Pensando a feminilidade no meio da vida:
especificidade e enfoque clínico
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Eliane Michelini Marraccini

Este trabalho consiste em proposta para pensar a feminilidade no meio da vida, tema específico muito pouco enfocado tanto na teoria quanto na clínica psicanalítica. Tendo em vista a subjetividade feminina nesta fase, torna-se obrigatória a consideração e integração dos fatores presentes em período crítico de desequilíbrio hormonal, psíquico e relacional na vida da mulher.

Freud (1969, p.235) apontava: "que os processos de desenvolvimento biológico podem produzir alterações no equilíbrio dos processos psíquicos, produzindo então rupturas neuróticas nas fases-chave do ciclo vital como a puberdade e a menopausa". Passadas muitas décadas deste início da Psicanálise, é surpreendente que ainda persista entre os psicanalistas resistência em considerar a menopausa como um tema de investigação psicanalítica, produzindo escassa bibliografia sobre esta condição específica do desenvolvimento feminino.

Da mesma forma como o psíquico pode refletir impactos da condição biológica em processo de mudança, não é possível negar o caráter e importância dos significados atribuídos por cada mulher à sua vivência do fenômeno climatérico e menopausal, enquanto anúncio e encerramento de sua vida reprodutiva; constituindo especificidade que merece estudo pela Psicanálise e necessita ser considerado pelos psicanalistas no atendimento a pacientes que se encontram nesta fase da vida, como salientou Gueydan (1991).

Se entre os médicos o enfoque dado à mulher que se encontra no meio da vida é fundamentalmente voltado para o climatério e menopausa na categoria de fenômenos eminentemente biológicos, entre os psicanalistas há resistências em enfocar a mulher nesta fase como uma paciente com características e necessidades específicas. Esta situação é ainda mais intrigante se conferirmos que nos últimos anos a proporção de mulheres entre 50 e 60 anos que têm procurado atendimento terapêutico ter aumentado muito, conforme apontou Pines (1995).

Alguns psicanalistas contrapõem que não haveria especificidade quanto à crise vivenciada pela mulher madura em sua transição pelos anos climatéricos, culminando com a finalização de sua vida reprodutiva com a menopausa. Bemesderfer (1996), perguntando a seus colegas psicanalistas sobre como o assunto da menopausa emergia no curso de seu trabalho analítico com mulheres de meia-idade, verificou que consideravam inicialmente que a menopausa é de fato uma importante experiência no desenvolvimento feminino, para finalmente afirmarem que ela emerge em associação com sentimentos sobre sintomas e sobre envelhecimento em geral. Com isto, não manifestaram muito interesse no tópico da menopausa em si, pois afirmaram não ver sua importância particular, comparada com outros aspectos do funcionamento da paciente. "Neste sentido, a negação da paciente combina com a cegueira do analista em manter o tópico fora de análise." (Bemesderfer, idem, p. 359) (2).

Para muito além do biológico, este período comporta representações, deslocamentos, simbolizações e ressignificações importantes, seja quando se pensa no desenvolvimento feminino, seja quando se enfoca a psicopatologia. Assim, é interessante retomar algumas concepções dentro da Psicanálise, onde o foco é a compreensão da subjetividade feminina neste momento de vulnerabilidade e desestabilização.

Uma visão psicanalítica do climatério e menopausa

Uma das pioneiras no enfoque psicanalítico da menopausa foi Deutsch (1951), salientando que frente a esta condição a mulher reagiria inevitavelmente com depressão, pela perda de sua capacidade procriativa e segundo ela, da feminilidade em desaparecimento, o que foi alvo de críticas contundentes pela concepção de sexualidade atrelada à capacidade reprodutiva. De qualquer modo, em consonância com perspectiva falocêntrica, ela pontuou a renovação da angústia de castração fálica, quando seria revivificada a inveja do pênis e o conseqüente sentimento de inferioridade feminino. A isto se somaria uma terceira edição das relações edípicas, agora revividas com relação aos filhos crescidos. Em síntese, Deutsch possui o enorme valor de ter sido pioneira em esboço de compreensão psicanalítica sobre o climatério e menopausa, sendo que suas colocações vieram orientando autores mais recentes a respeito de pontos que necessitavam ser melhor compreendidos.

