uma oposição leal do Stalinismo: trotsky e a contra-revolução

 

Este artigo foi escrito originalmente para refutar as mentiras, sobre os movimentos revolucionários na história do século XX, vendidas pelos mais comicamente detestáveis troskos da Spartacus League, no jornal Workers Vanguard (sic). Temendo perder terreno para um incoerente anarquismo contemporâneo e tentando recrutar novas buchas de canhão, os Sparts publicaram uma série de artigos de Joseph Seymour, intitulado "Marxismo versus Anarquismo", sobre as diferenças históricas entre o anarquismo e a versão de "marxismo" dos Sparts.  

Na parte 7 da série, (W. V. Página 7, 30/08/1996), que trata da revolução russa de 1917-1921, Seymour proclama:  "Sob a bandeira do anarquismo, a força contra-revolucionária mais significativa foi o exército de camponeses de Nestor Makhno, na Ucrânia, que realizou progroms contra comunidades judaicas e colaborou com os exércitos brancos contra os bolcheviques." 

Seymour acusa, mas não fornece qualquer documentação.  Excetuando a ficção stalinista, que alimenta o imaginário colorido de Sholokhov, em O Don Silencioso, e de Saymour, não há a menor evidência que apóie suas acusações. Sobreviventes do movimento makhnovista, como o companheiro de Makhno e ex-bolchevique Peter Arshinov, na História do Movimento Makhnovista, o historiador anarquista Voline, em A Revolução Desconhecida, e historiadores independentes que não simpatizam com a revolução e nem com o anarquismo, como o pesquisador de universidade de Standford Michael Palij, no livro O Anarquismo de Nestor Makhno, todos afirmam que: 

1. O movimento makhnovista foi um movimento revolucionário das massas trabalhadoras do sul da Ucrânia, que formaram um exército de dezenas de milhares de guerrilheiros na guerra civil russa. Este movimento revolucionário atuou da primavera de 1918 até 1921, quando ocorreu a matança dos guerrilheiros e de grande número de simpatizantes não combatentes pelos bolcheviques, em 1921. 

2. Revolucionários de origem judaica tiveram importante participação no movimento makhnovista. Voline, por exemplo, foi uma figura chave na confederação anarco-comunista "Nabat" na Ucrânia durante a guerra civil na Rússia. 

3. As comunidades judaicas da Ucrânia forneceram muitos combatentes ao Exército Insurgente de Makhno. As comunidades judaicas participavam das assembléias revolucionárias regionais dos operários, camponeses e guerrilheiros, incentivadas pelo do Conselho Militar do Exército Makhnovista.  

4. Os makhnovistas deram a  uma de suas comunas rurais (comunistas libertárias) o nome de Rosa Luxemburgo, que era judia. 

5. Nestor Makhno e seus companheiros fizeram inúmeras declarações repudiando o anti-semitismo. Em diversas ocasiões, o próprio Makhno executou instigadores de violência contra a população judaica, inclusive um famoso bandido chamado Grigorief (veja em História do Movimento Makhnovista, de Arshinov, p. 135-137). 

6. Leah Feldman, judia, falecida em Londres no fim do decênio de 1980, era a última sobrevivente conhecida. Jovem, Feldman costurava uniformes para o exército makhnovista. Mais tarde, testemunhou com veemência a hostilidade dos makhnovistas ao anti-semitismo. 

Em A Revolução Desconhecida (p. 698), Voline cita um historiador judeu M. Tcherikover, entrevistado em Paris, e que não era anarquista nem revolucionário: "É inegável que, de todos os exércitos, incluído o (chamado) Exército Vermelho, o makhnovista foi o que melhor se comportou com a população civil em geral e com a população judaica em particular...  Nada nos leva a crer nos progroms que dizem que Makhno teria organizado. Esta acusação é uma calúnia ou um erro. Nada disso ocorreu." 

Com relação à afirmação de Seymour de que os makhnovistas "colaboraram com os exércitos brancos contra os bolcheviques": 

1. O movimento makhnovista começou com a luta de classe dos explorados contra os ricos no sul da Ucrânia, na primavera de 1918. Makhno e seus companheiros ajudaram a iniciar a tomar e distribuir a riqueza dos exploradores pela gente pobre. Os exploradores que resistiam eram mortos. 

2. Makhno lutou contra os exércitos da Áustria e da Alemanha, e seus aliados na burguesia local, ao contrário do regime bolchevique, que colaborou com esses inimigos da revolução mundial assinando o Tratado de Brest-Litovsk, em março de 1918. As forças de Makhno foram decisivas na derrota das tropas austro-alemãs na Ucrânia e no fim do regime nacionalista ucraniano de Petliura, em 1918. 

3. As forças de Makhno destruíram uma parte significativa do exército do general Denikin, em setembro e outubro de 1919, frustrando a tentativa de Denikin de tomar Moscou naquele momento.  

