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Um breve guia para o adorador judicioso
por
Michael S. Horton
* * *
“Como
eu posso achar uma igreja onde eu ouvirei Cristo pregado por Sua Palavra, sem
todos esses erros e distrações?” Esta é uma questão que tenho feito a mim
mesmo em muitas ocasiões. É fácil entender a preocupação e até a frustração
que acompanha a busca pelo lugar apropriado para adorar. Primeiro, assim como
com os rótulos de produtos, é importante examinar o que os rótulos da igreja
significam e o que eles não significam.
Lendo os rótulos
Se
você cresceu na Europa, escolher uma igreja não deve ser tão difícil. Depois
da Reforma, cada denominação obteve sua própria “área”; assim, se você
tivesse nascido, por exemplo, num cantão italiano na Suíça, você seria católico
romano, enquanto uma pessoa nascida em Genebra, de língua francesa,
provavelmente seria protestante. Algumas vezes, nações inteiras (ou a
linhagem reinante de um monarca) compartilham uma confissão comum: A Igreja da
Inglaterra, a Igreja da Escócia, a Igreja da Suécia, a Igreja Reformada
Holandesa, e assim por diante.
Quando
a América tornou-se o porto para grupos que queriam “recomeçar” no Novo
Mundo, trazendo o Evangelho aos nativos e escapando da perseguição em suas
igrejas estatais, muitos simplesmente trouxeram seu entendimento de igrejas
estatais regionais do Velho Mundo. Por exemplo, os puritanos da Nova Inglaterra
instituíram o Congregacionalismo e obstaram a cidadania
aos quakers e católicos romanos. Isto foi, na verdade, mais
generoso do que a perseguição da política na Europa, na época, quando os
não-conformistas eram presos e algumas vezes até executados.
Entretanto,
na época que nossa nação foi fundada, ficou claro que não haveria igrejas
estatais sancionadas oficialmente pela
república americana, mas que os americanos seriam livres para seguir suas
consciências. Este processo, não obstante a todos os seus benefícios, criou
um livre-para-tudo no qual as denominações competem pelas almas. Esta
liberdade estimulou a criação de centenas de novas seitas e cultos no século
dezenove; tudo desde mormonismo, racionalismo cristão e testemunhas de Jeová,
até culto da comida saudável, seitas pentecostais radicais e grupos que
aumentaram seus números de membros fazendo predições sobre os eventos
proféticos do fim dos tempos. Os últimos dois anos têm sido um exercício de
espiritualidade estilo cafeteria (onde os fregueses servem a si próprios) ou,
como um amigo na Inglaterra chama, religião de livre empreendimento. A questão
não é tanto a verdade que deve ser defendida e passada adiante, mas “o que
funciona pra você”; em outras palavras, escolher uma igreja é uma questão
de gosto.
Isto
explica a origem dos rótulos. Como nós os lemos? Em primeiro lugar, há as
denominações protestantes tradicionais que conceberam e modelaram a origem da
maioria das instituições da América no século vinte: os Congregacionalistas,
Presbiterianos e Reformados (Holandeses, Alemães, Húngaros, Franceses),
Episcopais, Batistas, Luteranos e Metodistas. A primeira grande dissensão no
protestantismo aconteceu entre os Luteranos e os Reformados, mas outras denominações
protestantes (Congregacionalistas, Presbiterianos, Episcopais) são parte da árvore
genealógica dos Reformados ou Calvinistas (nota: enquanto os Batistas
Arminianos freqüentemente traçam sua ascendência até os Anabatistas,
os Calvinistas Batistas consideram-se como aqueles que divergem do
Calvinismo somente nos assuntos relacionados à teologia da aliança e aos
sacramentos). Em outras palavras, eles compartilham
uma crença comum sobre Deus, humanidade, Cristo, salvação e outras
coisas essenciais, mas diferem sobre outros temas importantes. Por exemplo,
Congregacionalistas crêem que as igrejas podem ser independentemente governadas
pela congregação; Presbiterianos alegam que a palavra “presbítero” no
Novo Testamento, significando “ancião”, pressupõe uma forma de governo
eclesiástico baseado em irmãos-anciãos ordenando as igrejas em uma área
determinada, e os Episcopais insistem numa hierarquia de pastores (bispos) sobre
outros pastores (ministros).
Historicamente,
a forma de governo da igreja, dividiu estas igrejas e não a discordância sobre
o meio de salvação.
