Lidando com a Ataxia de Friedreich - Uma Biografia

Shawn Logan
(mensagem postada na Internaf em agosto/2000, originalmente traduzida, com autorização do autor, por Kátia Cristina).

Olá a todos,
Ainda que resumida, está é uma revisão atualizada, mas para aqueles que já me conhecem, por favor não sigam lendo, e se você já leu isto antes - atire-o fora! Fui compelido a colocar mais informações sobre minha vida com ataxia e alguns pensamentos ao lidar com a ataxia de Friedreich.
Fui diagnosticado com ataxia de Friedreich aos 19 anos - agora estou com 30 -, embora tenha apresentado sinais de ataxia quatro anos antes. Quando estava na 9ª série da escola secundária comecei a ter problemas em Educação Física. Eu não era muito bom na trave de equilíbrio, salto com vara, lutas era o mais notável, conseguia cumprir cerca de 50% enquanto os outros conseguiam 100%
, exceto os não esportistas! Por isso comecei a sair com os chamados nerds ou "espertinhos". Os "inteligentes" vivem cercados de cálculo e matemática. Eu detesto cálculo e matemática. Os números não fazem meu estilo! Depois de algum tempo, fui excluído daquele grupo.
Meu professor de Educação Física observou que eu tinha um "estilo estranho de correr" e comentou comigo. Mas não me importei com aquilo, concluindo apenas que não tinha nascido para ser atleta. De qualquer forma, nunca fui mesmo muito de esportes, os únicos esportes em que me sobressaí foram futebol e natação! Uma vez fui ao médico e minha mãe questionou sobre o "problema" de coordenação. O médico testou meus reflexos e disse que era apenas apenas uma fase de crescimento. "Ele superará esse problema". Cara, ele estava enganado ou o quê!!!
Lá pela 11ª série, comecei a me sentir um pouco solitário, com poucos amigos, as únicas pessoas que pareciam me aceitar eram os "malvados": os fumantes, os cachaceiros, os caras que arrombam e invadem, roubam e assim por diante. Na 11ª série não tive que enfrentar a humilhação de fazer Educação Física porque era facultativo! Assim, embora minha coordenação estivesse deteriorando, ainda passava, na maioria das vezes, desapercebida.
Quando comecei a 12ª série, aos 18 anos, minha falta de coordenação estava começando a ficar visível, meus colegas sussurravam pelas minhas costas: "Olha o andar daquele cara! Que estranho!" Mas o que mais me incomodava era: "Bêbado!" Eu não suportava ser chamado de bêbado injustamente!
Quando chegou a primavera, o desastre piorou. Estava visitando a maravilhosa cidade de Montreal, com minhas belas companheiras francesas, que jamais me menosprezavam. Comi uma certa quantidade de comida estragada! Andava caindo por toda parte, mal conseguia ficar em pé sem tropeçar para a esquerda ou para a direita. Quando voltei, ainda estava muito fraco. Não conseguia descer escadas sem segurar no corrimão! Fui ao médico e ele me receitou uns remédios. Prescreveu um descanso de uma semana. Uma semana se passou e continuava caindo. Foi quando o médico disse que eu tinha alguma coisa mais de errado além de simples intoxicação alimentar!
Fiquei muito assustado! Não sabia o que eu tinha de errado. Pensava que iria morrer dentro de um ano! A maioria dos meus parentes tinham morrido de câncer. Aquilo era o que estava em minha mente! Quando voltei para a escola, distanciei-me de todo mundo. Sentia-me completamente alienado e sozinho! Comecei a não sair muito de casa. Rejeitado por meus colegas, era jogado para fora do barco para nadar por conta própria (ainda bem que sou bom nadador...)!
Quando finalmente fui diagnosticado, quatro longos meses mais tarde, com ataxia de Friedreich, senti-me até meio aliviado por saber que não estava morrendo, adquiri certo otimismo. Um dia saí para caminhar com um vizinho meu amigo. Um carro da polícia passou por perto e depois retornou. Um policial aproximou-se da gente e perguntou se tínhamos alguma coisa para beber. Eram 4 horas da tarde e meu amigo respondeu sarcasticamente: "Ainda não". O policial olhou para mim e disse: "Acho que vocês começaram muito cedo". Saltou então do carro e disse que eu estava preso por estar bêbado em lugar público. Agarrou minhas mãos, me virou e me algemou. Tentei explicar, mas ele apertou ainda mais as algemas. Na verdade, eu realmente parecia estar bêbado e você pode imaginar o que é tentar explicar ataxia de Friedreich para um guarda? Com certeza ele pensaria que você estava realmente bêbado ou intoxicado.
