A renascença corresponde ao período
de "renascimento" das letras e das arte como um todo, movimento este iniciado
na Itália no século XIV, tendo alcançado seu auge no
século XVI, influenciando todas os demais países da Europa.
Os termos renascença ou renascimento passaram
a ser utilizados a partir do século XV para designar o retorno da
cultura aos padrões clássicos. Tal movimento se iniciou com
os estudos dos cânones artísticos da antiguidade clássica.
O estudo da cultura clássica já constituía elemento
de erudição entre os mais cultos homens da Idade Média
e até entre a classe sacerdotal. Por exemplo, as figuras mitológicas
pagãs eram utilizadas como elemento estético para finalidades
morais e filosóficas. Gradualmente, tal conhecimento dos padrões
clássicos passou a exercer influência sobre os mais variados
campos de atividade humana no período posterior à Idade
Média. Portanto, não se pode dizer que a exclusividade do "retorno"
aos padrões da Antiguidade é de propriedade do período
renascentista.
A história passou por grandes revoluções no período
renascentista. A visão do homem sobre si mesmo modificou-se radicalmente
pois, no período anterior, todos os campos do saber humano tendiam
a voltar-se para as explicações teocêntricas, isto é,
a visão do homem basicamente tinha Deus como ponto de partida para
todas as discussões acerca do universo, suas origens e seus mecanismos.
Na renascença, o homem passou a voltar seu olhar sobre si mesmo, isto
é, houve o ressurgimento dos estudos nos campos das ciências
humanas, em que o próprio homem toma-se como objeto de
observação, ao mesmo tempo em que é o observador.
No campo da ciência, o período foi um dos mais férteis
na história da humanidade. Galileu Galilei, mesmo perseguido pela
Igreja, afirmava não ser a Terra o centro de todo o universo. Pela
constatação do movimento da Terra em torno do Sol, as teorias
de Galileu seguiam em rota de colisão com os próprios conceitos
religiosos vigentes: tal fato, por si mesmo, já era considerado um
desafio às autoridades religiosas.
A invenção da bússola, assim como o aprimoramento das
técnicas de navegação, facilitou a expansão
marítima européia, resultando na nova rota marítima
para as Índias, realizada por Vasco da Gama. Os avanços da
tecnologia de navegação da época foram notáveis,
não tardando assim o descobrimento da nova terra, a
América, realizado por Cristóvão Colombo. Por outro
lado, a pólvora, outrora utilizada meramente para a fabricação
de fogos de artifício, passou a ser utilizada para fins militares.
Desta forma, os colonizadores europeus passaram a obter vantagem bélica
esmagadora sobre os povos dos territórios conquistados.
Leonardo da Vinci, talvez sendo aquele que mais personificou os padrões
do homem renascentista, tendo sido pintor, escultor, arquiteto, cientista
e músico, deixou contribuições nas artes (criou uma
das mais populares pinturas na história das artes, La Gioconda, a
Mona Lisa) além de realizar inúmeros experimentos
científicos, entre eles os seus projetos de engenharia, que assombraram
sua época. No desenho, era um mestre da perspectiva: esta constitui
um efeito pictórico que insere o observador no espaço
representado no desenho, ao contrário das obras produzidas anteriormente,
em que a idéia da onisciência de Deus fornecia parâmetros
como ponto de vista. A representação do ponto de vista da
onisciência resultava em figuras planas, sem profundidade espacial.
A sociedade feudal, a partir da renascença, teve seus mercados alterados
através do nascimento de uma burguesia urbana, que revolucionava os
padrões então vigentes na produção. Os centros
urbanos se multiplicaram a partir do desenvolvimento das atividades comerciais,
substituindo paulatinamente os antigos feudos. Em suma, os fatos ocorridos
no período renascentista eram formados a partir das bases da posterior
instalação do mundo contemporâneo na história.
