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Imunologia

por Ricardo Weinlich


  1. Introdução ao tema
  2. Pré-requisitos para a formulação de uma nova vacina
  3. Técnicas mais utilizadas na confecção de vacinas
  4. Inovações no mundo da vacina
    1. Peptídeos sintéticos
    2. Vacina de vetores recombinantes
    3. Vacina de DNA em plasmídeos
    4. Comentários finais
  5. Links

As doenças infecciosas ainda são responsáveis pelo maior número mortes no planeta, facilmente superando as mortes causadas por guerras, acidentes e infartos. E esta situação só não é pior graças ao avanço contínuo da medicina, principalmente na área de prevenção, ou seja, no desenvolvimento de vacinas.

As vacinas, além de poupar grandes sofrimentos para a população, ainda possuem a melhor relação custo benefício, ou seja, é mais vantajoso investir em vacinação (prevenção) do que no tratamento das doenças (uso de remédios e soros); o que acaba confirmando uma das citações populares: "É melhor prevenir a remediar".

A vacinação começou a ser amplamente utilizada após o sucesso de Pasteur e Jenner, dois dos primeiros cientistas que obtiveram sucesso no controle de doenças por meio de vacinas, como por exemplo, a raiva. Várias doenças passaram a ser controladas, sendo que um grande triunfo aconteceu na década de 70, quando uma campanha mundial de vacinação praticamente erradicou a varíola - doença que atingia de 10 a 15 milhões de pessoas.

Apesar destes grandes benefícios existem ainda muitas doenças que não possuem vacinas contra elas desenvolvidas. Em grande parte isto se deve à falta de conhecimento do mecanismo de ação destes agentes patogênicos e também do funcionamento do sistema imune humano. Graças ao grande avanço obtido recentemente nestas áreas novos enfoques de confecção de vacinas estão ficando acessíveis.


Uma vacina, por mais diferente que seja seu meio de ação e/ou origem, precisa preencher certos pré-requisitos:


As técnicas mais utilizadas na confecção de vacinas são:

  1. Organismos inteiros atenuados: representam a mais velha e simples maneira de se fazer uma vacina. Este método possui a grande vantagem de ser muito simples e simular todos os mecanismos existentes na infecção natural mas é também o mais arriscado, já que há a possibilidade . destes organismos de se reverterem para sua forma mais patogênica ou encontrarem sistemas imunes fracos que possibilitem seu crescimento. Ex: Sabin (poliomielite)
  2. Organismos inteiros mortos: muito parecido com o anterior com a vantagem de não permitir a multiplicação do organismo mas com a desvantagem de não produzir proteínas que normalmente servem de antígeno à resposta imune. Ex: Salk (pólio)
  3. Organismos inteiros modificados: os genes causadores da patogenicidade do organismo são muito modificados ou até deletados. Isto evita um risco de reversão mas têm como desvantagens uma necessidade de maior estudo do patógeno e uma pequena mas considerável probabilidade de não imunizar o indivíduo contra o organismo selvagem. Ex: gripe.
  4. Subunidades antigênicas purificadas: como esta técnica usa antígenos ao invés de organismos inteiros, ela evita os problemas citados acima, mas para isto é necessário um estudo detalhado da estrutura dos antígenos para escolher um que apesar de não ser tóxico proteja contra as toxinas produzidas na infecção. Ex: influenza tipo B.

Porém, as técnicas mais recentes estão brevemente descritas abaixo e serão melhor explicitadas ao longo do texto:

Os últimos três métodos citados anteriormente exigem explicações mais detalhadas que estão apresentadas a seguir. Estas explicações só foram possibilitadas através de estudos e pesquisas com o vírus da raiva (Ertl e Xiang, 1996).


As inovações no mundo da vacina:

Peptídeos sintéticos

Linfócitos T reconhecem antígenos na forma de peptídeos de 8 a 12 aminoácidos associados a moléculas MHC de classe I ou II. A célula T citotóxica (CD8+) sempre reconhece peptídeos conectados com moléculas MHC de classe I. Estes peptídeos são derivados de proteínas sintetizadas pelo sistema de novo (proteínas virais). Já o linfócito T auxiliar (CD4+) responde a peptídeos associados a moléculas MHC de classe II gerados a partir de proteínas fagocitadas. Anticorpos, ao contrário, reconhecem os epítopos presentes em antígenos solúveis.