Contemporânea a Deutsch, Benedek (1950) ressaltou na mulher climatérica intrincados processos de identificação com a mãe no período pré-edípico, e os conflitos com a figura materna durante e após o período edípico, que demandariam nova elaboração na maturidade. Sua preocupação em compreender esta fase crítica do desenvolvimento feminino como uma integração de fatores, fez com que considerasse as reações emocionais da mulher às oscilações de estrógenos por ela produzidos, afirmando seus reflexos em toda vida adulta, retomando para isto a consideração das contingências dos ciclos menstruais e períodos pré-menstruais, que por sua vez contribuiriam para a compreensão da fisiologia e patologia do climatério. Segundo ela, a administração de hormônios costuma aliviar os sintomas vaso-vegetativos, mas não resolvem os conflitos emocionais. Somente a psicoterapia poderia conduzir à descoberta do problema emocional ao qual cada mulher responde quando sofre de depressão reativa.

Lax (1982) por sua vez, considerou a crise psíquica que a mulher experimenta durante a fase climatérica à luz do seu senso de integridade corporal, seu senso de funcionamento corporal, sua auto-imagem e suas tarefas vitais e interesses egóicos. O desequilíbrio ocorreria em todas estas áreas do funcionamento psíquico. As mulheres responderiam ao climatério de diferentes maneiras, algumas lidando em direção a uma nova e saudável integração, outras rumando em direção à patologia.

Aquelas mulheres que têm especial investimento narcísico em sua aparência, sentem o envelhecimento como um processo traumático. O reconhecimento de sua irreversibilidade e a permanência destas mudanças em sua imagem faz com que experimentem um sentido de perda narcísica, podendo em muitos casos encaminhar-se para sentimentos de inveja e hostilidade contra mulheres mais jovens, às vezes experimentados conscientemente, mas muitas vezes completamente inconscientes. A perda do controle sobre o que ocorre com seu corpo faz reavivar fantasias e tendências regressivas, sentindo-se exposta e sem defesa contra sintomas como ondas de calor e suores, que inclusive a mortificam, pois revelam seu estado menopausal sem que possa ter controle sobre seu corpo e suas manifestações, promovendo por vezes interferência no sentimento de integridade corporal e funcionamento harmonioso, resultando em decréscimo do senso de bem-estar, e ocorrendo por vezes estados de pânico transitório.

O final da função reprodutiva pode ser vivido como uma experiência de morte parcial, sendo que as mulheres que não têm filhos ressentir-se-iam de forma especial com o final irreversível de sua procriatividade, ameaçadas pelo "relógio biológico". Por outra parte, haveria também mulheres para quem a experiência de gestar bebês, cuidar das crianças e da casa, compreendem as mais significantes e freqüentemente as únicas tarefas vitais e interesses egóicos. Estes papéis seriam consoantes com os objetivos presentes em sua auto-imagem desejável e configurar-se-iam para elas em importantes organizadores psíquicos. Neste sentido, na meia-idade, com o encolhimento ou término de suas tarefas de maternagem, estas mulheres poderiam enveredar por severas crises vitais. No caso das mulheres profissionais no entanto, por contarem com interesses egóicos que se somariam às ocupações femininas com a maternidade, estariam mais capacitadas a encontrar compensações para os assaltos narcísicos resultantes do climatério. Estas gratificações também auxiliariam na inveja edípica e pré-edípica evocada pelo crescimento da competência e criatividade da geração mais nova.

Esta autora salientou ainda que o modo e extensão da resposta da mulher ao climatério dependeria de vários fatores: "a severidade dos sintomas fisiológicos, a natureza das experiências passadas, suas relações objetais internalizadas, sua estrutura psíquica, a força de seus investimentos libidinais, a amplitude de sua esfera egóica livre de conflito, a natureza e força de seus interesses egóicos, a extensão de seu narcisismo saudável, a natureza de suas relações objetais correntes e a natureza de seu setting familiar e social" .(Lax, 1982, p. 157). (3)

Quando a mulher menopausal encontra-se em relativa boa saúde física e mental, poderia utilizar seus recursos pessoais para elaborar a injúria narcísica representada pelo período climatérico, de modo a reconstruir uma vida plena de significados para si mesma, fazendo um ótimo uso de todas as oportunidades presentes para um preenchimento criativo e libidinal. Uma superação de sucesso dependeria em larga medida das capacidades adaptativas da mulher, suas fontes libidinais e seus interesses egóicos. Consequentemente, a esperada reação depressiva durante os anos de perimenopausa seria para ser vista, segundo Lax (1982), como um afeto específico da fase, indicando que o necessário processo de luto estaria ocorrendo. A capacidade para conter e tolerar tal depressão é um pré-requisito para a resolução saudável do processo climatérico. A elaboração deste luto com sucesso conduziria à renúncia de objetivos e ideais da auto-imagem da juventude, o que encaminharia para uma resolução adaptativa e criativa, inclusive promovendo o enriquecimento das relações objetais femininas.