A proximidade da Grã-Bretanha com a Europa Continental e, seu
relacionamento de amor-ódio com ela, produziram no decorrer dos
séculos uma notável esquizofrenia artística. Em algumas
épocas os artistas britânicos foram líderes no mundo,
e sua agressiva confiança (um resultado de serem capazes de se desenvolver
fora do centro das ações) levou suas artes por direções
inimaginadas e inigualadas em outras partes; em outras épocas eles
se recolheram à sua mediocridade imitativa, assistindo na sombra ao
desfile das artes européias com uma mistura de ciúme,
complacência e hostilidade.
Os Tudor
eram uma família originária do País de Gales, cuja dinastia
teve início por volta do ano 1400, época do nascimento de seu
primeiro membro, Owen Tudor. Assim como tantas outras famílias
britânicas com ascendência nobre, os Tudor também almejaram
um lugar no palácio real inglês, que lhes garantiria o poder
de governar este importante e poderoso país europeu. Desta maneira,
o jovem Owen casou-se com Catherine de Valois, que era viúva do rei
Henry V, pertencente à família Lancaster. Uma vez tendo tomado
parte desta considerada dinastia, Owen também ajudou os Lancaster
na Guerra das Rosas, que envolvia esta família e os York em uma sangrenta
disputa pelo trono. O casal teve vários filhos, sendo que o mais velho,
chamado Edmund Tudor, casou-se com Margaret Beaufort, que era descendente
do rei Edward III. Mas foi seu outro filho, Henry Tudor, que conseguiu derrotar
e matar Richard Plantagenet, mais conhecido como o rei Richard III, que governou
a Inglaterra até 1485. A vitória de Henry sobre Richard aconteceu
em um combate que ficou conhecido pelo nome de Batalha de Bosworth Field,
que também serviu para marcar o fim definitivo da Guerra das Rosas.
O rei da Inglaterra, a partir de então, era Henry VII, que ficou no
trono até sua morte, sendo sucedido por seu filho, o rei Henry VIII.
Depois dele vieram Edward VI, Mary I e Elizabeth I, que governaram o país
por muitos anos até a morte desta última que, por não
ter herdeiros ou descendentes, foi substituída na ocasião de
sua morte pelo rei da Escócia, James VI. James, por sua vez, era um
descendente direto de Margaret Tudor, filha de Henry VII, fato que serviu
para dar continuidade ao poder dos Tudor na Inglaterra. O rei da Escócia
foi o primeiro da família Stuart a chegar ao trono britânico
e por isso adotou o nome de James I, inaugurando uma nova dinastia, ainda
que intimamente ligada aos Tudor, detentora do poder daquele país.
Em música, a primeira explosão de excelência foi dos
séculos XV ao XVII, durante os reinados dos monarcas Tudor e os primeiros
Stuart. Antes dos Tudor houve compositores individuais de talento (por ex.
John Dunstable, 1390-1453, cuja música de igreja rivalizava com a
de qualquer outro do continente), e no final do século XV e começo
do XVI um grupo de compositores de igreja desenvolveu um estilo rico e intrincado
que foi peculiar e renomadamente "inglês". Nesse momento, devido ao
estímulo que os primeiros reis Tudor davam à música
(Henrique VIII, por exemplo, encontrava tempo entre todas as suas outras
atividades para tocar, cantar e compor), e devido à evolução
na música de igreja trazida pela desestabilização do
catolicismo romano, o campo estava preparado para o crescimento de um dos
melhores entre todos os grupos artísticos nacionais. A Iglaterra dos
Tudor dedicava-se tão vivamente à música como às
outras artes. Nas peças de Shakespeare e de seus contemporâneos,
abundam referências musicais, certamente compreendidas pelo mais humilde
espectador de teatro comercial. A sólida e todavia confortável
arquitetura do Palácio de Hampton Court reflete-se nos retratos de
notabilidades inglesas pintadas por Hans Holbein e nos sons agradáveis
dos motetes religiosos de Cristopher Tye e Thomas Tallis. A Reforma da Igreja
de Henrique VIII teve um efeito secundário interessante - o conflito
entre protestantes e católicos deu aos compositores contemporâneos
experiência em escrever tanto para a liturgia inglesa como para a latina.
