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A libertação do povo de Israel do
cativeiro egípcio e a peregrinação pelo deserto até a chegada na terra
prometida é apresentado na Bíblia como uma espécie de tipo da vida cristã. A
Igreja foi libertada da escravidão do pecado, e está peregrinando neste mundo,
rumo à terra prometida, ao descanso eterno.
É claro que Deus poderia libertar o
povo de Israel, e introduzi-lo logo em Canaã. Pelo caminho dos Filisteus,
circundando o Mar Mediterrâneo, a viagem não levaria 2 anos. Mas Ele o levou
pelo deserto, por quarenta anos. Por quê? Moisés responde: “Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te
guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar (quebrantar), para te
provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus
mandamentos” (Dt 8:2). Havia o castigo pela incredulidade da geração que
havia saído do Egito, mas, além disso, a nação messiânica precisava ser uma
nação de fato. Só povo e terra não fazem uma nação. É preciso identidade
nacional (características próprias, peculiares e distintivas); é preciso uma
legislação (normas às quais se submetam, que regulem o relacionamento); e
governo, que, neste caso, era teocrático (a autoridade de Moisés não provinha
do povo, nem era ditatorial, mas provinha de Deus. “Eu sou o Senhor”, é um refrão constante no livro de Êxodo.
Assim também a Igreja, nós. É claro
que Deus poderia nos redimir da escravidão do pecado, redimir nosso corpo, e
imediatamente introduzir-nos na Canaã celestial. Mas Ele não escolheu assim.
Na nossa peregrinação, neste mundo, Ele nos humilha e nos prova, para ver o
que está no nosso coração. Precisamos ganhar identidade celestial, aprender a
vontade de Deus (que é a nossa lei), e a submeter-nos ao nosso Rei bendito,
“oferecendo nossos membros, não como instrumentos de iniqüidade, mas como
instrumentos de justiça para a santificação”(Rm 6:19).
A cada ano que passa, avançamos mais
em direção à terra prometida. Mesmo no deserto, Deus nos abençoa, como abençoou
o povo de Israel (guiou-os, deu-lhe água, pão, protegeu-os, incentivou-os,
consolou-os, etc.). Nós aguardamos as promessas. Aspiramos por uma pátria
celestial. Aguardamos a redenção do corpo, a nossa glorificação. Há uma
herança que está reservada nos céus para nós outros, que somos guardados
pelo poder de Deus, até aquele dia. Como Moisés, que permanecia firme, crendo
e ansiando nas promessas do Senhor, assim também nós, ansiamos pela posse da
terra que nos está prometida.
Finalmente, depois de 40 anos de
peregrinação, o povo de Israel chega as portas da terra prometida, à beira da
bênção, no “limiar da herança”. Bastava atravessar o Jordão, e
conquistar os últimos inimigos, e a terra que mana leite e mel seria deles.
Descansariam, desfrutariam das suas riquezas, e gozariam da sua abundância.
Finalmente!
Todos deveriam estar ansiosos, na
espectativa, contando os dias para ver, entrar, conquistar, dividir e habitar na
terra prometida. Moisés, infelizmente, não poderia entrar na terra. Foi-lhe
permitido apenas vê-la de longe (Nm 27:12)
“Depois disse o Senhor a Moisés: Sobe este monte Abarim, e vê a terra que
dei aos filhos de Israel”. Mas o seu desejo era tal, que implorou a Deus: “Rogo-te
que me deixes passar, para que eu veja esta boa terra” (Dt 3:23ss). Mas
seu pedido não foi atendido.
Qual não deve ter sido a surpresa de
Moisés, quando os filhos de Gade e de Rúben foram até ele, e disseram que
ficariam satisfeitos com as terras de Jazer e Gileade, aquém do Jordão, na
Transjordânia. “Se achamos mercê aos
teus olhos, dê-se esta terra em possessão aos teus servos; e não nos faças
passar o Jordão” (Nm 32:5).
Em outras palavras, eles estavam
dizendo que estavam contentes em ficar aquém do Jordão. Estavam satisfeitos em
ficar apenas às portas da terra prometida, à beira da bênção, no “limiar
da herança”.
Haveria covardia ou rebelião? Não, não
havia covardia, nem rebelião no coração deles. Não estavam com medo, como
havia ocorrido no caso
dos espias, há anos. Eles eram homens valentes. Em 1 Crônicas 5:18, lemos que os homens
destas tribos “eram valentes e destros
na guerra”.
Moisés aquiesceu. Decididamente não
era o caso de Números 13 e 14, quando o povo foi desencorajado (desestimulado)
pelo relato dos espias.
E eles realmente cumpririam a promessa
de ajudar as demais tribos no combate aos últimos inimigos (Josué 22:1-6).
O que os levou a tomarem aquela decisão
e fazerem tal pedido? O que os levou a contentarem-se em ficar “no limiar da
herança”?
Foi um problema prático, real e
concreto. Durante os anos no deserto, eles haviam acumulado grande rebanho “tinham
gado em muitíssima quantidade” (32:1). A terra aquém do Jordão era propícia
a criação de gado.
Logo, não é que eles não quisessem
habitar na terra prometida. Não é que eles ficassem satisfeitos em ficar
apenas no “limiar da herança”. O problema, é que eles estavam
comprometidos demais com o que havia adquirido no deserto. Em certo sentido, o
deserto não havia sido tão ruim para eles. Haviam até prosperado no deserto.