"...Na menopausa, quando a mulher de meia-idade confronta-se com a perda de sua capacidade de gerar bebês, um fator significativo em sua reação a isto é a memória de sua mãe na meia-idade e sua orientação emocional e psicológica com relação às suas funções femininas alteradas. Durante este processo de retomada e re-elaboração, muitas mulheres reconhecem que menopausa, como a menstruação, é uma parte essencial do que significa ser uma mulher. Assim, menopausa normal, como menarca normal, é uma confirmação da identidade feminina primária." (Bemesderfer, 1996, p. 358) (4)

A menopausa é universal e inerente ao desenvolvimento sexual feminino, fazendo parte dos ciclos que constituem o destino biológico da mulher. Deste modo, faz parte da condição feminina, estar sujeita a todos os significados aí implicados, sejam eles conscientes ou não, conforme apontou Gueydan (1991). Esta parada imposta pela ordem biológica é um momento conveniente para repensar a feminilidade e apreendê-la mais do que nunca. Em torno dos 50 anos, tendo-se suficiente passado e depois de uma última rememoração, repetição, perlaboração, visualiza-se o futuro quando o luto pode ser feito. É fundamentalmente uma etapa que se inicia, rica em possibilidades de vida "sublimada", sendo que esta deveria ser cada vez mais uma das preocupações da prevenção psicopatológica.

Além do mais, a perda da capacidade reprodutiva para as mulheres de várias décadas atrás, sob a supremacia da maternidade como função principal em suas vidas, poderia mais freqüentemente resultar em reação depressiva, como apontado por Gueydan (idem). Na atualidade, a maternidade é apenas um dos aspectos da vida de uma porcentagem de mulheres, observando-se que principalmente através de atividades de interesse egóico, entre estas a profissão, as mulheres tem possibilidade de elaborar e superar criativamente esta perda.

Atingindo o meio da vida

Em busca de uma visão ampla e integrada sobre as vivências associadas ao atingir o meio da vida, é interessante pesquisar o que a Psicanálise tem descrito. A idade adulta, e principalmente a maturidade, acaba sendo alvo de interesse de pouquíssimos autores que voltam seu olhar e pretendem uma escuta das questões aí compreendidas. Isto, apesar de a grande maioria dos psicanalistas acabarem por se deparar com questões que freqüentemente marcam presença no discurso de pacientes que se encontram no meio da vida.

A seguir, as concepções de Jaques e Kernberg, que procuram descrever as vivências e significados específicos que se encontram em jogo neste período da vida adulta.

O psicanalista Jaques (1990) ocupou-se da descrição da "crise da meia-idade". Um dos focos por ele abordados foi a condição criativa da pessoa que enfrenta esta crise, ocorrendo mudanças quanto ao modo de trabalho produzido e quanto ao seu conteúdo. Na juventude, a criatividade tenderia a ser intensa e espontânea, parecendo que a maior parte do trabalho ocorreria inconscientemente. Em contrapartida, aquela que tem lugar na meia-idade seria uma criatividade esculpida, havendo um grande processo até a finalização da criação, embora o trabalho inconsciente não fosse menor. Ocorreria no entanto, um processo de dar forma e estilo ao produto, trabalhando e retrabalhando o material externalizado, sendo que este processo de externalização seria parte essencial do trabalho na idade adulta madura. O resultado bem-sucedido, segundo este autor, encontrar-se-ia ligado a uma resignação construtiva, ao conferir as imperfeições dos homens, abrigando tanto impulsos amorosos como destrutivos. Do mesmo modo, o conferir das deficiências do próprio trabalho, levaria a uma reelaboração da depressão vivenciada na infância primitiva, de acordo com o pensamento de Klein (1934), base das idéias deste autor.

Um outro ponto essencial nas idéias de Jaques (1990) refere-se ao fato do indivíduo começar a envelhecer, tendo de fazer face a novas circunstâncias externas. A juventude e a infância seriam tempos passados, havendo como principal tarefa psicológica a construção de uma vida madura e independente. Aí residiria um paradoxo, pois paralelamente ao estar no estágio da plenitude, haveria o ingresso na cena psicológica, da realidade e inevitabilidade da própria morte, aspecto central e crucial da "crise da meia-idade", que imporia um futuro circunscrito para a realização de tudo o que teria sido desejado. Muito acabaria tendo de ficar inacabado e não realizado.

