Nsª Srª do Bom DespachoFreguesia de CampanárioIlha da Madeira (por João Luis Gonçalves) |
Introdução
Comemora-se no último fim de semana de Setembro as festas na Capela de Nsª Srª do Bom Despacho na freguesia de Campanário (Ilha da Madeira).
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Esta Capela foi fundada em 1672, pelo morgado Jerónimo de Atouguia Betencourt e sua mulher D.Catarina Espranger. Hoje é pertença da família de Feliciano de Brito Correia.
Ao longo dos tempos esta Capela tem mantido forte devoção popular, onde a tradição, o profano e religioso se confundem.
Influências do Norte de Portugal
Pensamos que esta devoção tenha tido origem nas gentes do Norte de Portugal, onde existem alguns locais de idêntico culto, principalmente Nsª Srª do Bom Despacho na Maia - Porto, Cervães - Braga e Gominhães - Guimarães.
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É sabido que os povoadores transportavam os seus costumes e tradições das suas terras de origem. Entre os primeiros residentes na Madeira muitos eram pessoas do Norte de Portugal. O próprio João Gonçalves Zarco é tido por alguns como natural de Matosinhos (1)
Alguns registos indicam que na zona da Ribeira Brava e Campanário várias pessoas eram oriundas do Minho (Braga, Barcelos, Arcos de Valdevez - Viana do Castelo, etc.) (2) .
Existem registos de casamentos realizados no Campanário com pessoas do Norte, no início do séc. XVII (2)
.
Em Cervães (Braga) o Culto à Virgem do Bom Despacho terá tido inicio cerca de 1644 e na Maia (Porto) em 1670 (3). No Campanário, a Capela de Nsª Srª do Bom Despacho foi instituida em 1672, apenas dois anos depois.
Veja-se também a espantosa coincidência nos hábitos de certos trages tradicionais entre uma povoação de Covide (Serra do Gerês - Minho) e os trages das Serras do Campanário, constatada por João Adriano Ribeiro (2)
Todos estes factos podem ser apenas meras concidências. Mas, pensamos nós, que não é de excluir a devoção a Nsª Srª Bom Despacho no Campanário tenha na sua origem as devoções do Norte de Portugal.
As várias invocações a Nsª Senhora
A devoção a Nsª Srª do Bom Despacho
Foi a partir do séc. XVII que se conhecem as principais festas e romarias a Nsª Srª do Bom Despacho (Cervães, em 1644; Maia em 1670; Campanário em 1672).
Os pescadores do calhau da Lapa
Os emigrantes
Quadras populares
Na freguesia do Campanário
A Senhora do Bom Despacho
No último Domingo de Setembro
Na sexta-feira anterior
Domingo, música a tocar,
A seguir à festa religiosa
Rapazes e raparigas
A Senhora do Bom Despacho
Isto vem de tradição.
Algumas das devoções de Nsª Srª do Bom Despacho noutras loclalidades de Portugal :
Algumas romagens e procissões do Bom Despacho
Na festa de Nsª Srª do Bom Despacho, no Campanário, a procissão habitualmente sai da Capela até ao Tornadouro, Porta Nova, Volta do Pico, novamente ao Tornadouro e regressa à Capela. Não atinge a magnitude da procissão da Maia (com 21 andores !...). Mas a devoção do povo não se mede pelo tamanho das procissões.
As confrarias, os andores, os cumpridores de promessas, a banda de música, e os meros acompanhantes, fazem da procissão um dos pontos altos e mais sentidos da festa de Nsª Srª do Bom Despacho no Campanário.
As principais promessas constituem em ofertas em dinheiro, cordões ou anéis de ouro, cirios ou velas na procissão, ou simplesmente acompanhar a procissão.
Na Maia (Porto), além das tradicionais velas, mortalhas, objectos em ouro, também eram oferecidos quadros de navios, em cumprimento de votos dos pescadores.
A romagem das açucenas
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Bibliografia citada
Para sugestões contacte:
Em Portugal existem cerca de 200 invocações a Nossa Senhora, distribuidas por cerca de 1150 igrejas paroquiais cujo orago é um título de Nsª Senhora (4), além de largas outras centenas de capelas com mesmo culto.
