ANTE-PROJETO DE PESQUISA

PARA SELEÇÃO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (UFBA)

 

 

Candidato: Fabiano Viana Oliveira        Aprovado

 

 

 

Objetivo

 

Identificar na cidade de Salvador comunidades que se formaram a partir da Internet. Descobrir os padrões de comportamento culturais/específicos social/coletivo dos indivíduos que formam essas comunidades. Quais as mudanças nos relacionamentos interpessoais e sociais com o surgimento pela Internet? (Qual o impacto sociológico dessas comunidades?)

 

 

Justificativa

 

Com a evolução das contradições modernas entre o desenvolvimento tecnológico e a degradação das relações humanas, até que ponto essa nova construção social baseada num campo virtual, artificial, totalmente concebida pela tecnologia humana está reaproximando as pessoas?... Restaurando a comunidade? (A noção de pertencimento, de permanência em algo... De identificação e afinidade.) Ou o aparecimento dessas comunidades é mais um símbolo do afastamento das pessoas, da alienação materialista, do medo moderno a respeito do outro? E sobre isso outras dúvidas se tornam recorrentes, pois que, se se pode colocar um padrão no processo de “formação de amigos”, os recentes estudos sobre comunidades virtuais revelam que os tópicos de afinidades entre os componentes de tais comunidades surgem antes do contato, que muitas vezes não acontece. Para melhor explicar a situação: primeiro se tem as coisas em comum e depois chega-se ao nível mais geral e pessoal. Antes, teoricamente, se encontravam as pessoas e com o tempo se descobriam os pontos e interesses em comum. Considerando essa “nova” gênese da comunidade / amizade, como pode isso ser qualificado e entendido antropologicamente? É para tentar responder a estes questionamentos, e por conseqüência formar outros, que não são apenas pessoais de um ser humano, que esta pesquisa mostra sua justificativa de realização.

 

Nota:

Tradicionais idéias sobre comunidade:

O que é mais importante?

O indivíduo.

A comunidade.

Os estudos de pensadores dos séculos XVII, XVIII e XIX flutuaram entre uma resposta e outra, em favor dos interesses sociais da época (entendendo por social: economia, política, cultura, etc.). Suas construções tendiam a tentar responder as questões da época, tornando importante aqui observar as construções para nossa época, já que o presente trabalho procurará descobrir o funcionamento de um tipo de comunidade existente hoje e que se mostra à necessidade de compreensão.

A priori, o que pode ser inferido sobre as comunidades “virtuais”, dentro da questão acima colocada, é que o indivíduo parece ser o mais importante, pois, aparentemente, não haveria sentido em tal comunidade se não fosse pela “satisfação” dos indivíduos; isto é, não há, ao menos claramente, uma necessidade “prática” para tal construção, então, sua “necessidade existencial” seria apenas pessoal, individual, diletante, lúdica... E há também as considerações sobre as construções sociais pós-modernas, as tribos, que surgem com esses objetivos individuais aqui citados, mas que também parecem transparecer a necessidade da reconstrução comunitária, que também será questionada por este trabalho... dentre outras questões. 

 

 

Questões a serem pesquisadas (hipóteses)

 

Os grupos formados a partir da Internet podem ser considerados Comunidades? As nomeações posteriores e a análise dos fatos poderão provar ou não este conceito de Comunidade.

 

O comportamento desses grupos é afetado de que maneira pela sua formação “virtual”?

 

Esses grupos seriam a gênese de uma nova forma de relação social “virtual”, que tanto é símbolo do excesso de tecnologia, como dos anseios renovados de solidariedade “segura” de nossa época, que parece ter tão pouco dos dois (solidariedade e segurança)?

 

Dentre os conflitos morais vividos hoje, passa a ser relevante, aqui, ressaltar que a separação entre “monstro tecnológico” e “calor humano” pode vir a ser uma das questões que devem surgir no andamento do trabalho. Ao mesmo tempo que se ergue um aparato tecnológico virtual (frio), essas novas comunidades surgem em possível resposta a angústias existenciais que ainda não foram respondidas... Se antes, quando a tecnologia ainda nos parecia um tema de ficção científica, nos assustávamos com as terríveis possibilidades criadas em nossa imaginação, como exemplos dos seus melhores estimuladores: Júlio Verne, H.G.Wells, Isaac Asimov, Arthur C. Clarck, Philip K. Dick, todos escritores de renome, visionários de uma ficção que se torna verdade... Agora nos tornamos familiares à tecnologia, ficamos amigos dela, faz parte do nosso cotidiano e ao mesmo tempo ficamos dependentes da mesma, em minha presente proposta: até para fazer amizades “confiáveis”, para nos relacionarmos com os outros, para fazermos parte de algo (uma comunidade?). Que é o que  novamente me faz referir ao paradoxo, à contradição dessa nova construção lingüística virtual que, aparentemente, assegura aos seus usuários a segurança para se expressarem como pessoas. Tornando-se difícil a explicação, exemplificarei: nesse contexto, parece que “ser você mesmo” diretamente com outra pessoa é um risco não mais necessário para os relacionamentos interpessoais, pois, através da internet, “você pode representar ser você mesmo” (a exteriorização das máscaras sociais em palavras) e descobrir as reais compatibilidades com aquele grupo; ou mesmo “se expor”, porém na segurança da distância de um terminal de computador em local desconhecido para o interlocutor. No primeiro momento, sempre serão apenas palavras e imagens no monitor... e depois? (Existem maneiras positivas e negativas de observar essas situações, mas aqui são apenas questionamentos e postulados a serem investigados.)