Epítopos podem ser mimetizados por peptídeos sintéticos. Estes peptídeos, quando associados a adjuvantes apropriados, são capazes de se ligar às moléculas de MHC disponíveis na membrana celular. Conseqüentemente, ativam uma resposta imune, o que sugere que peptídeos sintéticos podem ser usados como vacinas.

Ao contrário das vacinas tradicionais, as peptídicas têm como vantagens o fato de serem seguras, de poderem induzir respostas bem definidas do sistema imune e de serem sintetizadas com alta reprodutibilidade e excelente pureza em grandes quantidades. As principais desvantagens são sua baixa imunogenicidade e a monoespecificidade da resposta imune induzida, o que faz com que a vacina não seja efetiva contra patógenos mutantes. Também há a limitação das respostas de indivíduos geneticamente distintos, circunstância que não apresenta solução. A baixa imunogenicidade causada pela rápida degradação de peptídeos por peptidases do soro pode ser corrigida por uma modificação de peptídeos ou pela sua incorporação em formulação de liberação controlada. As soluções citadas foram testadas pela equipe de Ertl e Xiang usando-se peptídeos da proteína G ou da nucleoproteína do vírus da raiva. Embora ambos os métodos possam aumentar a imunogenicidade, os peptídeos continuam sendo fracas opções para vacinas antivirais usadas para grandes grupos populacionais devido à grande variabilidade genética dos indivíduos.

Vacinas peptídicas podem ser usadas na terapia do câncer. Com as recentes inovações da biologia molecular, é possível identificar oncoproteínas celulares, como patogênicas p53 ou ras mutadas, que diferem das selvagens por conterem mutações pontuais acumuladas. Algumas mutações podem resultar em uma seqüência que seja reconhecida por linfócitos T. Outras, como as mutações da p53, causam uma expressão muito aumentada da proteína devido a mudanças estruturais que dificultam a degradação da mesma. A super-expressão faz com que epítopos normalmente silenciosos fiquem expostos. As mutações de cada paciente podem ser facilmente identificadas através da técnica de sequenciamento do RNA mensageiro da célula tumoral. Isso contribui para o conhecimento necessário para a produção de vacinas particulares (diferentes para cada paciente) contra seqüências mutadas ou super-expressadas de oncoproteínas. Essa terapia não é usada em humanos, mas experimentos com ratos das concluíram que a vacina peptídica administrada com um adjuvante (uma citocina) pode causar uma resposta imunológica de proteção contra células tumorais que têm a mutação homóloga a da seqüência usada para a produção da vacina.


Vacina de vetores recombinantes:

Vários organismos diferentes são usados para a construção de vacinas recombinantes, como por exemplo a bactéria Salmonella (entre outras) e vírus como vaccinia e adenovírus. Enfatizar-se-á aqui a tecnologia de vacinas baseadas em vaccinia e adenovírus. Estas são vantajosas por serem muito eficazes na ativação tanto de resposta imunológica humoral quanto celular, muitas vezes sendo necessária apenas uma aplicação. Por outro lado, existem riscos como a conversão dos genes virais inseridos para a virulência ou a recombinação com vírus selvagens e potencial interferência com uma imunidade preexistente ao vetor da vacina.

A eficiência da vacina a partir de vaccinia foi comprovada através de experimentos feitos com o vírus da raiva. Foi feito um recombinante viral vaccinia-proteína G (do vírus da raiva) que mostrou induzir uma resposta imune através de anticorpos, células T auxiliares e citotóxicas. Animais imunizados com esta vacina estão protegidos contra doses letais do vírus da raiva. A imunidade foi adquirida tanto com a inoculação sistêmica quanto via oral.

Esta vacina, chamada VRG, possui replicação limitada dentro do organismo, é estável em altas temperaturas e é de fácil, sendo então muito útil para a imunização de grandes populações de animais selvagens. Não deve ser usada em humanos, nem em animais que entram em contato com aqueles por ter uma pequena probabilidade de conversão à virulência.

Também foi feita para esta mesma proteína G uma vacina recombinante usando como vetor um adenovírus replicação-incompetente. Tem como características vantajosas a alta potência (3 vezes mais do que a VRG), o longo período de exposição do antígeno e a própria incompetência de replicação que impede a proliferação indesejada do vírus-vetor. Com estes aspectos, esta vacina substituiria o uso da VRG mas, como é instável em altas temperaturas e de impossível ministração via oral, a vacina de vaccina é mais vantajosa para a vacinação de animais selvagens. Devido principalmente ao aspecto de replicação-incompetência, esta vacina tem sido alvo de estudo para uso em humanos e animais domésticos.