4. As forças de Makhno foram decisivas na derrota do general Wrangel, em fins de 1920. Então, fez-se um acordo entre o Estado bolchevique, assinado por Frunze e Bela Kun, e os revolucionários do movimento makhnovista, no qual as forças de Makhno foram consideradas efetivamente parte do chamado Exército Vermelho. Este acordo é reproduzido nas obras de Arshinov e de Voline.  Anteriormente, em maio de 1919, o comandante bolchevique Lev Kamenev visitou o quartel general de Makhno e negociou em pessoa com ele.  Os únicos contra-revolucionários com os quais os makhnovistas podem ser acusados de ter colaborado eram os bolcheviques. 

Neste artigo, não é prioritário descrever com detalhes a traição dos makhnovistas pelos bolcheviques. Mas quem quer que leia as fontes mencionadas acima e sobre o comportamento dos stalinistas durante a guerra civil espanhola verá muitas semelhanças. 

Seymour publicou um misto de ignorância e mentira sobre os comunistas de esquerda da Alemanha do início dos anos 20 e sobre uma de suas organizações, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Alemanha (KAPD). Longe de ser, como Seymour diz, um "amálgama instável de políticas anarquistas e comunistas", o comunismo de esquerda foi uma corrente comunista com profundas raízes entre os proletários na Alemanha e na Holanda. Os teóricos marxistas holandeses Anton Pannekoek, Herman Gorter e seus companheiros criticaram radicalmente a social-democracia européia nas décadas antecedentes à primeira guerra mundial. 

Os comunistas de esquerda viram que as eleições e os sindicatos já não tinham a menor utilidade. Num período revolucionário, os proletários têm que lutar pela destruição do Estado burguês, pela abolição do trabalho assalariado e das relações mercantis, de forma autônoma e contra as organizações operárias  aburguesadas. Um novo período histórico exigia novas táticas e novas formas de auto-organização emergiram superando  a velha dicotomia entre atividade parlamentar e sindicatos. Foram expressões unitárias do poder proletário: sovietes, conselhos de marinheiros e soldados, assembléias de massa combinando os aspectos políticos e econômicos da luta contra o capital. 

Os marxistas vulgares, como os trotskistas e os stalinistas, dizem que os sindicatos "organizam os trabalhadores".  Mas a questão colocada pelos anticapitalistas autenticamente revolucionários, como a esquerda comunista alemã, era fundamental: essas organizações organizam os trabalhadores para quê? 

Os sindicatos e partidos de esquerda agem no interesse do capitalismo. Foram e continuam sendo organizadores da derrota proletária. Ao contrário do que os trotskistas afirmam, os partidos de esquerda pró-trabalho assalariado e sindicatos não são "traidores" da classe operária.  Eles são a esquerda do capital, um elemento fundamental do aparato político capitalista. 

A auto-organização é a resposta proletária ao controle da classe por sindicatos, partidos e políticas eleitorais. Os revolucionários que romperam com o trotskismo depois da segunda guerra mundial sabiam disso. Por exemplo, Grandizo Munis. Munis foi dirigente do grupo de trotskistas bolcheviques-leninistas que lutou ao lado dos anarquistas revolucionários do grupo "Amigos de Durruti", na insurreição de maio de 1937, em Barcelona, durante a guerra na Espanha. Depois da segunda guerra mundial, Munis denunciou os sindicatos como "órgãos auxiliares do capital":  "...os sindicatos... funcionam como agentes do capital entre os trabalhadores, adaptando o trabalho às exigências do capital... Os sindicatos, tendo uma vida burocrática e voltada para seus próprios fins, usam a classe operária como massa dócil para aumentar seu poder como instituição burguesa. Sindicatos e proletariado têm vidas cotidianas e motivações completamente diferentes. A 'tática' nos sindicatos, quaisquer que sejam as intenções, impede a auto-atividade dos proletários, destrói seu espírito combativo e bloqueia a via revolucionária.”

"A posição de Lênin e Trotsky sobre o trabalho revolucionário nos sindicatos é, além de falsa, nociva na atualidade... A possibilidade de 'mudar' os sindicatos num sentido revolucionário é idêntica a da sociedade capitalista  em geral.  Os sindicatos usam os assalariados para seu próprio fim particular, mas os assalariados nunca serão capazes de fazer os sindicatos servirem a um objetivo revolucionário.  Eles devem destruí-los". (G. Muniz, Os Sindicatos contra a Revolução). 

A visão de Lênin e Trotsky sobre o conteúdo do socialismo e as táticas para alcançá-lo concordava fundamentalmente com a ideologia democrática  da segunda internacional. A identificação do conteúdo do socialismo com o que Lênin chamava, em  1918, de  "um monopólio capitalista estatal edificado para o bem de todo o povo",  ajudou a destruir o movimento revolucionário da época. 