Evidentemente, alguns compositores católicos intransigentes foram
perseguidos, mas Elizabeth I teve a sensatez de permitir que a música
de igreja em latim pudesse ser cantada em locais de ensino; assim, missas
e motetes continuaram a ser compostos e cantados, lado a lado com os
cânticos e as disposições do serviço protestante
em inglês.
William Byrd foi talvez o mais avançado compositor de seu tempo. Foi
co-organista, juntamente com Thomas Tallis, da capela real em Londres e
compôs quatro serviços da Igreja Inglesa, mas, sendo um
católico fiel, foi perseguido por sua fé. Corajosamente continuou
a escrever missas e motetes em latim para as capelas privadas das famílias
católicas ricas. A primeira composição doméstica
profana de Byrd consistia de canções a uma voz acompanhadas
por um grupo (consort) de violas ou de flautas doces, ou uma
mistura de ambas. Sua amizade com Philippe de Monte (trocavam motetes em
latim) explica seu conhecimento dos novos desenvolvimentos na Itália,
especialmente entre os compositores franco-flamengos.
Thomas Morley (1557-1603) foi organista da
Catedral de São Paulo, na cidade de Londres, e também ele
compôs música de Igreja Latina e Inglesa. Todavia, o principal
motivo de sua fama foi ter sido líder da Escola de Madrigais Inglesa,
que ganhou raízes em 1588, ano da Armada Espanhola e que, a partir
daí floresceu maravilhosamente, sobrevivendo um quarto de século
depois da sua morte. É sabido que Henrique VIII cantava e tocava
alaúde e são-lhe atribuídas, embora com alguma reserva,
algumas composições (naquele tempo podia-se reclamar a autoria
de uma peça, bastando para isso acrescentar-lhe uma parte). Sua filha
Elizabeth, era rainha de Morley, tocava e era particularmente dotada
para a dança. Seus cortesãos deviam proceder do mesmo modo,
embora as regras de etiqueta da corte, que eram formuladas num livro italiano
- um best-seller durante seu reinado -, insistissem que as
pessoas bem-educadas nunca faziam música em público.
Tanto Henrique VIII como Elizabeth I mantinham músicos italianos na
corte. Um deles, de 1562 em diante, foi o madrigalista Alfonso Ferrabosco
(1543-1588), muito admirado por seus colegas ingleses, embora sua música
pareça hoje muito inferior à deles. Cópias de madrigais
italianos circulavam na Inglaterra desde os primeiros anos do reinado de
Henrique VIII.
Em 1588, Nicholas Yonge, cantor da Catedral de São Paulo, publica
uma antologia de madrigais italianos escolhidos de volumes que lhe tinham
sido enviados por amigos ingleses e que adaptara a versos ingleses. Deu à
antologia o nome de Music from across the Alps (Música
Transalpina). Felizmente, poetas ingleses, tais como Edmund Spenser, Michael
Drayton e Sir Philip Sidney tinham começado a imitar as imagens
setimentais e sofisticadas de Petrarca. Foi esse modelo de tornou possível
o madrigal inglês - a música estreitamente ligada à poesia,
no estilo italiano. Mais três antologias de
Italian Madrigals Englished (Madrigais Italianos Inglesados)
foram publicados em Londres e vendidas em quantidade; William Byrd escreveu,
para uma dessas antologias, seus únicos madrigais (duas versões
do mesmo poema).
