Levando Tudo Para Casa
Por Kami Landy © 1996

Tradução de Llyr McCuill do Grupo Old Ways

A gente chega em casa de um ritual energizado, conectado, inspirado, determinado a manter essa relação com aqueles que habitam o outro mundo. Então olhamos à nossa volta. Nenhum nemeton. Nenhuma fogueira. Nenhum poço. Nenhum ritualista experiente para nos guiar através de todo o processo. Nem tempo! Oh, tudo bem, tem um ritual a cada seis semanas. Só um instante! Isso não é tudo que nos resta, muito menos para nossa religião. Você não precisa ter toda aquela parafernália adorável, você pode até não desejá-la constantemente. Então, o que pode ser feito em casa, naqueles poucos minutos aqui e ali que as pessoas ocupadas podem roubar de si mesmas? 

Bem, primeiros vamos olhar para as estrutura físicas. Nós já temos um espaço ritualístico razoavelmente elaborado à nossa disposição. Nós precisamos de um nemeton completo em nossa casa? Bem, seria ótimo se você planeja fazer aquele tipo de ritual formal, e puder preparar um bom local para meditação, mas na verdade você não precisa disso. Então, do que precisamos? Como você pode representar os vários altares e santuários na sua própria casa? Bem, em primeiro lugar, eu vou descrever algo que funcionará melhor para uma pessoa que está na sua própria casa. Mais tarde, falaremos sobre adaptações para aqueles que residem em dormitórios ou alugam um quarto numa casa não pagã.  

Então - os determinantes básicos do espaço sagrado; um “centro”, depois o fogo e a água. O centro é o eixo central, a árvore. Se você não tiver uma chaminé central, provavelmente deve haver uma escada, ou uma parede de sustentação em algum lugar próximo ao meio da casa. Essa é sua “bilé”, a árvore que sustenta toda a casa e permite que você transite livremente da mesma forma que a nossa “árvore do mundo” nos permite transitar entre os mundos. Como tal, você pode desejar decorá-la com figuras da árvore da vida em entrelaçados celta ou entalhes ou ainda com um acolchoado daquele nome. Você pode colocar um incensário (ou ainda melhor, óleo perfumado) numa prateleira ou numa mesinha próxima. Quando você acordar de manhã, ou for se deitar à noite, ou voltar de uma viagem, esteja consciente do constante movimento entre os mundos natural, espiritual e humano. Permita que o simples fato de descer e subir as escadas, ou de tocar lateral de sua chaminé, se torne uma re-conexão meditativa com todos os níveis nos quais existimos. Não, provavelmente você não poderá fazê-lo toda vez que você descer ou subir as escadas; tem as crianças para gritar, gravatas perdidas para achar, dentre outras coisas. Mas fazer isso uma ou duas vezes durante o dia vai te ajudar a lembrar quem você é.

E quanto ao fogo? Nós não podemos manter um fogo sagrado aceso em casa, ou podemos? O que é o piloto no aquecedor da água ou na fornalha ou no fogão se não uma chama eterna? Agora, o que falta é um certo clima para ir ao porão fazer algum tipo de adoração, embora haja precedentes históricos para isso, então qual é “o coração e a lareira” do seu lar? Se você tiver uma lareira, você está à vontade – tem um fogo autêntico. Preste atenção na prática escocesa de abafar o fogo na hora de ir deitar; é um momento adorável e meditativo para focalizar no sagrado, na segurança e na continuação da casa. Se você não tiver uma lareira, então olhe para o fogo que você utiliza mais para tarefas domésticas. Todo mundo não é atraído pela cozinha de uma forma ou de outra? Já que não é permitido acender uma fogueira na cozinha, que tal um braseiro de ferro maciço, especialmente no formato de um caldeirão, para ficar perto do fogão? Acenda-o quando você começar a cozinhar, aproveitando para agradecer pelo uso dessa força para suas necessidades diárias. Você ou seus filhos fazem trabalhos de casa na mesa da cozinha? Aquele também pode ser um fogo inspirador. Você pode até pendurar uma cruz de Brighit ou uma boneca de grãos, ou ainda uma face solar. A cruz de Brighit desenhada num manto ou no portal tem sido usada como talismã contra incêndio em tempos antigos e modernos.

