CAN -
Asas Desbravadoras
O Correio Aéreo
Nacional, organizado pela Força Aérea Brasileira, funcionou
durante mais de trinta anos como o grande meio de ligação
do vasto território brasileiro.
Se um homem deve ser lembrado
por sua realizações, Eduardo Gomes tem um saldo muito positivo
a seu favor: foi um dos mentores da criação do Ministério
da Aeronáutica e a mola impulsionadora do CAN - Correio Aéreo
Nacional, com resultados tão favoráveis que até hoje
sua obra persiste, em diversos países da África e da América
Latina, sob a forma de cópias adaptadas às condições
locais.
O CAN não foi a primeira
organização aeropostal a funcionar no Brasil, mas nem os
serviços de correio da Aviação Naval, da Aviação
do Exército ou da Aviação da Força Pública
de São Paulo tiveram a dimensão ou a longevidade da estrutura
que a Força Aérea Brasileira organizou. Nem conseguiram uma
atuação tão prolongada, numa área tão
grande. O CAN operou com regularidade de 1941 até os anos 70 e,
em algumas áreas como a Amazônia, sua ação nessas
três décadas foi decisiva para a fixação do
homem à terra e a guarda das fronteiras. Como já foi escrito,
"sem o CAN a Amazônia talvez não fosse hoje brasileira". Na
realidade o CAN herdou a experiência dos serviços postais
militares anteriores e depois, com as necessidades do esforço de
guerra (1939-1945), ampliou rapidamente sua atribuições e
atividades. Mas sua história remonta às origens da Aviação
Militar do Exército. A Aviação Militar surgiu oficialmente
em 1926 como uma estrutura de apoio aéreo às forças
terrestres, mas já em 1928 alguns oficiais de visão como
o General Leite de Castro, o general Álvaro Guilherme Mariante e
o coronel Manoel de Castro Neves começaram a discutir as vantagens
de utilizar aeronaves militares para unir guarnições e quartéis
localizados em pontos distantes do País e transportar correspondências.
O Brasil dos anos 20 e 30 era
um gigante territorial adormecido onde a precariedade das comunicações
e a falta de estradas mantinham Estados e cidades afastados do governo
central, no Rio de Janeiro. Afirmavam eles que o avião poderia mudar
isso e que a par de sua utilidade militar tinha condição
de desempenhar com eficiência um papel de união e desenvolvimento.
Quando estourou a Revolução de 1930, suas idéias proféticas
ganharam força e o apoio de outros oficiais mais jovens, como o
então major Eduardo Gomes. Enquanto isso, em São Paulo,
a Aviação da Força Pública começava
a voar experimentalmente entre cidades do Estado deslocando pessoas, pequenas
cargas e malotes postais. No início de 1931, o presidente Getúlio
Vargas criou o S.P.A.M.(Serviço Postal Aéreo Militar), nome
depois mudado para Correio Aéreo Militar. E no dia 12 de junho um
monomotor "Curtiss FFledging" decolou do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro,
levando alguns malotes rumo a São Paulo. O s pilotos, Casimiro Montenegro
Filho e Nelson Freire Lavanére Wanderley completaram a viagem sem
problemas, inscrevendo seus nomes da história da aviação
brasileira. Ambos ocupariam, mais tarde, postos importantes no Ministério
da Aeronáutica. Em setembro deste mesmo ano, outro avião,
um "Amiot 622" de fabricação francesa, foi utilizado pelo
Capitão Archimedes Cordeiro e o tenente Francisco Correia de Melo
para inaugurar o vôo postal do Rio de Janeiro para Goiás.
Nos anos 30, os serviços aeropostais foram se expandindo, enquanto
mais aviões eram adaptados para a missão e os pilotos ganhavam
experiência em voar grandes distâncias sem apoio rádio,
sem bases alternativas e com mapas deficientes.
Mas apesar das limitações
o trabalho que fizeram foi importante. Só no ano 1931 o serviço
voou 54.888 Km transportando 61 passageiros e 340.045 Kg de cartas e malotes.
