Manoel Barbosa du Bocage - BOCAGE (1765-1805)
SONETO VI
N„o lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Put¡ssimas fidalgas tem Lisboa,
Milh”es de vezes putas tˆm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cle¢patra por puta alcan‡a a coroa;
Tu, Lucr‚cia, com toda tua proa,
O teu cono n„o passa por honrado:
Essa da R£ssia imperatriz famosa,
Que inda h pouco morreu (diz a gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo d„o sua greta:
N o fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra ‚ tudo peta.
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Soneto XXXVII
Fiado no fervor da mocidade,
Que me acenava com tes”es chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode ou como um frade:
Quantas pediram, mas em v„o, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Fincado a gordos sessos alvejantes
Que hemor¢idas n„o fiz nesta cidade!
A for‡a de brigar fiquei mamado:
Vista ao caralho meu, que de gaiteiro
Est sobre os colh”es apatetado:
Oh N£men tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, se tornar ao teso estado,
Por oferenda espetado um parrameiro.
Gloss rio:
Encavar - Meter na cava ou cavidade.
Sesso - Do latim, Sessu, "Assento"
Gaiteiro - Vistoso, Garrido, ou, foli„o, festeiro
Numen - Divindade mitol¢gica
Se algu‚m souber mais sobre a mo‡a conte pra gente.
N„o consegu¡ descobrir o que ‚ "Parrameiro" , que o noso her¢i
prometeu levar espetado em oferenda a Numen.
"Parrameiro", segundo o Laudelino Freire (a meu ver o melhor
dos dicion rios de portuguˆs, d de cem no Or‚lio) significa "as
partes pudendas da mulher". Ao que me lembre, nunca tinha ouvido a
palavra.
Quanto a "Numen", sinto te decepcionar, mas, ainda segundo o
Laudelino, ‚ apenas uma forma alternativa de "nume", sin“nimo de
"divindade" em geral, e n„o uma divindade mitol¢gica espec¡fica,
de sexo feminino. "Nume", eu conhecia; "numen", nunca tinha ouvido.
Numen ‚ Nume em latim, segundo o Or‚lio.
A defini‡„o dele:
Nume. (Do Lat. numen.) S. M. 1. Deidade 2. divindade
mitol¢gica 3. gˆnio 4. Influxo divino, inspira‡„o.
O Bocage inclusive usou acento .
(...)
Oh N£men tutelar do mijadeiro!
(...)
Acho que ele estava se referindo a uma divindade qualquer,
inspiradora do tes„o. quanto ao sexo desta, eu o atribu¡ ao
feminino por puro gosto, saiu sem querer.
Convenhamos que uma divindade masculina n„o haveria de despertar
o Eros convenientemente (Pelo menos para mim) E uma assexuada,
sei l , pode ser bi-sexual. :)
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Bocage (per¡odo 1780/1787)
A frouxid„o do amor ‚ uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paix„o requer paix„o, fervor, e extremo
Com extremo e fervor se recompensa.
Vˆ qual sou, vˆ qual ‚s, vˆ que diferen‡a!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a raz„o se me condensa:
Tu s¢ tens gratid„o, s¢ tens brandura,
E antes que um cora‡„o pouco amoroso
Quizera ver-te uma alma ingrata e dura:
Talvez me enfadaria aspecto iroso;
Mas de teu peito a lƒnguida ternura
Tem-me cativo e n„o me faz ditoso.
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From: ELAINE SOUZA
To: ALL
Subject: Bocage I
N„o sei se este j lhes foi apresentado...
Para aqueles que j conhecem, desejo a imortalidade deste em suas almas;
aos que ainda n„o tiveram a oportunidade, aqui est , um trecho dos mais
belos poemas rcades, de Bocage.
Se ‚ doce no recente, ameno estio
Ver toucar-se a manh„ de et‚reas flores
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;
Se ‚ doce, no inocente desafio,
Ouvirem-se os vol teis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
De entre os aromas do pomar sombrio;
Se ‚ doce mares, c‚us ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os cora‡”es, floreia os prados,
Mais doce ‚ ver-te, de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
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Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela m„o da Desventura,
Pela ba‡a Tristeza envenenados,
Vede a luz, n„o busqueis, desesperados,
No mundo esquecimento e sepultura:
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-„o com ternura os desgra‡ados.
