Quartetos de Lorenzo Fernandez saem em CD

 

 

 

Poucas obras têm passado em tão brancas notas como a do compositor carioca Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948). Um CD recém-lançado pela Alcoa na ``Coleção de Música Erudita´´. A idéia era lançar o disco em comemoração ao centenário do nascimento. Não saiu a tempo. Mas não há problema, já que as datas do músico são tão redondas que o cinqüentenário de sua morte já acontece em agosto deste ano. O Quarteto Amazônia é o intérprete do CD ``Lorenzo Fernandez´´. No programa, os dois quartetos de corda deixados pelo compositor: o ``Quarteto nº 1 em Fá Sustenido Menor´´ (1927) e o ``Quarteto nº 2 em Dó Sustenido Menor´´ (1946).

A interpretação pelo Quarteto Amazônia coloca um novo degrau de qualidade em abordagem de música brasileira de câmara. O grupo tem como objetivo a propagação do repertório tradicional e de compositores brasileiros. O quarteto é formado por músicos da mais alta reputação: Claudio Cruz e Igor Sarudiansky (violino), Horácio Schaeffer (viola) e Alceu Reis (violoncelo). O resultado é de excelência total. A sonoridade é redonda. Não se ouvem problemas de agenciamento dos temas tão típicos dos grupos semelhantes. A contribuição do grupo neste CD é provar com talento que a obra do músico tem tido uma receptividade muito aquém do seu valor intrínseco.

O compositor foi bastante conhecido em vida, mais devido à ação cultural que empreendeu do que pela produção, extensa e brilhante. Hoje é difícil ouvir qualquer compasso escrito pelo artista, um dos principais representantes da sLorenzo Fernandezegunda geração do nacionalismo musical. Por ter escrito música de maneira menos bombástica do que seu amigo, Heitor Villa-Lobos, e por ter morrido cedo, aos 50 anos, de um ataque cardíaco, em 1948, Fernandez talvez seja o mais oculto dos nacionalistas. Outro motivo do esquecimento foi o desagrado que manifestou no período final da carreira em relação às posições conservadoras do movimento.

Ele morreu logo depois de reger um concerto em 27 de agosto de 1948. Segundo o musicólogo Vasco Mariz, em ``História da Música Brasileira´´, que o conheceu, o compositor vinha sofrendo do coração havia algum tempo, fato que se agravou com o acúmulo de funções que assumiu na vida musical brasileira. ``Tudo indicava que seria o sucessor de Villa-Lobos´´, escreve Mariz. ``Os cargos que desempenhava, seu prestígio como compositor, regente e professor, uma personalidade extremamente insinuante e simpática, sua obra quase toda impressa, davam-lhe um futuro promissor na música brasileira´´. Dado a crises nervosas e a se emocionar em excesso, não resistiu às comemorações do seu próprio cinqüentenário.

Fernandez produziu em todos os gêneros ao longo de 30 anos de carreira. Como chama a atenção Vasco Mariz, ele não pertencia à escola de Villa-Lobos (1887-1959), mas a de Alberto Nepomuceno (1864-1920), o fundador do nacionalismo musical. Seguiu a linha mais conservadora de escritura musical.

Como artista, balançou entre o uso racional de temas folclóricos locais e oLorenzo Fernandez apelo cosmopolita. Os dois quartetos de corda que deixou espelham a ambivalência. O primeiro foi composto em 1927. Mariz divide a produção de Fernandez em três fases: as páginas simbolistas da juventude (1918-1922), a nacionalista (1922-1938) e o período final, vincado pela de obras universais de fôlego.

O primeiro quarteto pertence à fase nacionalista. A partitura exibe quatro quatro movimentos recortados de acordo com padrões clássicos. Soluções rítmicas sincopadas, extraídas da música afro-brasileira, se somam a melodias modinheiras. Mas a escritura turva qualquer facilidade nacionalista. O ``Quarteto nº 2´´ é mais agradável ao ouvido e, de certa maneira, mais profundo. O estilo amadurecido deixa o compositor livre para se expandir melodicamente. O penúltimo andamento, ``Andante Espressivo´´, é uma página de grande beleza dramática e complexidade harmônica.

Entre suas obras, figuram duas sinfonias (1945 e 1947), um concerto para piano e orquestra (1924), um concerto para violino e orquestra (1941-1942), canções para voz e piano e voz e orquestra, dezenas de peças para piano e diversas peças sinfônicas. Pela criatividade melódica e densidade harmônica e uso nunca óbvio do nacionalismo, Fernandez tem lugar entre os grandes mestres brasileiros do século XX. Tomara que o CD da Alcoa não resulte em homenagem isolada.

Luís Antônio Giron


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