Haveria um padrão geral de mudança psicológica neste estágio da vida: com a consciência do início da última metade da vida, despertariam ansiedades depressivas inconscientes, requisitando a repetição e continuação da elaboração da posição depressiva infantil. Assim, quando houvesse um predomínio do ódio sobre o amor, e não havendo a integração destes impulsos, ocorreria um transbordamento de destrutividade que contaminaria o mundo interno e externo, não ocorrendo a mitigação do ódio pelo amor. Os processos de reparação e sublimação subjacentes à criatividade, se inibiriam ou falhariam. Neste caso, a "crise da meia-idade" seria vivenciada como período de perturbação emocional e de colapso depressivo, o que se refletiria em empobrecimento da vida emocional e no comprometimento da capacidade criativa.

Em contrapartida, quando há o predomínio do amor sobre o ódio, este poderia ser por aquele mitigado, conduzindo ao processo de reparação, que promoveria a recuperação dos aspectos amorosos e positivos das experiências previamente vivenciadas. Ao final, o saldo amoroso e construtivo conduziria a uma integração das limitações e inevitabilidade da morte, tornando-as toleráveis, e fazendo com que o crescimento e amadurecimento pessoal viessem a se refletir na própria criatividade. O produto da criação seria vivenciado como provedor da vida, o medo de morrer transformar-se-ia em experiência construtiva e o sentimento de segurança limitada, mas confiável, seria o equivalente à noção infantil de vida. Apesar de tudo, segundo Jaques (1990), estas condições mais equilibradas não pressuporiam uma passagem fácil pela "crise da meia-idade", compreendendo o luto pelas perdas, incluindo-se a infância e juventude já passadas. Neste processo, o sentido de continuidade da vida poderia ser fortalecido e o ganho encontrar-se-ia no aprofundamento da consciência, da compreensão e da auto-realização. O autor finalizou apontando que "a atenção inicia seu processo proustiano de voltar-se para o passado, examinando-o conscientemente no presente e entrelaçando-o ao futuro concretamente limitado." (Jaques, 1990, p.270)

Em consonância com estas idéias, Kernberg (1989), apontou que a meia-idade traz consigo algumas tarefas desenvolvimentais específicas, sendo resumidas a seguir:

- Mudanças na perspectiva cronológica: a relação com os pais se atualiza na relação com os filhos jovens e adolescentes, mas com papéis invertidos. Emergem os afetos ligados às identificações do passado e há a reativação de angústias e culpas edipianas, nos cuidados com os pais idosos.

- Reversão nos ritmos exterior e interior de transformação: agora são os filhos que crescem rapidamente e os pais que envelhecem rapidamente e desaparecem. A maturidade apresenta um ritmo diverso, sentindo a ameaça da estabilidade até no mundo inanimado. Luto pela consciência da natureza efêmera da vida humana.

- Limites da criatividade: percepção dos próprios limites do passado e a restrição para as realizações no futuro. Outras pessoas provavelmente ultrapassarão estas limitações, colocando em pauta a questão do amor e do ódio para consigo e para com os outros.

- Identidade do ego na perspectiva do tempo: o novo conhecimento da meia-idade sobre as próprias limitações consolida a identidade do ego, diferentemente do passado. Aceitar a si mesmo é aspecto importante da maturidade emocional, com reflexos em todos os relacionamentos.

- Ajuste de contas com a agressão exterior: enfrentamento realístico dos ataques que permeiam o ambiente adulto, sem explorá-los, sem negá-los, sem submeter-se ou por eles ser corrompido. Aceitação do fato de que a responsabilidade final é para consigo mesmo.

- Perda, luto e morte: o enfrentamento da perda dos pais, irmãos, parentes e amigos soma-se às próprias manifestações de envelhecimento, reforçando a consciência do possível adoecer e morte pessoal. A aceitação de perdas e fracassos pessoais deve permitir a sensação de contar com recursos suficientes para a aceitação de si mesmo e a reconstrução de uma vida significativa, tendo por base o narcisismo normal.

- Conflitos edipianos: nova reativação do Complexo de Édipo, seja pelo crescimento dos filhos, pelas experiências concretas na vida social e grupal ou pelas vivências com os pais enfraquecidos rumo à morte. Este enfrentamento promove numerosas tarefas psicológicas, quando interagem todos os fatores do passado pessoal, com as mudanças da meia-idade e a elaboração de um novo patamar psíquico, fruto da perda real dos pais e integração definitiva, normal, de conflitos edipianos na personalidade. A elaboração inconsciente da ambivalência de sentimentos promove uma renovada superação do Complexo de Édipo, emergindo o desejo e a capacidade para partilhar amorosamente seu passado com a geração mais jovem, continuando e reforçando vínculos e identificações.