A popularidade dos madrigais junto aos amantes
da música estimulou outros compositores ingleses. Em 1593, Thomas
Morley compôs suas Canzonets ou Little Short Songs
to Three Voices (Cançonetas ou Pequenas Canções
para Três Vozes) - leves e trepidantes madrigais em miniatura no estilo
italiano, um paralelo musical das delicadas miniaturas pintadas por Nicholas
Hilliard, em total contraste com sua solene e austera música sacra.
Nos quatro anos seguintes, publicou volumes de cançonetas, madrigais
e baladas, muitas vezes copiando livremente originais italianos. Escreveu
também um livro de ensino, A Plaine and Easie Introduction to
Practical Musicke (Introdução Simples e Fácil
à Música Prática), quase todo sob a forma de diálogo
entre o mestre e dois discípulos, um aplicado e outro preguiçoso,
aqui também incluiu pequenos madrigais como exemplo.
Entre outros compositores que seguiram seu exemplo salientou-se
Thomas Weelkes
(1575-1623), que foi organista
e mestre-de-capela em Winchester e Chichester. Sua vívida e
pictórica imaginação concretiza-se maravilhosamente
no duplo madrigal Thule, the Period of Cosmography (Thule,
o Período da Cosmografia), uma seqüência de prodígios
divulgados por exploradores contemporâneos, musicalmente retratados
em harmonias ousadas, até mesmo violentas. Os madrigais e baladas
de Weelkes vão desde a melancolia em Say, dear, when'will your
frowning leave (Diz-me, querida, quando vais abandonar esse ar zangado),
com seu final doloroso: And kill my soul with double smart (E mata minha
alma com redobrada dor), até o profundo pesar no madrigal religioso
When David heard that Absalom was slain (Quando Davi soube
que Absalom fora assassinado) e à franca e terrena alegria de
Since Robin Hood, Maid Marian and Little John are gone-a (Desde
que Robin Hood, Marian e Little John se foram) ou Come, sirrah Jack
ho, bring some tobacco (Venha seu Jack, traga algum tabaco) - a
última novidade trazida por Sir Walter Raleigh da América.
O Care, though wilt despatch me (Cuidado, que me matais) é, curiosamente,
uma balada triste, com estribilho "fá-lá" absolutamente
melancólico. Weelkes também transformou em música de
estilo madrigalesco os pregões de vendedores ambulantes de Londres.
O virtuosismo estilístico de Weelkes só tem rival em
John Wilbye
(1574-1638), um homem de Suffolk
que, ao contário do habitual, não tinha nenhum compromisso
com a Igreja, mas tinha passado a maior parte de sua vida a serviço
de uma família rica, nos arredores de Bury St. Edmunds, como tangedor
de alaúde e músico principal. Os dois livros de madrigais de
Wilbye revelam uma sensibilidade poética excepcional e uma refinada
inventividade musical. Suas canções são elegantes e
sensualmente italianizadas, sérias de temperamento mesmo quando para
mero entretenimento, como por exemplo em Sweet honey-sucking
bees (Doces abelhas sugadoras de mel), ou na excentricamente inibida
cançoneta Flora gave me fairest Flowers (Flora
deu-me as mais belas flores). É na doce melancolia noturna do
madrigal duplo Draw on, sweet night (Aproxima-te, noite suave),
com sua grave e ampla seção final I then shall have best
time for my complaining (Terei então melhor tempo para meu
lamento), que o gênio de Wilbye se expande ao máximo e na forma
mais sensível.
Na década de 1590 apareceram muitas outras antologias de madrigais
ingleses. Em 1601, Thomas Morley realizou The Triumphs of Oriana
(Os Triunfos de Oriana), para o qual 23 compositores contribuíram
com madrigais em honra de rainha Elizabeth I, terminando todos com o
dístico Then sang the shepherds and nymphs of Diana / Long life
fair Oriana (Depois cantaram os pastores e as ninfas de Diana / Longa
vida para a bela Oriana). Oriana, ou mais freqüentemente Gloriana, era
como os ingleses tratavam Elizabeth I, com associações pastoris
na tradição da poesia de Petrarca.