Um número notável para a época. Em 1932 já
haviam duas linhas regulares operacionais, ligando Rio de Janeiro ao Mato
Grosso e ao Paraná, com diversas escalas. A aeronave utilizada
era o robusto monomotor "Waco
CSO", norte-americano. Na realidade, os resultados foram tão
positivos que no dia 29 de julho de 1936 o Ministério da Marinha
criou o Correio Aéreo Naval, com a finalidade de fazer ligação
entre sua diversas bases espalhadas pelo País, treinar os pilotos
e transportar correspondência. Já antes, em 1935, havia instituído
a linha regular experimental Rio de Janeiro/Paraguai/Florianópolis,
com escalas. A aeronave escolhida era, novamente, o "Waco CSO", na versão
de flutuadores. A Marinha usou 8 desses avões e o Exército
41. No fim de 1936, a Marinha tinha já funcionando a linha Rio de
Janeiro/Rio Grande(RS), cobrindo uma extensão de 1.430 Km. Os aviões
decolavam do Rio de Janeiro nas quartas-feiras e regressavam nas sextas-feiras,
voando sempre ao longo da costa. Posteriormente, a Marinha implantou linhas
postais mais extensas, como Rio/Goiás/Belém; Rio/Três
Lagoas/Ladário/Foz do Iguaçu/Florianópolis. A introdução
de aviões maiores e melhor esquipados - como o" Waco CJC", com a
cabina fechada - , não diminuiu os riscos da operação
e muitas vidas preciosas foram perdidas. No entanto, o esforço não
esmoreceu. Para ampliar os serviços, a Marinha criou pólos
de desdobramentos para linhas locais, criando o conceito de "hubs" praticado
hoje em todo o mundo pelas empresas aéreas comerciais. Um desses
"hubs", por exemplo, na cidade de Santos (SP), tinha vôos postais
regulares para Ubatuba e São Paulo, no rumo norte, e para Iguape
e Cananéia, no sul. Outro "hub", em Florianópolis, ligava
com vôos regulares as cidades de Tijucas, Itajaí e Joinville(norte)
e Laguna, Tubarão e Araranguá(sul). Se o trabalho da Marinha
foi importante, ele ficou limitado ao litoral e ao grandes rios e lagoas.
O Exército não tinha essa restrição e, em 1937
e 38 transportou mais do dobro da tonelagem postal deslocada pelos aviões
da Aviação Naval.

Em regiões
como a Amazônia, a presença do CAN, com o Catalina ao fundo
da foto, foi decisiva para fixar o homem na terra, ajudando a demarcar
as atuais fronteiras do nosso país.
O quadro
estava mudando, naquela época. No Brasil crescia o número
de empresas aéreas comerciais, que aos poucos foram assumindo a
responsabilidade do transporte de pessoas, cargas e correspondência.
E na Europa as nuvens de uma nova guerra tornavam o céu mais escuro.
Prevendo isso, o Ministério da Marinha negociou na Alemanha os direitos
de produção do bimotor "Focke
Wulf FW58", do qual 14 unidades chegaram a ser produzidas nas Oficinas
Navais do Galeão, e que no fim da Guerra teria papel importante
no futuro Correio Aéreo Nacional - CAN. No Exército, crescia
a preocupação com o despreparo das Forças Armadas
nacionais e uma série de acordos assinados com os EUA garantiu,
anos depois, um fluxo importante de aeronaves novas, maiores e de melhor
desempenho. Mais que isso: crescia também a idéia, entre
numerosos oficiais encabeçados por Eduardo Gomes, de que com os
recursos limitados nacionais só seria possível reequipar
a aviação militar nacional unindo esforços e amalgamando
a Aviação Naval e a Aviação Militar em um único
Ministério. O incício da Segunda Guerra Mundial precipitou
as coisas e, no dia 13 de janeiro de de 1941, o presidente Getúlio
Vargas assinou o decreto-lei 2961, criando o Ministério da Aeronáutica.
O primeiro Ministro, o civil Joaquim Pedro Salgado Filho, tomou posse no
dia 23. E no dia 20 de fevereiro de 1941
assinou a portaria 47, criando o CAN - Correio Aéreo NAcional.
Mais uma vez, Eduardo Gomes teve papel destacado nesse esforço,
mas os anos seguintes foram conturbados. Enquanto as telecomunicações
telegráficas e radiofônicas eram implantadas no territõrio
nacional, a FAB patrulhava o Atlântico Sul, protegendo navios mercantes.
E todo esse esforço impôs ao recém-criado CAN responsabilidades
enormes.
O Marechal-do-Ar
Eduardo Gomes impulsionou o Correio Aéreo Nacional e ajudou a criar
o Ministério da Aeronáutica.
Para fazer
frente ao desafio, novas linhas foram implantadas e novos aviões
colocados em serviço, enquanto o número de horas voadas crescia
em progressão geométrica. Em 1942, o CAN voou 14.758 horas,
somou 2.416.919 Km voados e transportou 132.066.303 Kg de malotes postais,
além de 428 passageiros. No ano seguinte, em 1943, a carga postal
transportada cresceu para 181.917.384 Kg, além de 39.553.505 Kg
de frete geral e 482 passageiros. Com a entrada do Brasil na Segunda Grande
Guerra, junto aos Aliados, os norte-americanos construíram uma série
de bases aéreas no Nordeste e no Norte do país, enquanto
no interior o governo basileiro multiplicava o número de pistas.
Os antigos monomotores cobertos de tela cederam lugar a aeronaves maiores,
como o "Beechcraft
C-45". Juntaram-se a eles os "Fw-58" da antiga Aviação
Naval, desativados da sua missão original de patrulha marítima.