Kernberg (1989) analisou também o narcisismo patológico na meia-idade, basicamente considerado à luz das perturbações que podem advir do enfrentamento e realização das tarefas do desenvolvimento normais neste período, que acabam de ser resumidamente citadas.

Com a descrição da "crise da meia-idade" e as tarefas desenvolvimentais próprias a este período do desenvolvimento, ficam pontuadas características marcantes às quais homens e mulheres devem fazer face na medida em que atingem o ponto médio da vida, vivenciando pessoalmente estas dificuldades em maior ou menor grau. No entanto, a conjugação desta crise psíquica com as contingências associadas ao climatério e menopausa, faz com que esta fase do desenvolvimento seja ainda mais complexo para as mulheres, devido à mútua influência de fatores de ordem física, psíquica e social. Assim, se o atendimento médico é imperativo nesta fase, o psicológico pode ser imprescindível, pois não há na Medicina medicamento de metabolização e reposição que processe esta vivências e significados associados. Assim, a prevenção marca presença enquanto enfoque importante para a mulher que atinge o meio da vida e que enfrenta fase de vulnerabilidade com freqüência em surdina e solitariamente.

Enfoque clínico

Interessada em compreender a subjetividade feminina no meio da vida e em oferecer a possibilidade de atendimento psicológico às mulheres desta faixa etária, realizei pesquisa em minha dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica, quando utilizei a intervenção "Grupo de Encontro de Mulheres" junto a 20 pacientes, compreendidas em dois grupos de mulheres com idade entre 40 e 55 anos, realizados na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic da PUC/SP.

Após a conferência do que constitui vivência feminina ao atingir o meio da vida, plena de significados que colocam em pauta de modo destacado a feminilidade, é importante observar como reagem as mulheres em geral, sendo que muito poucas chegam a tratamento terapêutico convencional, beneficiando-se da oportunidade de auxílio na elaboração dos conteúdos e significados emergentes, e portanto, reduzindo o risco potencial de exacerbação ou cristalização de problemática apresentada.

Nesta direção, o "Grupo de Encontro de Mulheres", constitui ambiente facilitador para vivência, reflexão pessoal e discussão com seus pares sobre significados fundamentais na vida da mulher desta faixa de idade, na medida em que surgem tantas mudanças em seu corpo, mente e vida de relações. A mulher que atinge o meio da vida necessita de um espaço de escuta para sentir-se acolhida e auxiliada a redefinir a si mesma, em momento vivencial que compreende a desestabilização em várias direções.

A opção por esta forma de intervenção clínica com objetivo preventivo, deveu-se ao fato de ser considerada centrada no binômio crise-foco, procurando abordar situação do desenvolvimento feminino potencialmente desencadeadora de crise com mulheres que vivenciavam dificuldades variadas, mas tendo como eixo de referência ser condição associada a este período do ciclo vital. Em atendimento de duração limitada, a Psicanálise esteve na base das intervenções terapêuticas, que pretendiam propiciar o desenvolvimento emocional das participantes.

Nesta forma de intervenção clínica, é imprescindível salientar não ser possível serem pretendidos objetivos semelhantes àqueles do tratamento psicanalítico convencional e prolongado. Winnicott (1989) sempre ressaltou que o importante é ter em vista o objetivo pretendido e o quanto será possível fazer para atingi-lo. Além do mais, apontou que as necessidades do paciente é que determinam a escolha do tipo de psicoterapia indicado, sendo importante que analista treinado possa conduzir atendimentos que tenham caráter distinto daquele proposto pela análise tradicional.

A utilização do "Grupo de Encontro de Mulheres" como este espaço de reflexão, discussão e troca de experiência, foi tentativa como psicanalista em procurar ir ao encontro do que poderia ser a experiência necessitada por estas mulheres, conforme formulou Winnicott a respeito de uma das funções do analista, que tem o objetivo de funcionar como propiciador de um ambiente facilitador para o desenvolvimento emocional, pois o self não cessa de se transformar permanentemente, em processo de construção contínua do nascimento até a morte.

Foi possível conferir entre as participantes do "Grupo de Encontro de Mulheres", que é através do olhar do outro que o eu se sente reconhecido e identificado, sentindo-se existir e percebendo a si próprio como referência e unidade distinta. Conforme Winnicott tão bem descreveu, é a relação interpessoal a serviço do desenvolvimento emocional mútuo, pois quem olha também não permanece o mesmo depois desta experiência de encontro. É um compartilhar de ilusão e de realidade psíquica que os relacionamentos grupais possuem enorme riqueza em oferecer, estabelecendo uma troca significativa que dá sentido à vida e faz com que a realidade objetiva uma vez compartilhada possa ser melhor enfrentada.

