VERSIONES 13


Año del buey - Abril/Mayo de 1997


Paulo V. Salvador:
Aritmética Texana

O Texas é maior do que qualquer país da Europa, incluindo a Ucrânia mas excluindo claro está a Rússia. Se cruzares este estado no sentido oeste-leste pela I-10 (a interestadual que liga Los Angeles a Orlando, na Florida) tens que fazer 1500 km e se o cruzares no sentido sul-norte pela estadual I-35 são 800 Km. Por isso, aquele que se puser a cruzar as estradas texanas aprende rapidamente a ter paciência, a não se assustar com as distancias e a prever a duração em termos de mãos cheias de horas. Felizmente as estradas são tão boas, tem tantas faixas de rodagem, o trânsito é tão disperso que se torna muito fácil acertar a que determinada hora se chegará a qualquer local do Texas, por mais longe que ele seja. As contas são assim : 70 milhas por hora (112 Km/h), a velocidade máxima permitida por estas bandas, 10 min para encher o depósito de gasolina uma vez em cada cinco horas, 30 minutos para comer e ir a casa de banho.

Por isso se quiser ir de Dallas até El Paso, junto ao México e ao New México (México por todos os lados), e se sair de casa as 7h da manhã com o pequeno-almoço já tomado, já sei que preciso de 10 horas para perfazer as 700 milhas que me separam dessa cidade, meia-hora para almoçar e vinte minutos para encher duas vezes o depósito. Isto quer dizer que demorarei cerca de 11 horas a chegar a El Paso. Como sei que a hora muda cerca de cinquenta milhas a seguir a se cruzar o rio Pecos, tendo que adiantar o relógio uma hora, prevejo chegar as 9 horas da noite, sem jantar e com o depósito quase vazio. E é o que acontece. É muito confortável poder confiar na aritmética.

Gosto de cruzar o rio Pecos. Se ha um acidente geográfico no Texas onde a gente possa dizer que a partir daí a paisagem muda rapidamente (o que é uma preposição muito contestável para defender por estes lados), eu penso sempre no rio Pecos. O rio em si é, a mais das vezes, absolutamente miserável, não mais que uma corrente acastanhada, lenta e estreita, no meio da planície interminável, ate morrer algures, no rio Grande. Mas o rio Pecos tem um valor simbólico porque é a partir daí que o que resta do verdadeiro velho Oeste sobrevive.

O mito do Oeste, do vaqueiro, do fora-da-lei, do bisonte ruminando tranquilamente a erva, das emboscadas dos índios e das cargas da cavalaria nasceu ao longo da espinha dorsal do Texas, isto e, da faixa Sul-Norte que começa a sul de San Antonio, e passando por Austin, a capital estadual, passa por Dallas e Fort Worth para depois penetrar no Oklahoma. Era ao longo deste troco que os Comanches, os mais selvagens de todos os índios, faziam as suas sortidas, que Sam Bass, o famoso ladrão, fez a sua carreira e onde foi abatido e que as grandes manadas de vacas de longos cornos (os famosos longhorns) eram conduzidas lentamente (The only way to drive cattle fast is slowly) por um punhado de cow-boys ao longo da pista Chisholm e outras até as estações de comboio do Kansas, onde os ruminantes eram então transportados para os matadouros de Chicago para alimentar de bifes a população em explosão da costa leste. Isto tudo, claro, passou-se no século XIX, e apenas nos 20 anos a seguir ao fim da Guerra Civil. No entanto estes 20 anos foram suficientes para criar um mito e um modo de vida.

Depois o comboio chegou a Dallas, os matadouros e as câmaras frigoríficas a Fort Worth, e o arame farpado começou a delimitar as propriedades e a impedir o transporte de grandes manadas e os cow-boys ficaram desempregados ou reconverteram-se. O longhorn, conhecido pela sua resistência ao inclemente clima e as doenças texanas mas também pela sua carne dura como couro e sem gosto, pode ser substituído por raças mais comestíveis como os Hereford, os Angus, os Bramanes. A espinha dorsal do Texas esqueceu então os índios, as vacas e os bisontes e mergulhou obsessivamente na construção do futuro. E ainda hoje vive neste ritmo alucinante de mudança, de concentração no amanhã. Como os texanos dizem, o momento mais importante das nossas vidas é agora mesmo. Um europeu sente vertigens em Dallas.

O modo de vida do Oeste recuou então para as semidesérticas planícies do Midwest Texas, onde, se a vida atribulada de antigamente não era mais possível, pelo menos o contacto com a natureza, a solidão e a imensidão dos espaços pode manter o ritmo tradicional da existência. Mas depois houve alguém que descobriu petróleo, as pequenas aldeias dormentes explodiram de população de um dia para o outro, novas cidades surgiram onde antes não havia nada, e o velho Oeste recuou uma vez mais, desta vez cruzando o rio Pecos. Num século, o pioneiro solitário teve que trocar o Texas civilizável pelo deserto. Mas ainda sobrevive, algo adaptado (o cavalo substituído pela pick-up) mas ainda com a mesma necessidade de espaço aberto.

E por isso que gosto de cruzar o rio Pecos. O ritmo da vida torna-se lento, e os animais selvagens, o puma, o urso grizzly, as serpentes-de-guizo venenosas vivem tranquilas nos seus territórios, o vento levanta poeira ate ao céu, o verde desaparece perante o amarelo da luz do sol reflectida pela rocha calcaria, os cactos tornam-se as únicas linhas verticais antes dos edifícios de madeira dos lugarejos.

A seguir ao rio Pecos a cidade de Pecos. Evito olhar para os Mcdonalds, estações da Texaco, supermercados Walmart e afins da strip à entrada da cidade. Faz de conta que isto não existe, OK? No fim de contas andamos a procura de algo que pertence ao mito e é preciso ter-se muito cuidado de modo a não perturbar os mitos (pode haver alguém que leve a mal) , não é verdade? Por isso prefiro olhar para os cães e ver se se vê Rantanplan, o cão mais estúpido a oeste do Pecos, a descansar da sua perseguição filial a Averell Dalton. É que a mim o Oeste revelou-se via BD belga (Lucky Luke, tenente Blueberry) e não por intermédio de Hollywood.

As pessoas falam devagar, com sotaque cerrado, e olham-te como se tivesses um Colt escondido debaixo da camisa, barbas grandes e livres, suspensórios a agarrar as calças. Mas rapidamente concluem que não és ameaçador e tratam-te logo como a um velho amigo. Uma compreensão rápida das intenções dum desconhecido valiam muitos anos de vida no velho Oeste. If you`re gonna take the measure of a man, take the full measure , Speak your mind, but ride a fast horse, dizem aforismos ruminados em cima duma vida solitária em cima da sela. A gente aprende muita coisa com esta gente ensinada pela rotina árdua da solidão e da inospitalidade da natureza. Por exemplo Good judgment comes from experience, and a lot of that comes from bad judgment ou Don`t get mad at somebody who knows more ‘n you do. It ain´t their fault deviam ser juntados a Bíblia pessoal de cada um de nós, não acham ? E que dizer de There`s only two things you need to be afraid of : a decent woman and bein` left aloof? Não é bem verdade, pelo menos em relação a primeira parte ? E por favor nunca se esqueçam de always drink upstream of the herd e talk low, talk slow, and don`t say too much.

Mas aqui no Texas nunca se pode ficar muito tempo em lado nenhum. Há que chegar ao There`s no place round the campfire for a quitter`s blanket. A hora prevista lá se chega ao destino. Adoro a aritmética texana.V


(*) Paulo V. Salvador, engenheiro químico português. Mora em Londres.



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