Das invocações mais comuns, como por ex. Nsª Srª de Fátima, do Carmo, dos Milagres, dos Remédios, da Ajuda, dos Aflitos, dos Mártires, do Livramento, etc., existem outras devoções a Nsª Senhora curiosas, por exemplo: Nsª Srª do Ar, da Escada, da Cadeira, da Porta, das Salas, do Salto, do Sorriso, da Uva, do Leite, dos Banhos, da Silva, do Resgate, da Gaiola, etc., etc. (5)
Desde o início da nacionalidade que a tarefa árdua das guerras aos Mouros motivaram inúmeras promessas reais, com consequentes criação de igrejas, na maior parte em especial devoção a Nossa Senhora
Já D.Henrique, pai de Afonso Henriques, dedicou uma igreja a Santa Maria, hoje conhecida por Nsª Srª da Oliveira em Guimarães. (6)
O mosteiro de Alcobaça e da Batalha, ambos dedicados a Santa Maria, e o mosteiro dos Jerónimos, dedicado a Nsª Srª de Belém, são os exemplos mais memoráveis da devoção dos nossos reis à sua defensora e protectora.
A reflexão poética tradicional, dedicada a Nsª Senhora, assim o diz : (7)
E ao povoar as terras conquistadas,
Mesquitas em Igrejas transformou.
Que à Santa Mãe de Deus ele dedicou
P´ra serem Suas glórias celebradas
A Capela de NªSª do Bom Despacho
Freguesia de Campanário - Madeira
Na Maia os principais devotos são os homens do mar. Em Cervães, a fertilidade e produtividade são os principais motivos de invocação. No Campanário, desde o início, pensamos que a produtividade agrícola constituia o principal motivo de devoção.
A agricultura, nesta freguesia, além de ser a actividade dominante, era penosa, dadas as encostas agrestes, falta de água, predominavam a plantações de sequeiro, sujeitas aos caprichos da natureza.
Gaspar Frutoso, no fim do séc. XVI, referindo-se ao Campanário, diz : "... são terras de criação e de lavoura de trigo e centeyo, por ser a gente monteana, dada mais a criar gado que a cultivar vinhas nem outras fructeiras; mas com tudo isto se há de entender que nestes e em todos os logares da ilha houve sempre, e há hoje em dia, gente honrada e fidalga, e de altos pensamentos" (8)
Ao longo do tempo também cresceu uma pequena colonia de pescadores, tendo inclusive sido criado um pequeno porto no calhau da Lapa.
Os pescadores do Campanário, à semelhança de algumas zonas marítimas do Norte de Portugal, sempre foram devotos a Nsª Srª do Bom Despacho. Não dispensam as promessas por boas fainas e para protecção nos momentos de aflição. Inclusive, recentemente foi dado o nome de Nsª Srª Bom Despacho a uma moderna embarcação de pesca pertencente a pescadores do Campanário.
No século XX, e mercê da forte emigração que se verificou nestas terras do Campanário, principalmente para a Venezuela e África do Sul, os emigrantes passaram a ser também especialmente devotos de Nsª Srª do Bom Despacho, dadas as graças pela protecção e sucesso nas terras que os acolheram.
Por este motivo, nas últimas décadas, os festeiros têm sido geralmente emigrantes, ou comerciantes bem sucedidos, em cumprimento de promessas.
Mas a vida de emigrante não constitui apenas sucesso. O azar nos negócios e as crises económicas nos países que os acolheram também não permite o regresso desejado. Muitas das promessas ficam certamente por realizar-se.
Nsª Srª do Bom Despacho também merece a mais sincera devoção dos residentes do Campanário, como nas freguesias vizinhas e de toda a Ilha, pelos mais variados motivos (graças em questões de saúde, passionais, negócios, agricultura, pesca, etc...).
Os festeiros, em regra, não faltam (emigrantes ou não), mas a tradição não deixa de cumprir-se quando isso acontece. A população espontaneamente reune-se, tiram colectas, participam nos arranjos e fazem a festa
Apresentamos algumas quadras populares, recolhidas e compostas por Margarida Rodrigues, que o grupo folclórico do Campanário reproduz em memória da festa de Nsª Srª do Bom Despacho :
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Senhora do Bom Despacho
É uma santa verdadeira,
É muito venerada
Lá na Ilha da Madeira
Tem lá a sua capela,
Residentes e ausentes
Não se esquecem dela.
Tem um título bonito,
Olha para os seus devotos
Acode ao que está aflito.
É um dia de alegria,
É a festa do Bom Despacho
Lá no sítio da Vigia.
À serra vão buscar flores,
Com verdura fazem arcos
Enfeitam o adro e arredores.
Foguetes a estalar,
Vinho para beber
E carne para assar.
Acompanham a procissão,
Cumprem as suas promessas
E levam círios na mão.