Poderia também supor que essa nova “comunidade virtual” é o novo modelo re-pensado das Comunidades Aternativas surgidas nos anos 60, 70 e 80, porém com o espaço de atuação (real e simbólico) justamente oposto: a tecnologia, diferente dos outros, que era a natureza, porém com objetivos semelhantes: a reformulação comunitária e o avanço esperitual. Mas este mérito de questionamento não figura entre os objetivos principais desta proposta.

 

Nota: As questões sugeridas são de uma possibilidade de aprofundamento muito extenso, principalmente pela falta de estudos mais aprofundados nessa área ainda, mas também, pela própria natureza mutável de uma construção humana (sócio-cultural), especialmente esta, tão susceptível às rápidas mudanças de comportamento dos dias de hoje. Neste ponto o trabalho deverá se concentrar nas questões mais pertinentes à gênese e a qualificação das comunidades, mas atento às alterações de curso do comportamento das próprias comunidades, que também poderão revelar seu funcionamento interno (seus significados próprios).

 

 

Algumas nomeações necessárias

 

Espaço virtual:

Na linguagem recente, construída junto com o surgimento dessa nova categoria semântica, o que pode ser entendido como espaço virtual é aquele no qual se realiza a comunicação entre os indivíduos via computador. O termo “virtual” isolado deverá ser interpretado no presente trabalho de duas maneiras: ou aquele que está para vir a ser, isto é, justamente aquele momento em que algo irá se realizar em seguida (a utilidade dessa interpretação para o trabalho é latente, pois faz parte do objetivo descobrir tanto a gênese, quanto a qualificação dos grupos referidos); ou aquilo que é intangível, o mundo da ficção artística trabalha muito mais eficientemente esta interpretação do termo, pois suscita uma noção emotiva do que seja algo virtual, sentido, fora do “mundo real”... mundo virtual.

A complexidade do termo se torna ainda mais abrangente se levados em consideração os recentes estudos sobre ciberespaço, cujo fato de ser considerado virtual não o coloca fora da realidade concreta que parece emergir na sociedade moderna. Em muitos aspectos, como um novo espaço simbólico para as representações míticas modernas, pois uma criação coletiva e interativa leva a essa espécie de conhecimento em suspenso (velado, virtual) da nova realidade  de expansão informativa e velocidade, que se espalha em forma de rede (auto – organizante), numa nova forma de construção de consciência que se torna, ainda, difícil de definir, de entender, mas que está presente na vida de todos. Essas inter-relações podem ser melhor aprofundadas em estudos sobre a informação e a comunicação no espaço virtual (o ciberespaço).

 

Sobre comunidade:

Um dos caminhos para identificar e entender o que está sendo proposto como objeto de estudo é a clareza na abordagem do termo comunidade. Devo supor, a priori, que se refere a um grupo de pessoas que está dedicado a um bem comum, porém também esta noção de bem comum não é clara, já a própria exemplificação de tal conceito de comunidade se torna difícil nos dias de hoje (o “bem comum” é cada vez mais individual). Melhor então admitir uma comunidade como sendo indivíduos com interesses semelhantes, comportamentos semelhantes (identidade coletiva) e que, reunidos num determinado local ou não, podem ser genericamente qualificados como tal... num dado momento, porque, por exemplo: alguém que faz parte da comunidade acadêmica da UFBA pode também (e provavelmente o será) fazer parte da comunidade referente a sua disciplina de atuação, e assim por diante. Assim, a qualificação desta comunidade proposta para pesquisa, que posso começar chamando de Comunidade Virtual (mas passível de mudança no decorrer do trabalho), só é possível e válida, se admitidas as condições específicas de sua existência e funcionamento.

 

 

Outras questões que podem ser exploradas no trabalho de campo.

 

De onde vem o interesse em se manter contatos virtuais?

 

O surgimento dessas comunidades virtuais pode ser encarado como mais um ciclo de interesses de gerações diferentes? Isto é, se na época dos pais dessa “possível” geração se procuravam comunidades alternativas atecnológicas, amaterialistas e anti-autoritarismos, hoje, os filhos destes procuram a alternativa do “novo mundo” na tecnologia? (e não vêem problema nenhum com o materialismo)? E são passivos ao autoritarismo oculto de nossa sociedade (materialista)?