Orlando
Gibbons (1583-1625) era o maior
dos compositores ingleses se deu tempo, magistral na música da Igreja
Anglicana, na música de teclado e na música para conjunto
instrumental; seu único volume Madrigals and Motetts, apt for
Viols and Voices (Madrigais e Motetos para Violas e Vozes), publicado
em 1612, é uma obra gloriosa, apesar de os estudiosos acharem que
suas melhores peças, tais como The Silver Swan (O Cisne
de Prata) e What is our Life ? (O que é nossa Vida ?)
- o poema é atribuído a Raleigh e teria sido escrito na
noite anterior a sua execução -, são demasiado sérias
e óbvias demais como canções solo para serem consideradas
verdadeiros madrigais. Mas por volta de 1612 o madrigal inglês
começou a declinar. O modelo italiano de que descendia havia se modificado
e transformado em algo mais virtuosístico, com acompanhamento instrumental
essencial e independente para cantores profissionais especialistas em
ornamentação vocal
rápida.
Enquanto a Inglaterra ainda acreditava que a música deveria ser executada por fidalgos amadores cultos, já o madrigal tinha cedido seu lugar ao English ayr, ou canção para voz acompanhada de alaúde, por vezes, mas não necessariamente, com o mesmo executante. O alaúde tornara-se um instrumento popular nas famílias abastadas durante a época de Henrique VIII e, no princípio do reinado de Elizabeth I, apareceram os primeiros manuais didáticos. Em 1596, as primeiras canções com alaúde faziam parte de um desses livros, com o acompanhamento instrumental notado em tablatura. Cada ponto mostrava a posição dos dedos sobre as cordas (hoje em dia, a música para violão popular é geralmente escrita de maneira semelhante). A poesia dessas canções também é notável por sua qualidade, e se prestava especial atenção à colocação das palavras. Às vezes o compositor também era o autor dos versos.
Dowland era o maior compositor de
canções, internacionalmente conhecido em vida como alaudista,
tanto pela publicação de suas canções e peças
para alaúde em vários países europeus, como pelo fato
de ter passado boa parte de sua vida trabalhando na França, Itália,
Alemanha e Dinamarca (Shakespeare escreveu Hamlet no período em que
Dowland se encontrava na corte de Elsinore - uma coincidência
extraordinária). Era católico e não desejava ser perseguido
pelas autoridades protestantes - daí as extensas viagens - mas não
ostentava sua fé; compôs conscienciosamente canções
religiosas em inglês e harmonizou melodias de Salmos para o Rito
Anglicano.
As peças para alaúde de Dowland, a maioria na forma de danças
populares, aludem freqüentemente tanto a ele próprio como a amigos
e a membros da sociedade inglesa, muito especialmente na pavana Semper
Dowland, semper dolens, um trocadilho
latino do seu nome, já que dolens significa
mágoa.
A música mais típica de Dowland tem um caráter
melancólico que aparece constantemente em suas canções:
Weep you no more, sad fountains (Não chorem mais, tristes
fontes), Sorrow, stay (Tristeza, fica), If floods of
tears could cleanse my follies past (Se torrentes de lágrimas
pudessem apagar minhas loucuras passadas), Flow, my tears
(Corram, lágrimas), que se tornaram famosas em toda a Europa
como a pavana Lacrima, e a partir de qual ele elaborou
Seven passionate pavans for lute and five viols (Sete pavanas
apaixonadas para alaúde e cinco violas). A mais gloriosa e trágica
delas é a canção In darkness let me dwell
(Deixem-me viver na escuridão), verdadeiramente sombria, com
um refrão inesquecível Down, down I fall, never to rise
again (Desço cada vez mais, para nunca me levantar).
