Pesquisa sobre Ataxia de Friedreich na Austrália

Dr Ian Alexander (Gene therapy unit, New Children's Hospital, Sydney, Australia)
(publicado em Euro-Ataxia/Newsletter - maio/1997)

Costumava-se pensar que a ataxia de Friedreich, sendo em grande parte uma desordem cerebral, não se apresentava como uma candidata adequada à pesquisa em terapia gênica. Contudo, atualmente existem dois projetos sendo conduzidos na Austrália. Abaixo o Dr Ian Alexander, da Unidade de Terapia Gênica do Novo Hospital de Crianças, Sidney - Austrália, apresenta uma avaliação dessa pesquisa.

Agora que o gene responsável pela ataxia de Friedreich foi identificado e isolado, os médicos e cientistas podem começar a estudar o gene e sua função em maior detalhe. Haverá dois benefícios definidos e imediatos: primeiro um conhecimento muito maior da ataxia de Friedreich e, segundo, uma maior capacidade para diagnosticar a enfermidade utilizando testes genéticos. Pode ser esperado razoavelmente que estes benefícios sejam percebidos dentro de um espaço relativamente curto de tempo, talvez 2-3 anos. Um terceiro benefício potencial da clonagem do gene da ataxia de Friedreich, e uma das mais esperadas, é o possível desenvolvimento de tratamentos. A terapia gênica é atualmente a possibilidade mais promissora, embora outras aproximações possam ser evidenciadas com uma melhor compreensão da natureza da ataxia de Friedreich. Para aqueles pouco familiarizados com o conceito de terapia gênica, trata-se de enviar cópias normais do gene da ataxia de Friedreich às células dentro do corpo afetado pela doença. Embora simples em conceito, esta é uma tarefa muito difícil de realizar. A clonagem do gene da ataxia de Friedreich é certamente o primeiro passo no longo caminho em direção à terapia gênica da ataxia de Friedreich, mas há muitos e grandes obstáculos a serem superados. Em primeiro lugar está a necessidade de desenvolver as tecnologias requeridas para a entrega do gene da ataxia de Friedreich às células apropriadas dentro do corpo.
Como a ataxia de Friedreich primariamente afeta o sistema nervoso, necessitamos identificar e desenvolver métodos eficazes para entregar os genes às células nervosas. Nossa idéia atual é utilizar vírus geneticamente criados para este propósito. Já identificamos um sistema de entrega viral especialmente promissor e estamos agora estudando quão útil será este sistema em um possível tratamento de ataxia de Friedreich através da terapia gênica. Embora isso represente um progresso estimulante, ainda há um longo caminho a percorrer e estima-se que possa levar alguns anos antes desse tipo de pesquisa ter um impacto prático nas vidas das pessoas e famílias que vivem com ataxia de Friedreich. Na realidade, foram iniciados dois programas de pesquisa principais em terapia gênica para a ataxia de Friedreich durante o último ano na Austrália. Um destes está no Instituto Murdoch, no Royal Children’s Hospital em Melbourne, e o outro no New Children’s Hospital em Sydney. A equipe de Murdoch é conduzida por Bob Williamson, o novo diretor que colaborou na localização e identificação do gene da ataxia de Friedreich quando liderou o grupo de ataxia de Friedreich em Londres (com Sue Chamberlain). O grupo de Sydney é dirigido por Ian Alexander, que retornou recentemente de três anos muito produtivos com um dos melhores grupos de terapia gênica americana em Seattle [EUA]. Ambos os grupos estão tentando encontrar maneiras de colocar uma cópia do gene normal nos tecidos afetados em ataxia de Friedreich e outras condições que afetam o sistema nervoso. Por causa da experiência prévia de cada grupo, eles tomaram caminhos diferentes, mas complementares - a equipe de Sydney tentará usar um vírus como um "cavalo de Tróia" para levar o gene normal para as células, enquanto a equipe de Melbourne começará com o gene empacotado em minúsculas partículas de gordura.
Um dos pontos mais afetados na ataxia de Friedreich são os gânglios espinhais (agrupamentos de células nervosas) situados ao longo da medula espinhal. A terapia gênica efetiva para a ataxia de Friedreich requererá a habilidade para entregar com eficácia uma cópia normal do gene da ataxia de Friedreich nestes locais de tal modo que o gene demonstre atividade normal a longo prazo. A estratégia do "cavalo de Tróia" utiliza a habilidade natural de um vírus inofensivo para levar genes para dentro das células. Há vários destes sistemas de entrega de genes em desenvolvimento e cada um deles tem suas vantagens e desvantagens. A primeira parte da boa notícia é que o gene da ataxia de Friedreich se ajustará no sistema de entrega no qual estamos trabalhando. Somente pudemos afirmar isto após a identificação do gene. Nesta fase não colocamos o gene da FA em nosso sistema pois primeiro precisamos verificar como o sistema trabalhará entregando genes em células nervosas. Para estudar isto construímos pacotes de genes que dizem às células como produzir certas enzimas que podem ser facilmente detectadas nas células utilizando um simples procedimento de marcação por cores (por exemplo, azul). Deste modo podemos usar nosso sistema para entregar estes pacotes de genes em células nervosas e determinar se fomos bem sucedidos, verificando se nosso procedimento de marcação torna agora as células azuis. Simplesmente porque se uma célula tornar-se azul saberemos que o gene entrou e está funcionando. A segunda parte da boa notícia é que testamos nosso sistema em células nervosas desenvolvidas em tecidos cultivados de camundongos e verificamos a transferência de gene. Estamos agora desenvolvendo estudos adicionais usando esta aproximação experimental para melhorar a eficiência da entrega de gene. Também estamos a ponto de entregar genes em gânglios espinhais de camundongos vivos. Estas experiências levarão pelo menos de 6 a 12 meses para serem completadas. Recentemente, ficamos animados em saber que um grupo no EUA obteve sucesso na entrega de genes na medula espinhal de um camundongo usando exatamente a mesma aproximação que estamos desenvolvendo.
Este esforço crescente na pesquisa da ataxia de Friedreich na Austrália é um desenvolvimento estimulante que deve ser fonte de esperança e encorajamento a todos aqueles cujas vidas estão tocadas pela ataxia de Friedreich. Porém, embora satisfeitos que "o espetáculo esteja na estrada" e nós estejamos apenas começando, também temos que enfatizar que é uma longa estrada. Porque o problema é muito difícil, o caminho não está mapeado e a segurança deve ser máxima, estamos olhando para um esforço que pode levar vários anos antes de podermos começar a pensar em impacto clínico.


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