A seguir, estarei apresentando alguns aspectos que marcaram presença durante o atendimento grupal que compôs minha pesquisa, não sendo possível reunir aqui muito além de algumas breves pontuações, mas que no entanto indicam o curso das discussões grupais, a visão das dificuldades e significados atribuídos, ratificando determinadas colocações teóricas anteriormente assinaladas neste trabalho.

A reação depressiva é em certa medida esperada neste período da vida feminina, indicando muitas vezes o andamento do processo de luto pelas mudanças e perdas enfrentadas. Foram várias as participantes que indicaram algum grau de depressão, indo desde certa apatia, falta de motivação e desinteresse geral, até aquelas que vinham sendo acompanhadas profissionalmente e medicadas. O "Grupo de Encontro de Mulheres" era divisado por elas como uma possibilidade de ajuda neste estado depressivo, pois permitia a troca de experiência e a discussão de temas comuns que poderiam estar afligindo a todas, o que as tirava do isolamento e descaracterizava serem exceção. Em geral, este atendimento psicológico grupal, onde se dava a interlocução e troca de experiências entre mulheres de mesma faixa etária, foi sentido como "setting" favorecedor; pois sentiam-se acompanhadas ao serem acolhidas, reconhecidas e compreendidas, além de contarem com figuras de identificação que a auxiliavam na elaboração de suas angústias e vivências pessoais. Nesta direção, minha participação enquanto profissional de mesmo sexo e idade, também foi experimentada como favorecedora de identificação e transferência.

Com relação aos problemas de saúde que apresentavam, vinham sendo avaliados e acompanhados por médicos especialistas, mas elas estabeleciam clara associação entre sua condição psico-emocional e a sintomatologia apresentada. De forma geral, todas contavam com informações a respeito da importância da avaliação médica sistemática da condição climatérica e menopausal, compreendendo exames clínicos importantes, medidas preventivas e a Terapia de Reposição Hormonal (TRH), mas também verificavam não estarem a salvo de ocorrências como determinados tipos de câncer, tais como o de mama, ataque direto à integridade física e psíquica da mulher desta faixa de idade, atingindo em cheio sua feminilidade.

Quanto à opção pela TRH, parecia-lhes certo de que esta medicação poderia auxiliá-las em alguns sintomas, mas que não solucionava todas as suas inquietações e angústias, e muito menos repunham seu sentimento de perda e de vazio para muito além da falta de estrógeno.

Em várias ocasiões, as participantes fizeram associação direta entre menopausa e envelhecimento. Atingir a menopausa era um registro angustiante e inegável de que estavam envelhecendo e já não eram as mesmas, e portanto sua ocorrência era temida por este significado associado.

Para as mulheres que haviam sido submetidas à histerectomia já há alguns anos, esta intervenção cirúrgica não ficara diretamente registrada em nível consciente como algo em suas vidas que tivesse representado maiores dificuldades emocionais. No entanto, nunca pode ser desconsiderado que os reflexos desta perda pudessem estar em nível inconsciente. Um dado importante é de que estas mulheres eram casadas e todas tinham pelo menos dois filhos já adultos. Com isto, a perda do órgão reprodutivo não adquiria o mesmo significado que para as mulheres sem filhos. No entanto, houve casos de pacientes que apesar da indicação médica, não pretendiam realizar esta intervenção cirúrgica, por experimentarem que o fato de continuarem menstruando, apesar dos incômodos físicos decorrentes da patologia com que contavam, representava algo de sua condição feminina da qual não desejavam abrir mão. Isto aponta para o significado mais amplo e profundo para a perda do órgão reprodutor e sua função, para muito além do que pode ser divisado em nível biológico.