Os irlandeses alegaram que Dowland era seu compatriota devido as fato de
Dolan ser um nome vulgar na Irlanda, mas as evidências
sugerem que ele era londrino; passou seus últimos anos na City, onde
possuía uma casa em Fetter Lane, que hoje em dia faz parte do bairro
dos jornais de Londres.
Dowland foi o precursor de uma florescente e influente escola de compositores
de canções com alaúde que tinha começado com
Morley; incluía figuras menos importantes, como
Thomas Campion
(1567-1620), um poeta por mérito
próprio, Robert Jones e Philip Rosseter. Hoje, temos oportunidade
de ouvi-los quando um cantor e um alaudista se juntam num recital.
A época dos madrigais foi também
a época do nascimento da música para teclado solo e da música
para conjunto instrumental, às vezes música de dança,
da qual resultou a Suíte. Foi igualmente a época
do nascimento de uma música abstrata de forma livre, desligada das
palavras ou dos passos de dança, que conduziu à
Sonata. Quando Dowland escrevia música para alaúde,
compunha de acordo com os recursos específicos do seu instrumento.
Outros compositores que compuseram para conjuntos de Violas, flautas doces
ou órgão escreviam simplesmente como se fosse para um coro
de vozes, cantando polifonia que tinha sido característica da Igreja
Católica durante muitos séculos. Por vezes chamavam às
suas peças Fantasias para indicar uma
improvisação escrita, Ricercar que significa ter sido ela
cuidadosamente elaborada, ou Recherché (que era uma
espécie de Fuga). Um ou outro compositor intitulou-a canzon
da sonar (canção para ser tocada), e isto levou à
alternativa sonata. Foi assim que em Veneza, em 1615,
Giovanni
Gabrieli descreveu essas
composições: orgulhosamente chamou a uma delas sonata
pian e forte porque nela tinha alternado frases suaves e frases sonoras
para dois conjuntos separados de instrumentos de metal, numa época
em que as graduações de dinâmica eram sempre deixadas
a critério dos executantes.
A partir do final do século XVI, um conjunto de variações
sobre um tema conhecido, ornamentado ou alterado em modo ou ritmo, tornou-se
uma forma instrumental importante. Os tangedores de alaúde espanhois
do princípio do século tinham escrito
diferencias, ou seja, variações desse tipo que
também aparecem com frequência nas coleções inglesas
de música para teclado. Um método favorito de variação,
em todos os países, baseava-se no uso de um baixo solo - um tema de
vários compassos, repetido continuamente, servindo de suporte à
música que variava. Também era chamado
chaconne ou passacaglia, cujo modelo harmônico
tem semelhança com o boogie-woogie do século
XX. O tema mais popular usado dessa forma era a folia, uma
uma melodia simples e obcecante, baseada numa dança popular portuguesa
que atravessou rapidamente a Europa de então e que hoje ainda se usa.
A forma de variação destinava-se, de início, na
Itália, a ligar peças de dança, tais como o lento
padovano de Pádua que veio a tornar-se a
pavana, e o rápido saltarello ou
gargalhada e o enérgico lavolta italiano.
Outras danças apreciadas eram a allemande ou
almans, da Alemanha, o coranto, uma dança
rápida, o bransle, a jiga, a
hornpipe e o dump, que era lento e majestoso
(as pessoas tristes eram descritas como down in the
dumps).
As músicas de dança encontram-se em todos os livros para
virginal e também na música para
consort (música para grupo de instrumentos), especialmente
para o broken consort que Morley cita nos
Consort Lessons (1599), dizendo consistir de soprano e viola-baixo,
flauta doce, cistre (uma variante do alaúde, tocado com palheta),
alaúde e pandora (ou bandurra, uma espécie de alaúde
baixo). A música inglesa de consort era muito admirada
e copiada no continente, embora os instrumentos variassem conforme as
disponibilidades.
"Quanto mais a ouvirem, mais razões
encontrarão para gostar dela." Essas palavras de William Byrd, escrita
no final do século XVI, continuam verdadeiras mesmo passados 350 anos.