N„o vos inspire, ¢ versos, cobardia,
Da s tira mordaz o furor louco,
De maldizente voz a tirania:
Desculpa tendes se valeis t„o pouco,
Que n„o pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.
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SONETO
Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paix”es que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! m¡sero eu sonhava
Em mim quasi imortal a essˆncia humana!
De que in£meros s¢is a mente ufana
Existˆncia falaz me n„o dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, s¢cios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si n„o coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos
Deus, ¢ Deus!... quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver n„o soube.
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SONETO DITADO NA AGONIA
J Bocage n„o sou!... ‘ cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos C‚us ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;
Conhe‡o agora j qu„o v„ figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da raz„o seguisse pura.
Eu me arrependo; a l¡ngua quasi fria
Brade em alto preg„o … mocidade,
Que atr s do som fant stico corria:
Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ¡mpia,
Rasga meus versos, crˆ na eternidade!.
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EPIGRAMAS
O pai enfermo e o doutor
Um velho caiu na cama;
Tinha um filho esculapino,
Que para adivinha‡”es
Campava de ter bom tino.
O pulso paterno apalpa,
E receitar depois vai;
Diz-lhe o velho, suspirando:
"Repara que sou teu pai."
A mol‚stia e a receita
Para curar febres podres
Um doutor se foi chamar,
Que feitas as cerim“nias,
Come‡ou a receitar.
A cada penada sua
O enfˆrmo arrancava um ai!
- "N„o se assuste (diz Galeno),
Que inda desta se n„o vai."
- Ah! senhor! (torna o coitado,
Como quem seu fado espreita)
Da mol‚stia n„o me assusto,
"Assusto-me da receita."
Conselho a um impaciente
Homem de gˆnio impaciente,
Tendo uma dor infernal,
Pedia, para matar-se,
Um veneno, ou um punhal.
- "N„o h (lhe disse um vizinho
Velho que pensava bem),
N„o h punhal, nem veneno;
Mas o m‚dico a¡ vem."
A parca e o m‚dico
- "Morte! (Clamava o doente)
Este m¡sero socorre."
Surge a Parca de repente,
E diz de longe: - "Recorre
Ao teu m‚dico assistente."
Vingan‡a do m‚dico
Um m‚dico ressentido
De certo seu ofensor,
Ante um amigo exclamava,
Todo abrasado em furor:
- "Para punir este indigno,
Este vil, tomara um raio."
Acode o outro: - "H um meio
Muito mais f cil; curai-o".
O r‚cipe
P“s-se m‚dico eminente
Em voz alta a receitar.
- "R‚cipe" (diz)... de repente
Grita da cama o doente:
- "Basta, que mais ‚ matar."
O adeus do doutor
Um m‚dico receitou:
S£bito o r‚cipe veio.
Do qual no bucho do enfermo
Logo embutiu copo e meio,
- "Adeus at‚ … manh„"
(Diz o fofo professor).
Responde o doente: - "Adeus
Para sempre meu doutor".
O letrado
Inda novel demandista
Um letrado consultou,
Que, depois de cem perguntas,
Tal resposta lhe tornou:
- "Em Cuj cios, em Mon¢quios,
Em Pegas e Ordena‡„o
Em Rein¡colas e Estranhos
Tem carradas de raz„o."
- "Sim, sim, por toda essa estante
Tem raz„o, raz„o de mais."
- "Ah senhor! (o homem replica)
Tˆ-la-ei nos tribunais?"
T¡tulo para uns aforismos
Certo Averr¢is quis no prelo
Ver seus aforismos juntos.
P“s-lhes o editor singelo:
Arte de fazer defuntos. -
A Cura
Lavrou chibante receita
Um doutor com todo o esmero,
A uma mo‡a, que passava,
Que ficou s„ como um pˆro.
- T„o cedo! ‚ milagre - (assenta
A m„e, que de gosto chora -)
- "Minha m„e, n„o ‚ milagre:
Deitei o rem‚dio fora."
Alian‡a de duas altas potˆncias
Arrumado …s duas portas
Pingue botic rio estava,
E brandamente acenou
A um doutor, que passava.
Mal que chega o bom Galeno,
Diz o outro em ar jocundo:
"Unamo-nos, meu doutor,
E demos cabo do mundo."
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