Cabe aqui considerar, que a perda do órgão reprodutivo e/ou condição procriativa, pode exprimir-se em boa parte dos casos de forma simbólica. Assim, o que foi reiteradamente registrado pelas mulheres que participaram dos "Grupos de Encontro de Mulheres", foi o sentimento predominante de que suas vidas estariam sendo alvo de perdas que por vezes não identificavam claramente, mas sentiam tratar-se de algo referente à sua condição feminina. Em geral, apontavam que surgiam limitações, sentiam certo apagamento ou esvaziamento, experimentavam sensação de perda ou finalização. Ora localizavam estes sentimentos ou sensações em sua condição de saúde, ora na estética e envelhecimento, ora nos filhos que iam embora e encerravam uma fase em suas vidas, ora no marido que se interessava por mulheres mais jovens, ora no preconceito social com relação às mulheres mais velhas. Embora muito importante a especificidade de cada uma destas circunstâncias de mudança ou perda em si, não é possível deixar de considerá-las à luz do deslocamento simbólico, que pode revelar o quanto estas mulheres se sentiam atingidas em sua condição feminina, em período da vida em que tem lugar a perda da capacidade reprodutiva. Esta capacidade, tradução significativa e valorizada do ser feminina, teria estado presente até aquele momento, mas agora encontrava-se abalada pelo encerramento da condição biológica. As mulheres mais jovens eram vistas como contando com muito mais possibilidades, ao passo que as mais velhas, aí incluídas suas mães, eram figuras que ameaçavam com o envelhecimento, perda do poder de atração, solidão e morte.

Em geral, as participantes não contavam com excessiva preocupação estética, embora algumas tenham apontado reiteradamente seu desconforto com o envelhecimento e as marcas do tempo em seu físico, conferindo alguma defasagem entre sua aparência física e sua disposição ou desejo, sentindo-se estranhas na pele de uma senhora, quando internamente por vezes sentiam arder os impulsos e desejos de uma jovem.

O pesar pelo envelhecimento, que se fazia visivelmente presente em cada sinal do corpo e do rosto, remetia ao conferir do tempo passar, havendo a conscientização de estarem atingindo o meio de suas vidas. A ansiedade por tudo que desejavam ter realizado e não haviam feito, a pressa em começar a concretizar projetos que haviam sido postergados, mostravam muito flagrantemente a consciência a respeito da própria finitude. Neste sentido, não havia tempo a perder, e isto gerava em algumas forte angústia, temendo não ser mais possível realizações desejadas.

Algumas delas apontaram sentir o espaço doméstico como o lugar onde sentiam impossível realizar-se plenamente, como se estivessem sacrificando alguma coisa essencial da própria identidade, quando se dedicavam às exigências das tarefas domésticas, e por vezes aos cuidados com os filhos. Nesta direção, pareciam ter de passar por uma possibilidade de identificação paterna, pois a geração das mães como mulheres "do lar" não abria canais para a sublimação, pela condição de restrição infeliz, resignada, aos papéis doméstico e maternal, tal como apontou Khel (1996). Assim, para serem criativas em campo de interesse egóico que pudesse dar continuidade à capacidade procriativa, de modo transformado mas oriundo da mesma fonte, como apontou Gueydan (1991), elas necessitavam elaborar profundamente esta modificação.

A atualização, informação pessoal e convivência social foram assinaladas como essenciais para combater a tristeza e a solidão que em geral as participantes divisavam no envelhecimento. Assim a limitação à vida doméstica foi vista por praticamente todas como fator empobrecedor, diante dos recursos e estímulos que compõem o mundo atual. Mesmo aquelas que não se encontravam com atividade profissional, viam no contexto sociocultural as possibilidades de enriquecimento pessoal e construção de uma vida significativa no presente e no futuro, tendo reflexos em uma melhor inserção e relacionamento familiar.

Sentiam-se realizadas no papel de mãe, mas almejavam concretizações em outros campos de interesse para se sentirem mais vivas e inteiras, com certeza vislumbrando no processo de externalização de suas criações uma questão importante neste período, como apontou Jaques (1990). O vínculo com os filhos representava apoio importante em momentos em que se enfrentaram com alguma crise pessoal, tal como no caso das que passaram pela separação conjugal. A reativação do Complexo de Édipo era marcante para algumas que não sabiam como se organizar pessoalmente frente à maior independência e partida dos filhos, apresentando sentimentos de exclusão e traição. A elaboração de sua própria independência dentro deste vínculo em transformação era tarefa árdua para algumas delas, sentindo aí uma perda que as atingia profundamente.

Havia preocupação e grande interesse em discutir o relacionamento entre homens e mulheres, o que se encontrava relacionado muito diretamente ao exame da relação conjugal e suas mudanças ao longo da convivência de muitos anos. As insatisfações, a rotina e a perda do romantismo inicial foram alvo de discussão em vários momentos. O reencontro com o parceiro na maturidade, após o crescimento e independência dos filhos, parecia requerer uma reformulação e adequação às necessidades atuais, assim como antigos problemas pareciam demandar finalmente uma solução, ou então uma acomodação final. Com o balanço de vida em suas realizações, estas mulheres colocavam na ordem do dia o desejo de contar com um parceiro mais presente, afetivo, companheiro e se possível, também mais romântico e sexualmente estimulante.