Durante a primeira guerra mundial, os bolcheviques tiveram um papel importante no movimento revolucionário internacional. Em 1917, reuniam muitos dos mais combativos elementos do movimento proletário nos centros urbanos da Rússia. Mas, logo após a revolução de outubro, as agruras da guerra civil na Rússia e suas enormes deficiências políticas, levaram os bolcheviques a passar para o lado da contra-revolução. Esta tendência foi combatida sem sucesso por dissidentes do partido que tinham algum conteúdo comunista, os "comunistas de esquerda" e os "centralistas democratas". Mas estas tendências minoritárias não tiveram um impacto duradouro no partido. Em 1921, o manifesto de fundação da Internacional Comunista Operária (esquerda comunista),   que teve curta duração, declarava: "Nada pode deter o curso dos eventos, ou obscurecer a verdade. Dizemos isto sem reticências inúteis, sem sentimentalismos: a Rússia proletária do outubro vermelho está se tornando um Estado burguês". 

Em março de 1921, com o massacre de Kronstadt, a revolução russa estava morta. Para a esquerda comunista alemã, o conceito de ditadura do proletariado, elemento fundamental e necessário da política revolucionária, era o poder social absoluto do movimento revolucionário contra o sistema capitalista e contra aqueles que tentam defendê-lo ou restaurá-lo.  O movimento makhnovista foi um ótimo exemplo da aplicação desse princípio: um movimento proletário de massas agindo despoticamente contra os exploradores e contra-revolucionários.  Para os bolcheviques, o objetivo era se manter no poder estatal a qualquer custo. O poder bolchevique se manteve às custas da possibilidade de revolução na Alemanha e na Itália, das forças revolucionárias que não estavam sob seu controle, como os makhnovistas, e da classe operária nas áreas urbanas da Rússia, que foi excluída da vida política pelo terror policial do partido-Estado bolchevique. 

A revolta de Kronstadt foi o último espasmo do movimento revolucionário na Rússia. Em 1921, o regime de Lênin não era  uma ditadura do proletariado, mas apenas uma ditadura.  Uma gangue que diz agir em nome da classe operária e usa o terror para oprimir  a classe operária. Lutando pela "ditadura do proletariado", o que a esquerda alemã entendia por isso não era um estado policial que impõe  o trabalho assalariado ao proletariado e força o desenvolvimento da industrialização e do capitalismo de Estado, que foi o que os bolcheviques acabaram fazendo. 

Joseph Seymour está certo quando cita o trotskista norte-americano James Cannon, alardeando que o polêmico livro de Lênin "Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo" privou a tendência comunista de esquerda de uma presença efetiva no movimento operário nos EUA e outros países. A partir do  início da década de 20, a fixação leninista às táticas social-democratas de antes da primeira guerra mundial, tais como a política eleitoral e a atuação nos sindicatos, dominou as perspectivas dos assim chamados comunistas. Mas como continuar acreditando que essas táticas eram corretas se levaram a resultados tão sombrios? 

O movimento revolucionário do período entre guerras foi derrotado. A derrota do movimento revolucionário preparou o advento do fascismo e do stalinismo.  E mais de 50 milhões de pessoas morreram na segunda guerra mundial. O leninismo não resultou em nenhuma revolução proletária bem sucedida, ou seja: em nenhum lugar do mundo  originou alguma sociedade minimamente digna dos seres humanos que vivem nele. 

O capitalismo domina todos os países. Exceto para os trotskistas que, essencialmente leais ao stalinismo, necessitam compensar seu próprio fracasso histórico e definem obscenamente como "Estados operários" regimes que exploram, aprisionam e assassinam proletários em Cuba, na Coréia do Norte e na China. 

O trotskismo não é sequer uma ferramenta teórica para compreender e transformar a realidade, mas um dogma, um amálgama estéril de social-democracia e stalinismo; uma caricatura de socialismo. O trotskismo é uma doutrina que idolatra Lênin e Trotsky, em torno dos quais tudo giraria. Daí que, diante de um movimento revolucionário como o makhnovista, os trotskistas não sejam diferentes dos stalinistas, os mais bem sucedidos adoradores do culto a Lênin. O trotskismo é a leal oposição do stalinismo. O movimento trotskista jamais tomou o poder, mas tem compensado isso se entusiasmando, como os stalinistas e as burguesias locais, com os movimentos de "libertação nacional".  Assim, os trotskistas pertencem definitivamente ao campo burguês da luta de classes, em antagonismo com os anarco-comunistas como Makhno e aos comunistas do KAPD. 

A derrota da revolução russa e a ideologia leninista, que se desenvolveu com essa derrota, levaram as possibilidades revolucionárias do século XX a um beco sem saída. O principal legado do leninismo é um proletariado mundialmente derrotado e confuso. O proletariado não detem o poder em nenhum lugar. Mas hoje podemos ver o mundo numa ótica desmistificada, possibilitando a reemergência de novas experiências.  Então, temos que destruir totalmente a ordem capitalista mundial, sem equívocos ou compromissos. E nunca mais admitir que o futuro continue refém dos erros do passado. 

Com Kronstadt e Makhno! Contra Lênin e Trotsky!

Pela revolução proletária mundial, comunista e anti-estatista!

  Max Anger

Traduzido pelo Grupo Autonomia de Stalinism’s Loyal Opposition: The Counter-Revolutionary Politics of Trotsky, disponível em http://www.infoshop.org/myep/love6.html

 


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