra à enumeração constitucional de
direitos, para fins de proteção, os direitos consagrados
na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (...). Esta Constituição confere assim
hierarquia constitucional aos
direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos.
Um outro exemplo é a Constituição
da Guatemala de 1986, ao prever que os direitos e
garantias nela previstos não excluem outros que não figurem
expressamente do catálago
constitucional. Este texto adiciona que os tratados de direitos humanos
ratificados pela
Guatemala têm preeminência sobre o Direito interno, nos
termos do art. 46.
Nesta mesma direção está a Constituição
da Colômbia de 1991, que no art. 93 confere
hierarquia especial aos tratados de direitos humanos, ao determinar
que estes
prevalecem na ordem interna e que os direitos humanos constitucionalmente
consagrados
serão interpretados em conformidade com os tratados de direitos
humanos ratificados
pela Colômbia.
Ainda que não se atribua status de regra constitucional
às enunciações de direitos dos
tratados internacionais sobre direitos humanos, mesmo assim subsiste
sua força
normativa constitucional, pois consubstanciam princípios com
carga de normatividade,
inclusive como diretriz hermenêutica. A força normativa
dos princípios já está consolidada
no constitucionalismo pós-positivista, a partir de Müller,
na Alemanha, que suplantou as
concepções tradicionais de Kelsen e seus seguidores,
e a partir de Dworkin, que, no
mundo anglo-saxônico, mudou o eixo de Oxford (Bentham e Austin)
para Harvard.
Entre nós, já Ruy Barbosa dizia que "não
há, numa Constituição, cláusulas a que se deva
atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições."
E releva notar que em sede de direitos fundamentais, as
normas constitucionais, sejam
explícitas ou implícitas, têm aplicação
imediata.
3. A NOVA VERSÃO DO CONFLITO IDEOLÓGICO NO
CAMPO DOS DIREITOS
HUMANOS
O debate que se instaurou após as Declarações
de Direitos do final do Século XVIII
(Revolução Francesa e Independência Americana)
foi pautado pela negação a esses
direitos.
Mesmo na tradição liberal, na sua vertente
utilitária, os direitos do homem foram
veementemente contestados, inclusive pelo seu maior corifeu —Jeremy
Bentham — que
argumentava que direitos eram apenas aqueles positivados pela lei.
Também os socialistas opunham-se a essas declarações
por nelas vislumbrarem a
celebração do individualismo, assegurando aos interesses
individuais primazia sobre os
interesses sociais da comunidade. No famoso escrito "Sobre a Questão
Judaica", KARL
MARX disse que 'nenhum dos chamados direitos do homem vão além
do homem egoísta,
... aquele indivíduo por trás de seus interesses privados
e caprichos pessoais, separado
da comunidade'.
Após a 2ª Guerra Mundial, quando já
se tornara obsoleta a discussão em torno da
negação dos direitos do homem, o conflito ideológico
no campo dos direitos humanos
desloca-se para o eixo do confronto entre os valores liberdade e igualdade.
Para o liberalismo, que se apega ao paradigma do indivíduo
como o ator autônomo,
separado e autodeterminado, num contexto minimalista do Estado, direitos
humanos
seriam apenas os direitos civis e políticos, para cuja concretização
requerem prestação
negativa e sem custos, para o Estado (Democracia formal).
Para os socialistas, que se inspiram no ideal de igualdade,
seriam também direitos
humanos os chamados direitos econômicos, sociais e culturais,
porquanto somente com
sua implementação, mediante prestação positiva
do Estado, com efetivos investimentos
sociais e com redistribuição solidária das riquezas
e seus benefícios, é que se realizaria a
democracia material.
O conflito ideológico, projetado na geopolítica,
se dava mais numa direção leste/oeste do
que norte/sul.
Era um confronto entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental, de um
lado, e o bloco
liderado pala União Soviética, de outro.
A aprovação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos só foi possível, com a
unanimidade que houve, por que foi vitoriosa a pressão dos países
socialistas, liderados
pela então URSS, no sentido de que fossem também contemplados
naquele documentos
os direitos econômicos, sociais e culturais.
Esse fato coroou a tese da indivisibilidade dos direitos
humanos, mas em 1966, essa
indivisibilidade foi abalada pela produção de dois documentos
diferentes, um para os
direitos civis e políticos e outro para os direitos econômicos,
sociais e culturais (os pactos
da international bill of human rights).