 

Será que na origem dessas comunidades existe a “apatia” (ou seria banalidade) cultural que transparece numa geração, em comparação com o engajamento da anterior, ou é apenas uma maneira diferente de agir? Talvez sendo a própria apatia um símbolo de inconformismo, que gera novas buscas?

 

 

Recorte empírico

 

Local físico: Cidade de Salvador.

Espaço virtual: Internet (Salas de “Bate-papo” de pessoas de Salvador e os conseqüentes locais onde estas pessoa se encontram).

 

Obs.: A base teórica e o trabalho de campo deverão delimitar e especificar estes espaços, pois faz parte da investigação sobre o comportamento desses grupos descobrir como se transforma (o processo da relação social) o espaço virtual em físico (havendo a necessidade de “contato real”* entre os componentes desse grupos, como este ocorre?).

 

*contato real = físico, no sentido mais tradicional da palavra: pessoas que se vêem, se tocam e se falam frente a frente, etc.

 

 

Possível Metodologia

 

Conviver em campo com os indivíduos pertencentes a esses grupos (virtual e fisicamente) e daí descobrir e compreender seus comportamentos e variantes sociais / culturais inerentes a este tipo de grupo social. (Possível uso de informantes e questionários aplicados indiretamente).

Ter no embasamento teórico o domínio do vocabulário necessário para fazer as corretas identificações dos fenômenos e, a mais correta possível, interpretação dos mesmos.

Produzir material esclarecedor sobre o que for constatado em campo.

 

 

Breve Referência Teórica sobre o Tema

 

Há uma notável escassez de material sobre o presente tema em contraste com a quantidade de dúvidas e questões suscitadas pelo mesmo assunto. Isso não leva de modo algum para um lado desanimador da investigação, pois ela se mostra ainda mais necessária e mais ampla pela falta de informação, ou melhor, pela multiplicidade de informações especulativas e quase nenhuma definição generalizadora; característica que parece ter haver com a natureza hiper-dinâmica da temática: internet X relações pessoais, pois que as noções são formuladas, derrubadas e reformuladas quase na mesma velocidade que a própria Internet (redes de computadores) se desenvolve.

Algumas questões apresentadas aqui estão sendo avidamente estudadas por pesquisadores no campo da comunicação e sociabilidade (vide Marcos Palácios e André Lemos – Faculdade de Comunicação da UFBA), um autor citados por ambos, Michel Maffesoli, também faz incursões sobre o impacto das mudanças tecnológicas nas comunidades contemporâneas, como a formação das tribos urbanas e as próprias comunidades virtuais.

O aspecto relacionado às comunidades se faz presente não só na tentativa de uma visão moderna do termo, mas também na sua recente história, onde as mudanças sociais afetam sua formação e continuidade. Foi num tema aparentemente ultrapassado, as Comunidades Alternativas, que neste trabalho e em outros, surgiu novamente a busca por uma nomeação clara do que seria comunidade. Este tema é desenvolvido por Carlos Tavares (O que são Comunidades Alternativas – Coleção Primeiros Passos). E fazendo comparações com o que se estabelece como aparentes razões para a formação das comunidades virtuais, semelhanças e diferenças surgem, porém ainda num terreno especulativo, que talvez nunca deixe de o ser pela natureza dinâmica e veloz do objeto.

 

Nota: Metade das referências bibliográficas utilizadas para a elaboração deste ante-projeto foram adquiridas via Internet, apenas para mencionar o que foi efetivamente utilizado. Poderia apresentar isso como um dos pequenos e muitos fatores que compõem essa massa de informação interativa que está disponível na Internet, e que, familiar (cotidiana), passa a fazer parte da realidade das pessoas que participam (e participarão) das comunidades virtuais.   

 

 

 


 

BIBLIOGRAFIA

 

 

LEMOS, André. “As Estruturas Antropológicas do Ciberespaço” in: Textos de Cultura e Comunicação, nº35, Salvador: Facom / UFBA, 1996, pp.12 – 27.

 

LEMOS, André. “Ciber-Socialidade. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.”, apresentado na COMPOS – 98, no GT Sociedade Tecnológica. A ser publicado na Revista Logos, UERJ.

 

MANTA, André. SENA, Luiz H. “As Afinidades Virtuais: A sociabilidade no Video-papo”, 1998. (Texto informativo.). E-MAIL: palacios@ufba.br.      

 

PALACIOS, Marcos. “Sete Teses Equivocadas sobre Comunidade e Comunicação Comunitária” in: Textos de Cultura e Comunicação, V.II, nº26, Salvador: Facom / UFBA, 1991, pp. 15 – 23.

 

PALACIOS, Marcos. “Cotidiano e Sociabilidade no Ciberespaço: Apontamentos para Discussão”, 1998. (Texto informativo.). E-MAIL: palacios@ufba.br.

 

TAVARES, Carlos A. P. O que são Comunidades Alternativas – Coleção Primeiros Passos, São Paulo: Nova Cultura / Brasiliense, 1985.