Que lugar melhor para se pensar em água sagrada, fluxo de água, do que o banheiro? Bem, pelo menos eu acho que o encanamento interno merece nossa reverência. É sério, não é difícil criar uma pequena fonte ou escultura, utilizando pedras de rios, para colocar ao lado da pia ou junto à banheira. E quando você estiver por lá, durante sua rotina diária, derrame um pouco de água sobre esse pequeno santuário até que ela escorra para sua própria “piscina”, talvez um recipiente chinês ou até mesmo de plástico, e peça a constante presença e boa vontade da deusa ou espírito que guarda a água da sua casa ou da terra abaixo desta. Se você se sentir motivado a oferecer um presente, tal como prata, noz, castanha ou ainda um amuleto (ou pingente?) na forma daquilo que você deseja conseguir, você pode deixá-lo por lá até que você possa levá-lo até uma fonte de água natural mais próxima. Tente não oferecer aquele seu melhor anel ralo abaixo a não ser que você esteja realmente necessitado(a). E mais uma vez, ao passo em que a conexão com o fogo nos remete à habilidade em manipular tal força selvagem, nossa conexão com a água nos lembra de ficarmos quietos e meditativos para ouvirmos as forças que fluem por entre a terra.

Em nossos rituais, depois que tivermos aberto esses três portais entre os mundos, nós invocamos três distintas forças familiares; os deuses, nossos mortos queridos, e os espíritos da natureza. Como podemos assisti-los em nossa própria casa? Em primeiro lugar, nem todo mundo tem deidade patrona pessoal. Se você tiver, você determinará o local apropriado para um altar baseado em que ele ou ela seja. Um altar para Bríd deve ser na cozinha, ou na lareira ou perto de sua escrivaninha para favorecer a inspiração. Um altar para Manannán pode fazer parte de sua fonte, ou então em sua porta da frente já que ele é um guia para os outros mundos e pode ser encontrado em fronteiras. Um altar para Cernunnos ou Flidais pode se parecer terrivelmente com um troféu de caçada na parede, ou ser um pequeno círculo de pedras no quintal. Lugh pode querer ser lembrado no seu trabalho ou então no “trono d autoridade” no qual você descansa depois de uma longa jornada de trabalho. O Daghda pode ser encontrado no quarto ou na cozinha ou ainda na sua confortável cadeira. Se você quiser um altar mais generalizado para que você possa honrar todos os deuses à medida que você precisar, então você terá que separar um canto de sua casa para isso, como um pequeno templo. O meu fica entre o computador e a escrivaninha e é guardado na maioria das vezes; os ícones e ferramentas usados para “decoração” no topo das prateleiras ou guardados numa gaveta segura, já que tal espaço é também necessário às crianças ou para quem for utilizar o computador. Reserve um tempo para meditar sobre o que seria mais apropriado para você, os deuses são pacientes. E às vezes eles dão as dicas. Ah, e não esqueça de pôr um altar no seu carro. Em que outro lugar você teria mais tempo para contemplação, privacidade para falar sozinho e necessidade de proteção?

Eu acredito que a veneração de ancestrais deve ser em casa. De forma poderosa, constante e simples. Faça uma coleção de fotos, ícones, os pertences prediletos de suas gerações passadas. Coloque-os onde todos se juntam vez por outra; na sala de estar ou na sala de jantar por exemplo. Você pode fazer um lindo prato ou porta-incenso parte deste cenário, para que você possa oferecer um pouco de seu banquete quando você tiver preparado algum prato tradicional ou de preferência dos seus antepassados, ou para que você possa acender um incenso especial para eles. Sua avó usava água de rosa? Seu avô fumava cachimbo? Aquele seu tio avô Harry viajava para a China e trazia uma caixa de madeira de Sândalo?

O cheiro carrega lembranças mais do que qualquer outro sentido. Em ocasiões especiais, tenha certeza de incluir aqueles membros familiares que não mais têm um corpo. Conte estórias sobre eles. Lembre as crianças daqueles feriados que a eles eram favoritos, assim como datas de aniversários, bodas etc. Mantenha esse hábito de forma simples, mas reverente, e eles com certeza estarão lá para ajudá-lo quando você precisar de perspectiva, paciência, sabedoria, ou soluções para problemas sérios.

E quanto ao Sidhe? Pergunte às crianças. Existe algum montinho ou bosque de fadas por perto? Saia para uma caminhada quando a lua estiver cheia e brilhante e traga presentes como penas, coisinhas coloridas, leite e mel, ou até uma dose de whiskey se eles preferirem. Existem aqueles aqui que nos chamam atenção para o fato de os espíritos da terra são aqueles que os americanos nativos conheceram e que eles preferem comidas à base de milho ou tabaco, bagas, coisas brilhantes, mas nunca álcool. Os espíritos da natureza são os espíritos das plantas, dos animais, assim como os espíritos do local e do povo do Sidhe. Seu bebedor de pássaros pode se tornar um local de oferendas para eles, especialmente se você puder colocar um “deer-lick” ou coisa parecida por perto. Se tiver uma rocha interessante no seu quintal, faça dela um altar e deixe coisas bonitas ou oferendas de comida para as criaturas. Alguns de seus restos de comida podem se tornar oferendas para os espíritos da natureza, que as aceitaram em sua forma, como os corvos ou “starlings”, esquilos, gatos ou ainda guaxinins. Por que não? Nós não dividimos a carne com os deuses quando, ao oferecermos a eles as partes da refeição que eles “podem” comer, mas consumindo a carne em nome deles?