Todos vamos convidar,
P'ra com baile e cantigas
Bom Despacho festejar.
Está sempre bem disposta,
Vê o povo se divertir
Porque Ela também gosta
Sabemos que nossos avós
Eram devotos desta Santa,
E agora somos nós.
Maia (Porto)
A capela de Nsª Srª do Bom Despacho, foi fundada em 1670 (3). Recentemente foi restaurada e é ali que se realizam as Festas da Cidade da Maia e da Paróquia no segundo Domingo de Julho de cada ano. A imagem de Nsª Srª do Bom Despacho é a imagem mais venerada nestas bandas.
Esta capela foi construida por emigrantes brasileiros," é muito frequentada ... pela gente marítima que reconheceu dever à sua poderosa intervenção o livrá-lo de inumeráveis perigos a que estão sujeitos" (Luis Cardoso) (3)
Na procissão é costume antigo a representação de todas as freguesias do concelho da Maia, com figuras alegóricas e estandartes.
No passado ano (1997), nas festas da cidade da Maia, houve uma grande procissão solene na qual participaram 21 andores (19 de Nsª Senhora, um de São Miguel e outro do Menino Jesus de Praga). (9) É sem dúvida a imagem mais venerada no concelho.
As romarias a esta festa são frequentes, principalmente pelos pescadores e gentes dos mares do Norte.
Há dezenas de anos atrás, era costume agruparem-se várias pessoas no lugar da Amorosa, freguesia de Leça da Palmeira, e irem a pé, em cumprimento de promessas, às principais romarias da região, nomeadamente à Senhora do Bom Despacho, na Maia, entre outras.
Ao som de cavaquinhos, violas, ferrinhos e bombo, lá iam, estrada fora, cantando e dançando, para amenizarem as distâncias.
O actual Rancho Típico da Amorosa reproduz actualmente esses cantares.
Esta é uma das quadras deste grupo:
Senhora do Bom Despacho
Despachai-me esta barriga
que eu estou morta por saber
Se é rapaz ou rapariga.
Na Maia (Porto) a festa do Bom Despacho é simultânea com as Festas da Cidade, motivo porque o religioso e o profano se misturam indistintamente.
Estas duas facetas (religioso e profano) complementam-se e sempre acompanharam as festas ao longo dos tempos, seja qual for o local e padroeiro devoto.
É certo que muitos acompanham as romarias e procissões porque é tradição, fica bem visto. Mas a maioria cumpre vivamente a sua promessa,ou simplesmente realiza a sua devoção.
Já o poeta António Aleixo criticava a faceta profana da procissões, dizendo (10):
Tu não vais à procissão
P´ra rezar à Virgem-Mãe
Vais p´ra aqueles que lá vão
Verem que tu vais também
Nas vésperas da festa (na noite da 5ª para 6ª feira) é tradição os populares dirigirem-se às serras da Quinta Grande apanhar açucenas para os enfeites da festa de Nsª Srª do Bom Despacho.
Ao toque de buzios, foguetes, acordeão e a indispensável garrafinha (licor ou aguardente), as pessoas reunem-se pela madrugada na Volta do Pico (atrás da Capela) e lá vão a pé apanhar as flores.
O regresso, pela manhã seguinte, é um espectáculo que nunca esquece aqueles que têm o privilégio de o presenciarem.
O cheiro à açucena dá um toque característico e único aos romeiros que comparecem na festa.
Fazemos votos que as gerações futuras não substituam as açucenas naturais por flores de papel, e que saibam preservar estas tradições.
(1) "Elucidário Madeirense" ,Tomo III, Ed. Secr. Reg. Educação e Cultura, 1978, sobre Zargo (João Gonçalves)
(2) "Ribeira Brava, subsídios para História do Concelho" , por João Adriano Ribeiro, Ed. CMRB, 1998, pág.112
(3) "O Grande Porto", por Helder Pacheco, Edit. Presença,1986, pág.61.
(4) "Nossa Senhora - História e Devoção do Povo Português", por P.José V. Carvalheira, Ed. Salesianas, 1988, pág.106
(5) Idem, pág. 250 e seguintes
(6) Idem, pág.11
(7) Idem, pág. 31
(8) Gaspar Frutuoso, citado em "Elucidário Madeirense", Tomo I, sobre Campanário, pág.214
(9) "Voz Portucalense", semanário eclesial, Edição de 3 Setembro de 1997.
(10) "Este livro que vos deixo", Vol.1, Editorial Notícias, 1990, pág.80
João Luis R.Gonçalves