O fato de acompanharem o envelhecimento, a doença e a morte dos genitores, não só colocou as participantes em contato com a perda aí compreendida , como promoveu a emergência de ansiedades com relação à inversão dos papéis nos cuidados e temores com relação ao próprio futuro. Em processo identificatório, tornava-se esta uma realidade factível para si mesmas a partir da chegada ao meio da vida, o que lhes acenava com o sentimento de desamparo na velhice, pretendendo evitar a solidão e alheamento afetivo em que percebiam seus pais envelhecidos. A renovação de sentimentos edípicos fazia retornar necessidades afetivas que não encontravam eco e respaldo nos pais agora muito distantes da figura de sua infância e juventude. Com relação aos irmãos, era por vezes difícil a conciliação e divisão dos cuidados com os pais, reavivando antigos sentimentos de rivalidade edípica.

A aposentadoria era sentida como perda significativa em suas vidas, pois a participação ativa em contexto de atividade profissional, fazia com que se sentissem mais preenchidas e realizadas. Mesmo aquelas que ainda não haviam chegado à aposentadoria, mas dela se aproximavam, preocupavam-se com o desenvolvimento de alguma outra atividade produtiva fora de casa, que se traduzisse em ocupação ativa e preenchimento significativo para suas vidas.

A grande maioria das participantes apontou que contava com muito poucas amizades, o que fazia com que sentissem falta de convívio social e diálogo. A solidão e falta de companhia foram temas constantemente abordados, pois era freqüente se sentirem sozinhas, embora muitas vezes rodeadas de família e colegas, que no entanto não supriam suas necessidades afetivas de parceria, troca e compreensão. O "Grupo de Encontro de Mulheres" de algum modo era identificado como espaço para tratar de suas angústias, mas ao mesmo tempo atendia à expectativa de acompanhamento entre pares com troca significativa que podia auxiliar na elaboração de seus próprios conteúdos.

Finalizando, após este breve relato de alguns aspectos de minha experiência com "Grupos de Encontro de Mulheres", é importante ressaltar que as participantes de forma geral, além da valorização desta experiência em suas vidas, iniciaram processo pessoal onde efeitos terapêuticos foram flagrantemente conferidos.

Como psicanalista, nos "Grupos de Encontro de Mulheres" exercendo atendimento em forma distinta do setting terapêutico tradicional, pude identificar na grande maioria destas mulheres processo elaborativo que se encontrava em marcha, sendo que as realizações manifestas indicavam claramente efeitos analíticos mais profundos: em processo a elaboração do luto pelas mudanças e perdas; revitalização de recursos pessoais adormecidos; início da superação criativa de golpe em sua feminilidade representado pelo climatério e menopausa; aceitação de desafios que colocavam à prova sua capacidade e estrutura emocional; descoberta de possibilidades pessoais que só o maior desenvolvimento emocional pôde fazer frutificar; início da concretização de projetos que indicavam de maior independência afetiva e financeira; maior amadurecimento da condição de separação conjugal; encorajamento para a tomada de decisões importantes na vida profissional; procura de atividade que implicava em empatia e doação afetiva aos que dela necessitam.

Deste modo, concluo a exposição desta experiência falando sobre minha gratificação pessoal e profissional com este trabalho de objetivo preventivo com efeitos terapêuticos em "Grupos de Encontro de Mulheres". Constitui atendimento no qual é possível abranger um grande número de mulheres necessitadas da experiência que ele favorece, podendo ser de grande auxílio como atendimento focal em período de crise, assim como pode em alguns casos constituir sensibilização para tratamento psicoterapêutico convencional e sem prazo determinado.

Este tipo de intervenção de caráter psicoprofilático, pode ser desenvolvido em consultórios médicos ou psicológicos, em instituições tais como hospitais, centros de saúde, centros de atendimento comunitário e demais organizações que congreguem o público de mulheres desta faixa de idade. Elas se encontram ciosas por uma oportunidade para serem reconhecidas em sua especificidade, escutadas e compreendidas em momento de grande vulnerabilidade, necessitando reverter a crise rumo a uma nova e saudável integração.

NOTAS

(1)Este trabalho reúne alguns pontos apresentados em minha dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica pela PUC/SP, com o título "Mulher: significados no meio da vida"

(2)Tradução livre desta autora

(3)Tradução livre desta autora

(4)Tradução livre desta autora

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Eliane Michelini Marraccini
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