Baianos buscam gozo em laboratório
Por Luís Antônio Giron
de São Paulo
Há novos baianos também na música experimental. Há novos baianos também na música experimental. Dois deles, Paulo Costa Lima, 43, e Wellington Gomes, 37, têm suas obras interpretadas por diversos conjuntos e artistas e recém-lançadas no CD "Outros Ritmos" (Prêmio Copene de Cultura e Arte). O CD vale como atestado de vigor inventivo e como provedor de prazer. Ainda é possível tê-lo com partituras contemporâneas.
Não é lícito considerá-los sem um pouco de genealogia. Costa Lima e Gomes são discípulos diretos dos antigos baianos de vanguarda, os suíços Walter Smetak e Ernst Widmer (1927-1990) e os brasileiros Jamary Oliveira e Lindembergue Cardoso (1939-1989). O quarteto fundou em 1966, junto ao departamento de música da Universidade Federal da Bahia, o Grupo de Compositores da Bahia. O projeto era somar as aquisições da música eletro-acústica e serial com os traços sonoros locais. O resultado foi uma multiplicação de obras pulsantes que ainda repercutem nos ouvidos mais cultivados. Não houve nada igual á criatividade do trio no Brasil nos anos 60 e 70 no sentido da invenção de um estilo contemporâneo próprio. Oliveira, Widmer, Smetak e Cardoso venceram a dicotomia entre música experimental e nacionalista cultivada na década anterior E ainda está por vir uma análise ampla sobre o fenômeno integrador. Tal vanguarda alegre se dissipou muito rapidamente. Mas deixou seguidores ainda mais animados e extrovertidos, verdadeiros gozadores seriais.
Com o CD "Outros Ritmos", a criatividade da turma de Salvador se faz ouvir outra vez de maneira eloqüente, sobretudo no Sul, onde os compositores eletro-acústicos assumem postura e cargos tecnocráticos, não permitindo que as novas gerações se expressem sem beijar seus anéis.
Enquanto se vive em São Paulo e Rio uma espécie de constipação sonora pós-moderna gerada em estúdio por dignitários da República Digital, Costa Lima e Gomes se esbaldam na busca do prazer possível dentro do laboratório contemporâneo. Soam até esquisitos para ouvidos acostumados à matemática de ruídos atual. Não que não tenham fundamentos bem assentados. As treze faixas do CD -sete composições de Costa Lima e quatro de Gomes, além de "Monódica", de Lindembergue Cardoso, e "Ondina", de Ernst Widmer.- são pequenas para conter tantos referenciais e homenagens. Entre os intérpretes destacam-se o Bahia Ensemble, o Trio de Palhetas, o violoncelista Piero Bastianelli e o pianista José Eduardo Martins.
O CD foi gravado em diversas ocasiões e locais que vão de Salvador a Sófia, capital da Bulgária. As composições de Gomes revelam um desejo de atingir o ouvinte mais diretamente, por meio de padrões tonais identificáveis e formas bem delimitadas. Especialmente delicioso é o "Frevinho" (1995), com o Bahia Ensemble, que encerra o álbum. Ele tem duas sessões distintas e contrastantes. A primeira propõe clusters e harmonias divergentes, ao passo que a segunda executa um frevo reducionista com sabor de Stravinsky. Apesar de mais jovem, Gomes soa mais conservador que Costa Lima.
O ponto alto do CD está entre
as faixas 4 e 8, com obras de Costa Lima que se aventuram pela
enunciação vanguardista a reboque da pluralidade
rítmica do candomblé. A seqüência têm
início com a abordagem eufórica do flautista Lucas
Robatto e do violonista Mário Ulloa: o "chorinho"
"Apanhe o Jegue" (1996), que mescla um opanijé
de Omolu à "Badinerie" de Bach. Segue-se o tríptico
formado pelas peças para piano "Pega essa Nega e Chêra",
"Imikaiá" e "Ponteio
", escritas entre 1991 e 1993. São interpretadas por
José Eduardo Martins, em gravação realizada
na Rádio Nacional da Bulgária, em Sófia.
Tomado por uma volúpia rítmica, Martins explora
com engenho expressivo os temas de barranqueiros do rio São
Francisco e do candomblé, transfigurados nas peças
em piano-percussão que se pretende nirvana. Em meio à
batucada, Martins traz à superfície a estrutura
melódica das obras, como a demonstrar a filiação
européia da afro-baianidade. A ironia se consuma na faixa
posterior com a peça orquestral "Atotô do L´homme
Armé" (1993), pelo Bahia Ensemble. Mais uma vez, o
autor conjuga candomblé e erudição ocidental.
Põe em discussão acalorada um alujá de Xangô
com o tema medieval "L´homme Armé", madeiras,
metais e berimbau.
"O que o Grupo de Compositores da Bahia nos deixou de mais
valioso foi justamente um investimento profundo na direção
do gozo/ciência e ao mesmo tempo sua negação,
a desconfiança em qualquer princípio declarado,
um voto de anarquia que estabelece uma cumplicidade com o arquétipo
de Gregório de Mattos e comos traços das nossas
culturas circundantes, com seus mitos e suores", afirma Costa
Lima no livreto do CD. Segundo o compositor, a matriz pedagógica
de seus mestres apontava para a falência da idéia
de superação em voga agora. Mesmo que queiram abolir
a dinâmica da prática artística, porém,
os dois novos baianos acenam com a ultrapassagem de recalques
da música contemporânea através do algoritmo
do prazer.