Na era pós-moderna, após a derrocada do império
soviético e a queda do muro de Berlim,
sinalizando a vitória liberal e a afirmação da
hegemonia do neoliberalismo, os países
periféricos passaram a amargar as conseqüências de
um arrefecimento do entusiasmo
mundial em matéria de direitos humanos, inclusive com os tradicionais
direitos civis e
políticos.
Disto resulta que a nova versão do conflito ideológico
no campo dos direitos humanos
decorre do anseio dos países periféricos pelo reconhecimento
dos direitos mínimos aos
grandes contingentes de excluídos e vulnerabilizados e da pressão
decorrente da
hegemonia do neoliberalismo e da globalização do mercado
pelo prevalecimento de seus
paradigmas, consubstanciados no "Consenso de Washington", que é
uma síntese de dez
reformas básicas preconizadas pelo Departamento do Tesouro,
pelo Federal Reserve,
pelo Departamento de Estado Americano, pelos Ministérios das
Finanças dos Países do
Grupo dos Sete e pelos Presidentes dos vinte maiores bancos internacionais,
que têm
audiência nos organismos multilaterais.
As reformas são:
1) disciplina fiscal para eliminação do deficit público;
2) mudanças das prioridades em relação às
despesas públicas, com superação dos
subsídios;
3) reforma tributária, mediante a universalização
dos contribuintes e o aumento de
impostos;
4) adoção de taxas de juros positivas;
5) determinação da taxa de câmbio pelo mercado;
6) liberação do comércio exterior;
7) extinção de restrições para os investimentos
diretos;
8) privatização das empresas públicas;
9) desregulamentação das atividades produtivas; e
10) ampliação da segurança patrimonial, por meio
do fortalecimento do direito de
propriedade.
O impacto dessas reformas, consagrando o eficientismo inerente
à lógica exclusivamente
de mercado, certamente será contrário aos interesses
dos povos dos países periféricos,
pois representam o retorno ao capitalismo selvagem. Se não houver
uma contrapartida
pautada por políticas públicas voltadas para o social,
tendo por escopo a efetiva
concretização dos direitos humanos, principalmente dos
direitos de segunda geração
(direitos econômicos, sociais e culturais), o resultado poderá
ser o retorno à barbárie e ao
"estado de natureza hobbesiana".
Já se observa, no Continente, indicadores desse
prognóstico, com as tensões sociais
retratadas nos movimentos populares (sem-terra, sem-teto etc) e pela
explosão de
litigiosidade que vem ocorrendo nos últimos anos. Por essa razão
é preciso perceber a
função que têm os direitos humanos de promover
a descompressão das tensões sociais e
atender ao Compromisso de Viena, no sentido de que todos os Estados
deverão cumprir
suas obrigações de implementar todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais,
devendo ser dado a todos os direitos o mesmo peso.
CONCLUSÃO
É do próprio ROBERTO CAMPOS que se extrai a seguinte reflexão:
... mas acho que talvez devamos prestar mais atenção à
rarefação da condição humana no
meio da superfetação do que os economistas pedantemente
chamam de bens e serviços...
Por isso é preciso atentarmos para os direitos humanos
como uma luz no fim do túnel para
a angústia de nosso tempo.
Talvez a idéia de globalização, também,
dos direitos humanos, ainda possa vir a ser a
apoteose do pós-modernismo.
Retomando as indagações postas pelo Professor
JOSÉ EDUARDO FARIA, diríamos que
se não houver uma recorrência aos direitos humanos como
um monolito intocável da
humanidade, não há como conciliar a modernidade econômica
com as tensões sociais que
já se apresentam no continente.
Mas não se pode perder de vista que a autodeterminação
de uma ordem coletiva e de
uma racionalidade normativa, para um projeto de modernidade político-jurídica,
é
indispensável o ingrediente da legitimidade, que só existe
num processo dialógico, e não
monológico, pois a obediência à lei pressupõe
o apoio que lhe der a sociedade.
Legitimidade, segundo prodigiosa síntese de IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS
FILHO, é "a força vinculante da norma, capaz de gerar
sua observância espontânea,
dado o reconhecimento social da justiça do comando legal".
A história terá um curso saudável
se forem reconhecidos aos povos dos países
periféricos, em que está incluída toda a América
Latina, os universais, inalienáveis e
indivisíveis direitos humanos, pois num mundo globalizado e
sem aduanas, felicidade só
haverá com a efetiva proteção dos direitos humanos
fundamentais dos povos.
Então, por que não a globalização, também, dos direitos humanos?
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