Desnecessário dizer que depois desse incidente não ousei sair outra vez. Tinha receio de meus colegas e agora de minha comunidade. Não fui à cerimônia de colação de grau; ainda hoje me arrependo disso... Sinto-me como se tivesse pulado uma parte do meu crescimento... Naquele tempo eu pensava: Oh! Bem, a vida é assim...
Durante aproximadamente dois anos minha rotina diária era assim: levantava ao meio-dia, assistia ao noticiário e almoçava, dava um cochilo até às 3 horas da tarde, assistia aos "talk shows" (Ophra, Donahue, Sally Jesse Rafael) até às 5 horas, outro cochilo até as seis. Depois jantava, dormia até às 8 horas, assistia filmes até 4 ou 5 horas da madrugada! Em minha própria prisão, mantinha uma dieta de um pacote de batatas fritas tamanho família e 2 litros de coca por dia! Sofria com baixa estima e profunda depressão. Pensava apenas que seria assim para o resto de minha vida!
Tudo aquilo mudou quando meu neurologista indicou-me o centro de reabilitação G F Strong Rehab, em Vancouver, Canadá. Eles têm amplos serviços de fisioterapia, reabilitação da coluna e muitos outros. Era meu primeiro contato com portadores de deficiência, pessoas com as quais podia me identificar, embora de forma muito relutante no princípio. Quando estive lá pela primeira vez, pensei: "Nunca serei como estas pessoas. Nunca usarei uma cadeira de rodas, de jeito nenhum!" Ainda não aceitava minha condição, mas, com o passar do tempo, fui conhecendo mais pessoas com deficiências e outras sem. Tornei-me mais confortável comigo mesmo e com a ataxia de Friedreich!
Comecei a faculdade há mais ou menos três anos. Fiz um semestre de inglês para ingressar no curso de Jornalismo na faculdade de Kwantlen em Richmond (onde moro, a cidade fica bem ao lado de Vancouver, Canadá). Hoje, felizmente, sou formado em Jornalismo e estou procurando trabalho na imprensa. Também realizo trabalho voluntário para o Conselho de Deficientes de Richmond (RCD), ajudando a criar sites, desenvolvendo trabalhos de relações públicas e escrevendo. Estou também ajudando a organizar um texto de conscientização contra a AIDS, em Richmond, para sete de setembro.
Na faculdade, senti que os alunos e professores eram mais interativos comigo. Sentia-me mais gente, ao invés de um simples deficiente. Não sei bem o porquê, talvez lá as pessoas desejem realmente aprender, enquanto na escola se é obrigado a aprender. Ou talvez porque são mais maduros. O que sei é que pude fazer mais amigos e aumentar minha vida social! Antes da faculdade, nunca tinha levado uma garota em minha casa, minha irmã certa vez até levantou a hipótese de eu ser gay! Hehehe, não que eu tenha algo contra os gays, só que eu não sou! Bem, com certeza não sou nenhum galã! Longe disso, mas certamente tenho mais companhias femininas agora.
Ao invés de tentar esconder minha deficiência, logo que encontro alguém, tento explicar o que eu tenho (ataxia de Friedreich). Sei que dizer é mais fácil do que fazer. Quando você está em uma cadeira de rodas, as pessoas sabem que você é deficiente, já desperta a atenção delas. É só uma questão de explicar o porquê. Mas se você estiver cambaleando por aí, vão imaginar que você está bêbado!
Ainda tenho certa dificuldade quando encontro colegas da escola para explicar-lhes por que estou em uma cadeira de rodas. Em vez disso, se for mulher, apenas peço para fazer sexo, (não!, estou brincando, só queria ver se você estava atento!).
Acho que a melhor coisa para aqueles que estão crescendo com ataxia de Friedreich é ser aberto com as pessoas sobre sua ataxia. Contar a seus companheiros, professores, família e amigos sobre ela. Dessa forma, não precisam ficar se preocupando em escondê-la. Isto é auto-destrutivo, ou seja, ficar escondido dentro de casa. Sei que é mais fácil dizer do que fazer! Realmente, reconheço que ter contato com outros deficientes pode ajudar. As pessoas que trabalham com deficientes são muitas vezes de grande ajuda. Hoje tenho alguns bons amigos que são cuidadores.
Espero que esta minha pequena biografia ajude algumas pessoas a conviver com a ataxia de Friedreich e a tornar sua vida pessoal um pouco melhor!
Tenho uma homepage em http://mypage.direct.ca/s/slogan/me.html com fotos minhas, da minha família e dos meus amigos. Certo, sei que sou um pouco narcisista, mas, por favor, se você tiver tempo, visite-a e assine meu livro de visitas no final da página.
Shawn
Vancouver, Canadá


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