A prosperidade, em si, não era mal, mas ela diminuiu o desejo pela terra prometida. Os bois tornaram-se determinantes em suas vidas. A preocupação principal era em assegurar a posse daquela terra, pois era apropriada para a manutenção da prosperidade deles.
Parece que eles não perceberam de
imediato, mas o fato é que aquela decisão que estavam tomando, acomodando-se
em ficar no “limiar da herança”, era uma decisão perigosa. A história
posterior, revelaria os perigos de se contentar em ficar no “limiar da herança”.
1. Perigo de perderem a identidade como parte do povo de Deus
Havia
o risco de, com o passar dos anos, não serem mais identificados como povo
de Deus, como herdeiros das promessas. Eles pressentiram este perigo, e anos
depois, quando terminou a distribuição da terra, eles construíram um altar
como testemunho visível do relacionamento deles com as demais tribos, como povo
escolhido. Na verdade, o que estava em jogo era o próprio relacionamento deles
e dos descendentes com o Deus de Israel (Josué 22:21-25).
2. Perigo de serem objeto de zelo exagerado dos herdeiros efetivos (plenos) da promessa
Quando as tribos de Gade, Rúben e Manassés, edificaram o altar
mencionado, as demais tribos ficaram preocupadas, e queriam pelejar contra eles,
pensando que se tratasse de rebelião, de idolatria. Isto acontecera em
Baal-Peor (Num 25:1-9), quando o povo prostituiu-se com as filhas dos moabitas,
e foram levados a idolatria, trazendo, como conseqüência, morte ao povo de
Israel. Ler Jos 22:12-19. O problema todo derivou por terem se contentado em
ficar no “limiar da herança”'.
3. Perigo de ficarem mais vulneráveis ao pecado
O que de fato aconteceu. Quando as tribos que ficaram na Transjordânia são descritas, em 1 Cr 5:18-26, menciona-se não apenas a valentia deles, mas também que “cometeram transgressões contra o Deus de seus pais e se prostituíram segundo os deuses dos povos da terra” (5:25). O que era temido, realmente veio a acontecer.
Quem fica na beira, na borda, no limiar, convive mais de perto com os povos da
terra, e fica mais suscetível às suas influências e ao pecado.
4. Perigo de ficarem mais vulneráveis aos ataques dos inimigos
Não
havia fronteiras naturais. Ficaram isolados. Seriam os primeiros a serem
atacados. E isto realmente aconteceu. Foram atacados e levados cativos pelo rei
da Assíria, e nunca mais voltaram, como castigo de Deus pelo pecado da
idolatria (1 Crôn 5:18-26 - História das tribos transjordânicas 25-26). O
restante do povo de Israel foi levado cativo, porque também cometeram iniqüidade.
Mas eles foram primeiro. Por ficarem isolados, foram os primeiros a possuir a
terra, mas também foram os primeiros a perdê-la. E de que lhes valeu o gado,
por causa do qual preferiram ficar no “limiar da herança”?
1. Parece legítimo extrair deste episódio na história do povo de
Israel, uma lição contra o perigo da acomodação espiritual. O final
de ano é uma boa ocasião para relembrarmos de que não podemos nos comprometer
ou envolver demasiadamente com o que é material, com o que é adquirido no
deserto, neste mundo. A prosperidade não pode determinar as nossas decisões.
Esta será sempre uma luta para o crente, pois estamos neste mundo, mas não
pertencemos a ele, estamos somente de passagem, e não podemos esquecer disso;
de outro modo, corremos o risco de preferir o deserto, ou qualquer campina.
2. O centro é o Senhor, e as suas
promessas; as demais coisas vêm sempre em segundo lugar. Na peregrinação pelo
deserto o povo teve oportunidade de aprender isso: tanto nos acampamento, como
na marcha, o tabernáculo ficava no centro - tudo girava em torno de Deus. No
Novo Testamento o ensino é explícito: “Buscai
em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça e todas as demais coisas vos serão
acrescentadas”. Mesmo o que é lícito, como o alimento, e o vestuário, não
pode ser determinante, pois assim, acabaremos nos acomodando, e dando-nos por
satisfeitos em ficar no “limiar da herança”.
3. Não vale a pena! Os perigos são
grandes: a) perder a identidade; b) sermos objetos de zelo exagerado; c) mais
vulneráveis ao pecado; d) mais vulneráveis aos ataques dos inimigos.
4. O real problema, não só daquelas duas
tribos e meia, mas de muitos, é que quando o coração não anseia realmente
pela terra prometida, qualquer campina satisfaz. Quando não avaliamos bem a
riqueza da herança que nos está prometida, nos contentamos em ficar apenas no
“limiar da herança”. Talvez seja essa a maior lição para nós.
5. Moisés queria tanto entrar na terra
prometida, mas não pôde. Mas entrou na Canaã celestial. E nós? Nos daremos
por satisfeitos em ficar apenas no “limiar da herança”?! Não! As bênçãos
temporais que desfrutamos no deserto (neste mundo) não podem eclipsar as bênçãos
espirituais com as quais Deus nos têm abençoado nas regiões celestiais em
Cristo.
6. Dentro de alguns dias estaremos começando um novo ano. Que estejamos como Moisés, firmes, como quem contempla Aquele que é invisível, ansiando tomar posse da herança que nos está prometida.