O
reavivalismo e individualismo fronteiriço nos anos de 1800, levaram a uma
explosão de cultos e seitas. Autoproclamados “profetas” afastaram muitas
pessoas das igrejas protestantes tradicionais e muitos deles são hoje grupos
organizados: a Igreja de Cristo, Discípulos de Cristo e uma hoste de grupos
pentecostais. Grupos pietistas (a maioria descendendo dos Luteranos)
acrescentaram divisões à lista.
Eles criam que o protestantismo tradicional perdera seu primeiro amor por causa
da ênfase doutrinária. Entre eles estão as denominações Brethren
(dos Irmãos), Igrejas Livres (Evangélica Livre, Aliança Evangélica, etc), e
uma multidão de igrejas
independentes que surgiram no último século e meio. Na metade do século vinte
muitas delas adotaram a teologia dispensasionalista de J. N. Darby.
Enquanto isto, as próprias denominações protestantes tradicionais começaram a tolerar e depois abraçar o Iluminismo, com sua crença na bondade humana, explicações naturais para tudo e a rejeição da necessidade da intervenção divina, revelação ou salvação.
Durante
a primeira metade do século vinte, estas denominações experimentaram seu
maior cisma. Isto deu origem a uma grande quantidade de novas denominações no
cenário religioso. Por exemplo,
somente entre os presbiterianos, onde havia somente uma Igreja
Presbiteriana na América, existem hoje muitas. (...)[1]
Enquanto
existem muitas divisões no protestantismo americano, existe também um
constante estímulo à reunião das igrejas divididas, contanto que haja uma fé
ortodoxa. Muitas das denominações há pouco mencionadas gozam de íntimas relações
fraternas.
As
denominações reformadas estão intimamente afiliadas com as presbiterianas; na
verdade, a tradição é comumente chamada “a tradição reformada
presbiteriana”. Muitas igrejas na Europa são parte das “igrejas regionais”
mencionadas anteriormente. Elas têm histórias diferentes, não por causa de
diferenças doutrinárias, mas porque vieram de diferentes contextos étnicos,
lingüísticos, culturais e históricos. (...)
Congregacionalistas
de modo geral, não têm uma confissão de fé ou catecismo. Os presbiterianos
usam a Confissão de Fé de Westiminster e os Catecismos Menor e Maior; os
reformados usam as “três formas de unidade” – a Confissão Belga, o
Catecismo de Heidelberg e os Cânons do Sínodo de Dort; luteranos usam o Livro
da Concórdia, que inclue a Confissão de Augsburg e empregam os Catecismos
Menor e Maior de Lutero; os episcopais têm os Trinta e Nove Artigos da Religião
como sua confissão. Cada uma destas confissões e catecismos foram escritos
durante ou logo depois da Reforma. À medida que uma denominação ou igreja
julga suas pregações, ensinos, culto e a vida da igreja por estes padrões,
ela é “confessional”. A maioria das igrejas “mães” hoje, ou ignora
suas confissões, ou permite que seus pastores e oficiais rejeitem sua confissão
oficial de fé. Muitos “braços” evangélicos conservadores fazem o mesmo, não
tanto pela rejeição absoluta do correto ensino, mas por uma apatia no que se
refere a doutrina, credo, confissões e a instrução catequética dos jovens.
Em ambos os casos o resultado é o mesmo: uma geração de cristãos professos
que desconhece seus próprios credos o suficiente para ser capaz de questionar e
examinar.
Seja
cuidadoso para não ler os rótulos de muito perto. Por exemplo, embora a Igreja
Unida de Cristo (não confundir com as Igrejas de Cristo ou Discípulos de
Cristo) seja a mais liberal denominação da nação, julgando pela sua
vanguarda diplomática, é possível achar
uma paróquia decente desta igreja na sua vizinhança. De fato, é possível
que uma congregação da Igreja Presbiteriana dos EUA (mãe) da vizinhança,
possa atualmente ser mais comprometida com a fé reformada do que uma igreja que
pertença a um ramo evangélico mais conservador do presbiterianismo. Não é
provável, mas é possível. Hoje em dia, você não pode julgar sempre uma
igreja pelo seu nome.
Tenha certeza que sua “igreja” é uma igreja
Até este século, cristãos de todos os tipos criam que há igrejas verdadeiras e igrejas falsas. Só porque está escrito “igreja” sobre a porta não significa que ela seja uma. Daí porque os reformadores retiraram das Escrituras duas inegáveis marcas da igreja verdadeira: é onde a Palavra de Deus é pregada de forma verdadeira e os sacramentos são administrados corretamente.