O uso do vetor de adenovírus está sendo muito visado pois induz imunidade com a aplicação via membranas mucosas. Isto faz com que este vetor seja muito apropriado na construção de vacinas contra agentes que infectam o organismo através das vias aéreas (como o influenza A) ou através do trato genital, como por exemplo o HIV ou Herpes simplex virus II.

 


Vacinas de DNA em plasmídeos:

Possui vários nomes diferentes como "imunização genética", "vacinas polinucleotídeas" e "DNA nu". Originalmente utilizado nas terapias gênicas, plasmídeos de DNA passaram a ser utilizados em vacinação a partir dos estudos de S.A.Johnston, que foi o primeiro cientista que descreveu a indução de respostas imunes na inserção de DNA nu. Diferentemente do que ocorre com as vacinas clássicas, a principal resposta imune não é contra os genes inseridos e sim contra as proteínas por ele codificadas.

A inoculação da vacina se dá por injeção intramuscular de uma solução aquosa contendo os vetores ou por bombardeamento de partículas de DNA por meio de um revólver gênico. Este processo causa a entrada destes plasmídeos dentro das células contíguas ao local de injeção. Este DNA irá ser transcrito e traduzido dentro das células causando sua expressão. As proteínas produzidas serão processadas similarmente a um antígeno viral intracelular e expressadas na membrana complexadas com moléculas de MHC classe I causando a ativação de linfócitos T CD8+. Além disso causa indiretamente a ativação de linfócitos T CD4+ e a produção de anticorpos.

A imunização por este método possui algumas características incomuns, por exemplo, a resposta de anticorpos é lenta, tendo seu pico somente após 10 semanas e, apesar de fraca, a resposta é muito duradoura, sendo que em experimentos com cobaias esta resposta se tornou permanente (cabe aqui maiores estudos, principalmente com animais de maior longevidade). Esta característica de imunização por um longo período de tempo é uma das principais vantagens deste método e está causando uma grande expectativa na comunidade científica e médica.

O mecanismo de ação desta vacina é muito pouco conhecido. O que se tem feito até agora é formular hipóteses do que ocorre através de algumas poucas evidências de resposta do organismo. Não se sabe como o DNA atravessa a membrana celular já que in vitro, este processo só ocorre em condições especiais, como precipitado com cálcio ou envolto por um lipossomo. In vivo o DNA pode ser aplicado tanto em soluções salinas ou hipotônicas ou até mesmo por meio de aplicação tópica (vias aéreas e trato genital). Células musculares expressam níveis baixos de MHC classe I e não expressam MHC classe II nem sinais coestimulatórios como B7.1. Isto normalmente causaria um anergia - faltam sinais coestimulatórios - ou uma não-resposta imune - níveis muito baixos de apresentação, o que vimos que não acontece. São propostas duas hipóteses que tentam explicar este fato mas nenhuma ainda conseguiu se firmar como verdadeira. A primeira hipótese é que algumas moléculas de DNA infectariam algumas células dendríticas que estão presentes em baixos níveis no tecido muscular e ativariam a resposta imune. Mas estas células estão silenciosas e para começar seu processo de resposta precisaria de um estímulo. Os sinais de ativação destas células dendríticas são pouco conhecidos. Já se sabe que um deles é devido ao aviso de infecção ou inflamação mas muito provavelmente os plasmídeos de DNA não simulam este estímulo. Outro problema é que as células dendríticas têm uma vida limitada, o que entra em conflito com a apresentação e resposta imune duradoura. A segunda hipótese sugere uma deposição de complexos de antígenos e anticorpos com baixa afinidade (lembrar que a produção de anticorpos com alta afinidade só se dá a partir da décima semana). Com isto haveria um liberação constante de poucos antígenos (que se soltariam destes complexos) provendo uma resposta imune duradoura.

Apesar desta falta de conhecimento sobre o mecanismo de funcionamento da vacina polinucleotídica, existem grandes vantagens deste método se comparado com as vacinas clássicas. A vantagem mais clara é a possibilidade de manipulação destes plasmídeos muito grande. Pode-se por meio das mais variadas técnicas selecionar genes e modificá-los. Outra vantagem seria a alta estabilidade. Sua resistência ao calor pode ser altamente explorada em países tropicais e/ou em desenvolvimento onde é mais complicado o armazenamento a baixas temperaturas. Tem também a ótima característica de não possuir riscos de conversão para virulência. Sua única desvantagem é a pequena probabilidade de haver inserção destes genes no genoma celular e causar uma oncogenia.