Os capitães
Osvaldo Lima e Ricardo Nicoli com uma família de Goiás, em
1940. Note a pele de onça na cauda do Douglas C-47.
Com aeronaves
maiores, aumentou também a segurança e o tamanho das cargas
transportadas por viagem. O período de Pós-guerra (1945-1955)
foi a época de ouro do CAN. Se por um lado ele desativou linhas
nas regiões Sul, Leste e Nordeste, onde as empresas aéreas
comerciais tinham já uma rede de linhas regulares confiáveis,
por outro encontrou no Brasil central sua real vocação desbravadora,
transportando remédios, jornais, pesoas, médicos, militares,
carga e malotes postais; até áreas onde nunca antes um avião
havia descido. Nesse período, dois aviões imperavam no CAN:
o Douglas C-47 e o anfíbio Consolidated PBY-5 Catalina.
O Curtis-Fleding-Chalanger
se prepara para o primeiro vôo do Coeereio Aéreo Militar,
em 12 de junho de 1931.
Se pro volta
de 1950 voavam no Brasil mais de cem aviões DC-3
com as cores de diferentes empresas aéreas, sua versão militar
Douglas
C-47
não foi menos importante. A FAB chegou a operar 82 aeronaves desse
tipo. Já o Catalina, capaz de operar na água e em aeroporto
normais. encontrou no Brasil uma utilidade que sequer tinha sido sonhada
por seus projetistas. 31 aparelhos desse tipo vieram ao Brasil durante
a Guerra e, findo o conflito, havia cerca de 25 em serviço. Na sua
maioria foram destacados para o CAN, que retirou seu armamento, dotou-os
de rádios mais modernos e reformou-os com portas cargueiras grandes.
Mj. Casemiro
Filho.
Seis dos Catalinas
voavam ainda a Amazônia, quando o CAN finalmente cessou de operar
como tal, vinte anos mais tarde. Nesse período, muitos oficiais
aviadores que se destacariam na FAB (Ozires Silva, por exemplo, também
voou no CAN) ganharam experiência no serviço, graças
ao qual o Centro-Oeste foi desbravado e a Amazônia definitivamente
unida ao resto do País. Eduardo Gomes, nos diferentes e importantes
cargos que ocupou na FAB, foi até sua morte um entusiasta confesso
do CAN, cuidando dele com carinho.
Nelson Lavanère.
Eduardo Gomes,
certa vez, em um discurso, afirmou que "se é importante para
uma Força Aérea treinar seus aviadores, o que se diga de
treiná-los enquanto ajudam a construir um grande País".
Beechcraft
18/C-45 - Bimotor, monoplano, de sete lugares e construção
metálica; trem de pouso retráctil; dois motores Pratt &
Whitney de 450 hp cada um; velocidade de cruzeiro 320Km/h. Usado pela FAB.
FW-58 - Bimotor,
monoplano, de sete lugares; trem de pouso retráctil, dois motores
Argus de 240 hp cada um; construção de tubos de aço,
madeira e tela; velocidade de cruzeiro 220 Km/h. Usado pela FAB.
Foram a expansão
da aviação comercial brasileira, a construção
de numerosas pistas de pouso na Amazônia, a multiplicação
dos aeroportos civis e a redução das verbas do Ministério
da Aeronáutica que acabaram tornando o CAN uma estrutura arcaica,
em um País onde as distâncias reais haviam desaparecido. A
criação do SITAR - Sistema Integrado de Transporte Aéreo
Regional - também contribuiu para aumentar o número de companhias
privadas e linhas, enquanto os velhos Douglas e Catalinas gradualmente
cediam lugar a aeronaves mais modernas, como o EMB-110 Bandeirante.
Mas o fim
do CAM não impediu que a FAB continuasse tendo, nas regiões
mais afastadas, o mesmo papel de apoio que ele havia inaugurado. O CAN
cumpriu seu papel, com honra e, quando hoje velhos pilotos brasileiros
se reúnen, o Correio Aéreo continua tema das conversas. Que
melhor elogio poderia Eduardo Gomes pedir para o fruto de seu sonho?.
Waco
- CSO - Monomotor, biplano, de dois lugares; trem de pouso fixo, com rodas
ou flutuadores; motor Wright radial, de 250 hp;construção
de tubos metálicos, madeira e tela; velocidade de cruzeiro 180 Km/h.
Usado pelo Exército e Marinha.
Waco
- CJC - Monomotor, biplano, de três a quatro lugares; cabina coberta
e trem de pouso fixo; motor Wright radial de 250 hp; construção
de tubos metálicos, madeira e tela; velocidade de cruzeiro 200Km/h.
Usado pelo Exército e FAB.
PBY-5
Catalina - Bimotor, anfíbio, asa alta, de 16 lugares e/ou carga,
com trem de pouso e flutuadores de extremidades das asas retrácteis;
dois motores Pratt & Wrhitney de 1200 hp cada um; construção
metálica; velocidade de cruzeiro 250 Km/h. Usado pela FAB.
Reportagem tirada
e adaptada da Revista Aeromagazine - de Roberto Pereira.