Não se esqueça da Mãe Terra. Sem ela não existimos. Onde seria seu altar? EM QUALQUER LUGAR. O custo à Mãe Terra pode ser ao reciclarmos, desligarmos a luz, limparmos a vizinhança, pedirmos permissão antes de plantarmos ou colhermos de um jardim, e por aí vai. Esse é um culto fácil para ensinarmos às crianças, que irão nos lembrar vez por outra de tudo isso. Mas como e onde podemos focalizar nossa devoção? Bem, você pode colocar uma mesa próxima às latas de reciclagem, com presentes que a terra deu para você e que você está retornando a ela; as primeiras frutas, pedras no formato de deusa, pedras furadas etc. Deve haver alguma rocha ou árvore no quintal através da qual você se conecta mais fortemente com a terra. Regue-a com amor. Ou então próximo a pia da cozinha, ou próximo à sua cama, ou onde mais você se sinta mais conectado com a terra e seus ciclos.

E como você poderá reduzir, conter ou administrar o caos ao qual o universo tende? Por que não mostrar aos lá de fora um lugar, da mesma forma como fazemos nos rituais, com um gárgula na sua porta frontal, ou na base da entrada dos carros? Você poderia até mesmo impressionar os vizinhos com um par de leões ou cães protetores de pedra. Mas a própria entrada propicia tanto a barreira quanto a passagem. O folclore é cheio de encantamentos de proteção; uma ferradura, um galho de rowan ou ainda um milefólio (tipo de planta), um nó de corda ou um desenho decorando a porta de entrada para confundir aqueles que poderia te causar algum mal. Para mim mesma eu nunca senti necessidade de tal coisa, pois confio àqueles que honro a proteção do espaço se tornou o espaço deles também; a vantagem de dizer para os muitos deuses de nosso panteão “minha casa é sua casa” é que eles vão ajudá-lo a protegê-la e geralmente vão se lembrar de não brigar dentro dela.

Dessa forma, toda sua casa e a terra à sua volta se tornam seu nemeton, seu bosque sagrado. Se você mora num apartamento você terá que ser um pouco criativo, mas substituições razoáveis não são difíceis de encontrar; uma figura de um gárgula na sua caixa de correio, se essa for sua fronteira externa, ou ainda na porta de seu apartamento pode substituir aquele de pedra. Deve haver provavelmente uma árvore ou arbusto por perto, ou uma jardineirinha que você possa colocar na janela, ou ainda um alimentador de pássaros para você pendurar, honrando assim os espíritos da natureza. Onde é o centro para você? Provavelmente não deve ser o elevador, mesmo que ele seja o centro do prédio, mas talvez o centro de demarcação entre espaço público (a sala) e espaço privado (o quarto). Você pode colocar aquelas referências ao eixo vertical nesta porta. Já para dormitórios, fica um pouco mais difícil; geralmente fogo não é permitido, você não tem sua própria fonte de água corrente, seu colega de quarto pode não ter as mesmas crenças que você tem etc. Esses problemas tornam ainda mais necessário se rodear de pequenos lembretes de que você não está sozinho no universo. Um bonsai com uma vasilha d’água na sua base e um incensário ou uma luminária formam um altar adorável contendo o eixo central, o fogo sagrado e o poço da sabedoria. Ponha figuras que te lembrem os três “kindreds” em volta de sua cama, e você ainda pode achar lugares do lado de fora para oferecer um pouco de leite àqueles animais que levam suas oferendas aos espíritos da natureza. Ponha uma pedra que seja bem sólida e antiga na sua escrivaninha ou embaixo da cabeceira de sua cama, e na porta, uma figura que seja protetora para espantar o caos indesejado. Você ainda pode tomar um tempinho para tocar e meditar nesses itens, mudar a água e o incenso. Oferendas para seus deuses e ancestrais podem tomar a forma de coisas que você possa pendurar embaixo de suas fotos; figuras de coisas que você identifica com eles, fitas coloridas etc, ao invés de coisas que tenham que ser queimadas ou jogadas num poço ou que fazem uma certa bagunça.

Então, com um sentido geral de espaço sagrado arrumado à sua volta, o culto e a magia se tornam cada vez mais parte de sua vida. Você não precisa deixar sua casa para encontrar deuses e espíritos, mas ao invés disso sair de modelos já internalizados para se juntar à sua comunidade nas grandes celebrações.

 

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