Atualmente existem vários estudos e desenvolvimentos de vacinas com esta técnica. Podemos citar como exemplo o trabalho do Instituto Wyoming DNA Vaccine que utiliza a técnica de imunização genética na busca de um meio de prevenção para a doenças causadas por nemátodas e helmintos em cães, felinos e humanos.

Sua pesquisa visa basicamente a produção de vacinas ministradas via oral para estimulação do sistema imune causando a morte do animal e conseqüente expulsão do nemátoda do trato digestivo (ao contrário da maioria dos remédios que somente causa a expulsão sem morte, possibilitando uma reinfecção). Isto diminuiria ou até mesmo acabaria com o uso de remédio contra estes organismos.

A vacina já feita (e pronta para consumo) com a técnica de DNA em plasmídeos é específica para Dirofilaria (parasita causador de doenças em homens, cães e gatos). É composta de múltiplos plasmídeos de DNA que estimulam a resposta celular e humoral contra todas as diferentes fases do parasita. Até o momento está disponível somente para uso veterinário.

Outro exemplo do uso desta técnica é o trabalho de Jeffrey,B.Ulmer et al. Publicado na Science (1993) que tem o seguinte título: "Heterologous Protection against influenza by injection of DNA encoding a Viral Protein". Como sugere o título há uma injeção de plasmídeos de DNA codificante de uma proteína do envelope viral. Uma grande vantagem deste método é a facilidade do plasmídeo in vivo penetrar na célula e codificar a proteína aí dentro, sem precisar de um vetor ou ter que ser endocitado pela célula, como ocorre quando usado peptídeos. Outra grande vantagem é que a apresentação dos antígenos produzidos para linfócitos T citotóxicos causa a expansão clonal do antígeno-específico mas este é capaz de reconhecer linhagens heterólogas àquela imunizada, protegendo assim a pessoa imunizada contra várias linhagens de uma só vez. Isto não ocorre com os anticorpos, que são "exclusivos" de uma só linhagem.

Podemos citar ainda o artigo "Dna vaccination against virus infection and enhancement of antiviral immunity following consecutive immunization with DNA and viral vectors", de Ramsay, Leong & Ramshaw que faz uma ótima revisõ desta técnica, seus problemas e algumas soluções já disponíveis para eles. Um exemplo é que a resposta humoral da vacinação com plasmídeos de DNA é muito lenta, podendo ser solucionado através da inserção de genes codificantes de citocinas ou de uma segunda imunização com vetores virais.


O desenvolvimento dessas novas vacinas apresentadas, baseadas em vírus ou bactérias recombinantes, peptídeos e plasmídeos vetores está sendo proporcionado por avanços recentes em imunologia, biologia molecular e bioquímica de peptídeos.

Contudo, esses métodos ainda não estão sendo usados para vacinação em massa sendo que a maioria deles ainda está passando por experimentação clínica.

Nenhuma dessas diferentes vacinas que estão sendo desenvolvidas já são aptas para serem totalmente efetivas na prevenção de doenças infecciosas ou na imunoterapia contra o câncer. Mas as vantagens e os benefícios que elas prometem tem trazido grandes expectativas. Vacinas de recombinantes virais, assim como aqueles baseados no vírus da vaccinia ou adenovírus, induzem potentes respostas imunes. O vírus da vaccinia tem a vantagem de ser bastante estável e imunogênico quando aplicado via oral, o que o faz um bom candidato à imunização de animais selvagens. Recombinantes baseados na replicação defectiva do adenovírus são mais seguros e também mais eficientes comparados com recombinantes do vírus vaccinia. Além disso, eles induzem excelente imunização quando aplicados em membranas mucosas, sugerindo seu uso como vacina contra agentes infecciosos que entram no organismo através das vias respiratórias ou trato genital. Peptídeos trazem benefícios ainda limitados na prevenção de doenças infecciosas, mas se mostram promissores como vacina na terapia contra o câncer. Vacinas genéticas ou de DNA, que foram descritas há menos de cinco anos já progrediram para a fase de experimentos clínicos em humanos saudáveis adultos.

Desde que a seguridade e eficácia dessas vacinas possam ser confirmadas, elas podem trazer imunidade a inúmeros agentes patológicos, melhorando assim o padrão e a expectativa de vida tanto dos humanos quanto dos animais vitais para a nossa sobrevivência.


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