Certamente,
os reformadores sabiam que isto acontece em graus variados. Por exemplo, mesmo
numa igreja protestante conservadora alguém pode ser desapontado com o manuseio
de um certo texto. Alguém pode estar absolutamente convencido que o pregador
errou em sua explanação, mas isto não significa que esta igreja não deva
mais ser considerada como uma igreja verdadeira. Os reformadores tinham em vista
que ela tinha de ser uma igreja na qual a clara pregação do texto se
focalizava na promessa de Cristo em salvar os pecadores. Em outras palavras, a
pregação da Lei e do Evangelho deve ser claramente afirmada e proclamada na
paróquia local, para ser considerada uma igreja verdadeira. Quando uma denominação
ou uma igreja rejeita oficialmente o Evangelho ou qualquer ensino essencial do
Credo Niceno, ela comete apostasia e não faz mais parte do corpo visível de
Cristo. Indivíduos dentro dela podem ser salvos, mas a congregação ou
denominação apartou-se oficialmente da igreja visível de Cristo.
A
segunda marca da igreja verdadeira é que os sacramentos são aceitos e
empregados, ao lado da Palavra, como meios de graça. Os protestantes reformados,
presbiterianos e luteranos, tradicionalmente têm argüido que “a administração
correta dos sacramentos” seguramente requer o batismo infantil e a rejeição
de qualquer concepção da Ceia do Senhor que a reduza a um mero símbolo ou
memorial. De novo, isto não significa que pessoas que discordam desta definição
não são realmente cristãs; é uma questão do que propriamente constitui uma
igreja visível ordenada corretamente.
Se
uma igreja preenche estas definições, você precisa menosprezar outros
problemas. Quando o gosto, ao invés da verdade, é o critério para a escolha
de uma igreja, as pessoas colocarão estilo de música, programas e atividades
infantis no topo da lista. O ponto mais importante é este: Este é um lugar
onde Deus e Sua revelação na pessoa e obra de Cristo são claramente
declarados, e onde as pessoas são sérias sobre crescimento em Cristo através
da Palavra, sacramento, oração, evangelismo e missões? Este é um lugar onde
meus filhos serão ensinados em adição as instruções que receberão em casa?
Eles crescerão ouvindo o Evangelho?
De
volta aos pontos essenciais - O que você pergunta ao pastor?
Se
você não pode julgar uma igreja por seu rótulo, como poderá julgá-la? Aqui
estão algumas perguntas para o pastor:
1.
Qual é o ponto de vista da igreja sobre a Escritura? Ela é infalível,
a única autoridade de fé e prática?
2.
Qual é a confissão de fé da igreja? Onde este ministro específico se
baseia nela? Ela é o critério para o ensino e a pregação da Palavra de Deus?
Se
você realmente for “sortudo”, você
pode até achar uma igreja que ainda use seu catecismo. Uma confissão de fé não
é igual a Escritura, mas apresenta o que o corpo da igreja crê que a Palavra
de Deus ensina e requer que nós saibamos. Um catecismo é simplesmente um meio
de instrução sobre a confissão de fé, geralmente através de perguntas e
respostas, com textos bíblicos sustentando cada resposta. Em muitas denominações
confessionalmente consistentes, alguém poderá achar um currículo da escola
dominical que acompanhará a pessoa por todo o caminho desde a idade pré-escolar
até o crepúsculo dos anos. Isto é importante, porque organiza nossos
pensamentos sobre Deus e o estudo da Escritura num conjunto coerente, claro e
sistemático.
3.
O culto é conduzido como um encontro de Deus com Seu povo para dar-lhes
Sua graça e para que eles lhes respondam em agradecimento? Ou é modelado pelo
entretenimento?
4.
Jesus Cristo é proclamado como um herói moral ou como Redentor? Em
outras palavras, Ele está em igualdade com Freud, Benjamim Franklin, um político
e um profeta
dos últimos dias, ou a pregação é concernente a “Cristo e este crucificado”
como Paulo a colocou?
Se você deve sair
Os cristãos reformados “não jogam o bebê fora junto com a água da banheira” na rejeição dos erros do romanismo. Nós ainda temos uma elevada doutrina da igreja, e isto é o que torna excessivamente difícil deixar uma igreja ou denominação que está corrompida. Muitas vezes é difícil decidir quando chega o tempo da separação.