O mundo da música de teclado elisabetana é pequeno em grau,
forma e particularmente em sonoridade. Não obstante, é
possível ficar tão comovido com uma
gargalhada tocada num virginal, como ouvindo Chopin num grande
piano de cauda moderno; nosso ouvido, mais habituado ao segundo, terá
contudo de adaptar-se ao som baixo e fraco que aqueles compositores
obtinham.
A mússica tendia e ser breve porque, como as harmonias ainda
se baseavam nos modos, obras extensas poderiam facilmente tornar-se
monótonas. A forma favorita era a pavana e a
gargalhada, um par de danças encadeadas em compasso
ternário, uma vagarosa e a outra rápida. As
jigas e as allemandes apareceram posteriormente
nas suítes barrocas.
A música de teclado elisabetana é repleta de engenhosas e
engraçadas variações sobre pregões,
canções populares ou simples seqüências de
notas. William Byrd
(1543-1623) era mestre nesse
gênero. Suas variações The Bells (Os Sinos)
incluem quase 150 repetições de um simples tema de duas notas,
sempre num desenvolvimento contínuo e excitante. Outras pecas de sua
autoria, tais como O Mistris Myne ou Have with you to
Walsingame, têm uma frescura e um encanto nunca alcançados
na música de seus contemporâneos. É uma música
ousada e brilhante. Para um primeiro contato, vale a pena ouvir suas curtas
e alegres variações sobre Lavolta (uma dança
favorita da rainha Elizabeth, embora, na época, fosse considerada
não muito comme il fault, já que obrigava a grandes
saltos que expunham os os tornozelos).
Um contemporâneo de Byrd foi
John Bull
(1562-1628) que, como Scarlatti,
Chopin ou Liszt em gerações posteriores, preferiu escrever
quase exclusivamente para instrumento de teclado. Também ele se
entusiasmava com as variações, sujeitando seus temas a um
tratamento floreado e fantástico. Bull deve ter sido um
extraordinário virtuose - grande parte de sua música parece
improvisada, e se considerarmos que os executantes de música
de teclado usavam para tocar predominantemente apenas os três dedos
centrais de cada mão, as notas repetidas, o cruzamento de mãos
e as escalas rápidas de Bull dão-nos uma idéia do seu
excepcional domínio do teclado. Quatrocentos anos depois, os executantes
ainda se sentem intimidados com suas variações rodopiantes.
As mais conhecidas são The King's Hunt (A Caçada
do Rei), onde emprega toda a sua maestria para descrever o retinar dos arreios,
o ruído dos cascos dos cavalos e a pompa brilhante, numa
magnífica exibição de pintura tonal e
virtuosismo.
Grande parte da música para virginal de Byrd e Bull encontra-se num
grande e maravilhosa cópia manuscrita, o Fitzwilliam Virginal Book
(Livro Fitzwilliam para Virginal). É, de longe, a maior
coleção de música de teclado do período, contendo
quase trezentas peças de vários autores, como Giles Farnaby
e Thomas Morley, assim como dos dois autores citados anteriormente.
O terceiro grande compositor desse intervalo (nasceu tarde demais para ser
incluído na coleção Fitzwilliam) foi
Orlando
Gibbons, já mencionado
por sua música religiosa e por seus madrigais. Sua música
para virginal coloca-o ao lado dos primeiros mestres. Gibbons gostava da
forma livre da Fantasia e escreveu para o instrumento muitas peças
excelentes, ambora tristes. Talvez sua melhor obra para virginal (e, aliás,
curta) seja a pavana The Lord Salisbury (Lord Salisbury); a
paixão e a tragédia nela contidas transcendem o som fraco
do instrumento para o qual foi escrita.
Para contatos:
Wagner Matos Ribeiro
Última Manutenção: 12/out/98