Cassiano Ricardo:

     A CIDADE DOS SAPOS

Os sapos que eu conhe‡o
no bairro onde resido,
gritam, desde o comˆ‡o
da noite, ao meu ouvido.
Gritam a noite inteira;
por‚m, s„o mais humanos,
sob um certo sentido,
que os de Manuel Bandeira.
Pois n„o s„o parnasianos
e nem tomam parte
em discuss”es s“bre arte.

S„o, todos, oper rios
e d„o-se a of¡cios v rios.

Neste ponto, os meus sapos
que tamb‚m batem papos,
j  diferem dos seus...
pois s„o filhos de Deus.

Um dˆles ‚ ferreiro.
E faz tanto barulho
com os demais, da sua
corpora‡„o, que chegom,
em meu desassossˆgo
e j  por mim conta,
a crer que estar  pronta
at‚ ao clarear do dia
alguma Nova Iorque
mais a‚rea e maior
que a da fotografia.
A julgar pelo ru¡do
que sai dos seus martelos
s¢ o sapo ferreiro
j  construiu no charco
uns duzentos castelos.
Estrondeja a bigorna
e, ent„o, sobe e flutua,
na noite grande e morna,
o alvo disco da lua.

‰ste outro, carpinteiro,
sapo de alma canora,
em plena noite escura,
conserta a fechadura
do pal cio onde mora.
Vive serrando taboas...
Ÿ sapo carpinteiro,
serra as minhas m goas!

Aquˆle outro ‚ pedreiro.
Mais que pedreiro, her¢i.
Tudo o que ˆle constr¢i
a  gua da enchente arrasa...
Vai fazer minha casa.

L  longe, um bate-sola
fabrica o azul sapato
com que Nossa Senhora
vir  do c‚u, num barco
de lua, s¢ pra vˆ-lo,
sem se sujar no charco.

Mas h  outros, que invejo,
moradores do brejo:
Uma intanha vi£va,
os olhos fora da ¢rbita,
pensa que o luar ‚ chuva
e sem compreendˆ-lo
no espet culo c¢smico,
abre seu guarda-chuva
branco de cogumelo.

Um sapo-pipa, bruxo,
que n„o p ra em casa,
vive comendo brasa;
pensa que come estrˆla
e tem o c‚u no buxo.
Outro sapo ‚ fil¢sofo:
quem ser  que me p“s
na lama, t„o de rastros
sem ficar com a m„o suja?
quem ser  que criou
o perfume das rosas?
quem no c‚u espalhou
o ouro aceso dos astros?

Fulgem rosas lunares
na  gua morta dos campos.
 a cidade dos sapos
que acende os seus lampi”es
verdes de pirilampos...

Hoje tem espet culo!
Gritam todos os sapos.
Hoje tem coisa boa!
Clamam os bate-papos
em ruidosa assembl‚ia:
e a algazarra pleb‚ia
por todo o brejo ecoa.
Quando dissermos trˆs,
jacar‚, vocˆ pule.
E dizem um... dizem dois...
‚ desta vez! dizem trˆs,
tchecumbum na lagoa.

Ou ent„o ‚ o cinema
do brejo que funciona,
exibindo um desenho
animado de Disney:
"um sapo se suicida
por causa de uma estrˆla".
E, no sal„o, do espa‡o,
onde a neblina grossa
se desfaz em farrapos
ouve-se, a todo instante,
a algazarra dos sapos,
o tremendo barulho
da infernal assistˆncia:
as r„s batendo palmas,
qu -qu -qu  de marrecos,
muito bem, bis-bis-bis,
ecos aos petelecos,
um diz, outro desdiz.
E ronca o sapo-boi
tocando o "foi-n„o-foi".

No outro dia, por‚m,
quando chega a alvorada,
loura, de olhar cer£lio:
- por tanto barulho?
que aconteceu? que foi?
Vai-se ver; n„o foi nada
E tudo continua
no mesmo p‚, na mesma
luta desesperada.
Eu suo: vocˆ sua...
tudo por que? por nada.

Ÿ pobre sapo-boi,
foi Deus que assim te fˆz?
foi Deus que assim te quis?
ao menos, uma vez,
responde: foi? n„o foi?
Pobre mundo infeliz
que diz e se desdiz
tocando o "foi, n„o foi",
ininterruptamente.

E a gente pede bis...
Deus n„o tem d¢ da gente.
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