Se uma congregação local se aparta da fé, é legítimo permanecer nela para tentar mudá-la, enquanto a confissão de fé oficial não tiver sido ainda finalmente rejeitada? Eu creio que sim, e que Deus nos chama para manter nossas igrejas e denominações responsáveis por suas próprias confissões. Enquanto a confissão de fé oficial permanecer, é assumido que cada um no ministério daquela denominação concorda com seus artigos. Se não, os pastores que com suas bocas prometem preservar a confissão estão na realidade fazendo exatamente o oposto e são, portanto, desonestos. Não é você que tem que partir, porque você está sendo fiel à confissão de fé da igreja e até que a denominação oficialmente rejeite esta confissão, você está certamente livre (mas não obrigado) a permanecer nela com o objetivo de trazê-la de volta à prática confidência naquela fé. Aqui, dependendo do regime da denominação, um processo de tribunais eclesiásticos graduados provê reformas justas e ordeiras.
Muitos leitores podem fazer parte de uma igreja sem denominação que não possui um estatuto formal de fé. Como você pode manter seu pastor na pregação e ensino da mensagem evangélica se, pela leitura dele da Escritura, ele é convencido de outra interpretação, não importando o quanto ela seja estranha? Esta é a mais difícil situação. Se a Palavra não é corretamente pregada (ou seja, uma afirmativa clara dos credos essenciais) e os sacramentos não são corretamente ministrados, sendo os pastores responsáveis por alguém além deles mesmos e de seus admiradores, esta não é uma igreja verdadeira. Abandonar uma seita não só é tolerável, mas necessário. Reformar uma igreja é suficientemente difícil, mas se uma assembléia de crentes não é biblicamente propensa para chamar-se "igreja", e não deseja caminhar nessa direção, o passo mais sábio seria buscar com devoção, uma igreja que está tentando, débil ou dedicadamente, ser uma igreja verdadeira.
O que quer que você faça, resista a tentação (e ela será grande) de abandonar ou diminuir sua freqüência na igreja. Esta não é uma opção para o crente, embora seja muito atrativa, especialmente quando se contentar com o cardápio local algumas vezes não é tão atraente.
Uma última colocação sobre este ponto. Se você precisa sair, faça-o com caridade e civilidade. Não faça alarde sobre isto, tornando sua partida um assunto de conhecimento público. Siga sua consciência, mas entenda que a razão pela qual outros não vêem as coisas do seu jeito é que eles simplesmente não estão persuadidos ainda das convicções que motivaram sua saída. Você precisará de oração, sabedoria e conselhos de vez em quando, como estes.
Buscando
sentimento
Finalmente, esteja certo de que a igreja que você escolher “busca sentimento”. Isto tem sido a nova palavra-chave nos círculos de crescimento da igreja, e é geralmente usada como uma desculpa para legitimar o esvaziamento de todo pensamento, liturgia, dignidade e senso de transcendência e centralidade de Deus. A igreja é replanejada para ir ao encontro das necessidades do incrédulo. Depois de ser perguntado que tipo de igreja eles gostariam de freqüentar, os peritos em marketing da igreja moderna dizem aos pastores como construí-las.
Assim, porque eu sugiro a você que a igreja que você escolher deve “buscar sentimento”? Em João 4, Jesus diz a mulher samaritana, “Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo.4: 21-24). Note que assim como depositamos nossa confiança na nossa própria denominação ou congregação como a igreja verdadeira, Jesus nos diz que não é uma questão de em que montanha nós adoramos, porque agora Deus reside no corpo de Cristo, que é a igreja. Deus diz que a adoração deve ser em Espírito e em verdade. Ou seja, o Espírito e a Palavra devem andar juntos. Não pode haver atividade do Espírito Santo independentemente da Palavra, e qualquer atividade da Palavra depende do Espírito Santo para ser eficaz.
Certamente, devemos “buscar sentimento”, mas há uma importante distinção aqui: Deus diz que Ele procura adoradores. O moderno conceito de crescimento de igreja está baseado no erro do arminianismo, onde o homem acha a Deus. Assim, nós deixamos de lado a adoração a Deus pelo critério que Ele estabeleceu (o Espírito Santo e a verdade) com o propósito de “buscar sentimento”. Afinal de contas, nós salvamos pessoas e as trazemos para o reino, certo? Esta é a suposição. Mas se Deus é aquele que busca, nossa missão é achar uma congregação onde Deus é servido com adoração, mesmo quando a mensagem ou estilo possa ser estranho ou mesmo desagradável aos incrédulos. Se for, pode ser por nossa culpa ou também por causa da Palavra de Deus estar fazendo simplesmente o que ela faz. Se este é o caso, estamos em boa companhia com os apóstolos, mártires e reformadores antes de nós.
[1] Certas partes do texto, dizem respeito ao desenvolvimento histórico americano das denominações. Por este motivo, foram retiradas do texto por ser específico à realidade norte americana. Estas partes estão identificadas por este sinal: (...).