Gerência científica, robotização e toyotismo:
mudanças no mundo do trabalho

Adauto Damásio
 

RESUMO
        O presente texto discute as transformações contemporâneas no mundo do trabalho, orientadas pela análise das obras de Braverman e Antunes. Preocupa-se, centralmente, em expor o processo histórico que deu origem à chamada gerência científica na experiência taylorista/fordista e suas conseqüências para o processo produtivo, caminhando em direção de suas mudanças com o surgimento do toyotismo, além de procurar explorar as principais contradições e limites do processo de transferência do eixo econômico do setor industrial para o setor de serviços, conseqüência da consecução da nova forma de organização do trabalho toyotista ancorada nas novas tecnologias industriais.
 
 

1. Introdução

        As recentes transformações no universo da produção de mercadorias trouxeram consigo novas perspectivas no mundo do trabalho em todo o planeta. Impulsionada pelo projeto de mundialização da economia, e ao mesmo tempo sendo a principal causa desta, a robotização da produção industrial parece tornar finalmente possível um antigo sonho da humanidade: o de viver sem o peso das conseqüências do pecado original.

        Falamos hoje em globalização de forma pacífica, desdenhando as antigas barreiras comerciais, desprezando o saudosismo de setores empresariais que insistem em solicitar a proteção do Estado para suas atividades industriais e nos regozijamos com a perspectiva de uma completa integração econômica entre todos os países do mundo, com a perspectiva de criação de um único e gigantesco mercado: um grande mercado global onde um consumidor do interior do Piauí poderá comprar desde uma peça do rico artesanato de uma comunidade primitiva australiana até artefatos de couro produzido pelos descendentes de mongóis da Ásia Central. Claro que, num futuro próximo, poderemos comprar pela Internet todos estes produtos de primeira necessidade.
        A globalização trouxe consigo também a necessidade de adequar os meios de produção e a força de trabalho aos novos tempos, reduzindo custos de produção, melhorando a qualidade do produto final e investindo de forma corajosa em novas tecnologias e novas formas de organização do trabalho. O problema do desemprego estrutural, fruto da redução da mão-de-obra empregada na indústria, parece ser tranqüilamente superado pela absorção desta mão-de-obra pelas várias atividades espalhadas no setor terciário da economia, o denominado setor de serviços. O trabalho, entendido como o processo de enfrentamento e domínio do homem sobre a natureza, parece estar sendo superado. Um número reduzidíssimo de trabalhadores industriais, no futuro, irá zelar pelo bom funcionamento de indústrias totalmente robotizadas. Assim entendido o conceito de trabalho, estaríamos superando as conseqüências do pecado original: não precisaríamos mais trabalhar, ou seja, o homem estaria superando uma necessidade que o acompanha desde seus primórdios, a de utilizar sua força de trabalho para enfrentar, transformar e dominar a natureza. E assim, vamos todos servir deliciosos coquetéis à classe média americana e européia nas praias do Rio de Janeiro e Bahia, em tempos de Carnaval...
        É claro que a imagem de todo este processo carece de maior reflexão. Este artigo não terá por objetivo discutir o processo de mundialização da economia, mas sim, por um lado, expor, sob a forma de resenha da obra clássica de Harry Braverman, Trabalho e Capital Monopolista, o processo histórico que resultou na adoção dos denominados novos processos de produção, agora ancorados pela robotização industrial, recuperando o sentido original da gerência e suas reformulações. Partimos do pressuposto de que são as transformações no mundo da produção industrial, dentro das necessidades do capitalismo dos países centrais, que determinaram o processo de mundialização da economia e não o contrário; ou seja, é o alcance de um novo patamar de crescimento industrial nos países capitalistas centrais que determinaram uma nova forma de relação entre estes e os periféricos. Por outro lado, pretende também expor as principais contradições e limites do processo de transferência do eixo econômico do setor industrial para o setor de serviços, utilizando a obra de Ricardo Antunes, Adeus ao Trabalho?.

 

2. Trabalho e capitalismo industrial

        Braverman inicia seu estudo procurando refletir sobre o conceito de trabalho. O trabalho como atividade proposital, orientado pela inteligência, é produto especial da espécie humana. Todas as formas de vida desempenham atividades com o propósito de apoderar-se de produtos naturais em seu próprio proveito. Mas apoderar-se desses materiais da natureza tal como são não é trabalho; o trabalho é uma atividade que altera o estado natural desses materiais para melhorar sua utilidade. Pássaros, castores e abelhas realizam, por assim dizer, trabalho e a espécie humana partilha com esses animais a atividade de atuar sobre a natureza de modo a transformá-la para melhor satisfazer suas necessidades.
        Porém, o que importa quanto aos seres humanos, não é a sua semelhança com o trabalho de outros animais, mas sim as diferenças essenciais que o distinguem como diametralmente oposto. Apesar da abelha deixar envergonhados muitos arquitetos, o que distingue  o pior arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto figura na mente sua construção antes de transformá-la. No fim do processo do trabalho, aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante de seu modo de operar e ao qual tem que subordinar sua vontade. O trabalho humano é consciente e proposital, ao passo que o trabalho dos outros animais é instintivo.
        No trabalho humano, o mecanismo regulador é o poder do pensamento conceitual. É claro que alguns animais tem a capacidade de aprender, mas a diferença em termos de grau de capacidade de aprendizado é imensa. Além disso, os animais não tem a capacidade de manipular representações simbólicas, sobretudo sob a forma de uma linguagem articulada. E sem linguagem articulada, não há possibilidade de continuidade da experiência e, portanto, não há possibilidade de haver cultura.
        De forma análoga, a própria espécie humana é produto do trabalho. O trabalho que ultrapassa a mera atividade instintiva é, assim,  a força que criou a espécie humana e a força pela qual a humanidade criou o mundo como o conhecemos. A possibilidade de todas as diversas formas sociais depende, em última análise, desta característica do trabalho humano. Isto se diferencia do mundo dos animais, pois entre os seres humanos, a unidade de concepção e execução pode ser dissolvida, ou seja, uma pessoa pode conceber uma idéia e ela pode ser executada por outra.
        A produção capitalista exige, como condição de sua existência, o intercâmbio de relações, mercadorias e dinheiro, mas sua diferença específica é a compra e venda da força de trabalho. No processo histórico que criou as condições para que isso ocorresse, nos primórdios da Revolução Industrial na Inglaterra, foi preciso que três coisas básicas ocorressem: 1) a separação dos trabalhadores e os meios de produção, obrigando os trabalhadores, antigos artesãos e camponeses expropriados da terra, a terem acesso a eles apenas por meio da venda de sua força de trabalho ao capitalista; 2) os trabalhadores deveriam estar livres das constrições legais, típicas de épocas anteriores à Revolução Industrial, tais como servidão ou escravidão, que os impedem de dispor de sua força de trabalho; 3) o propósito do emprego do trabalhador tornou-se a expansão de uma unidade de capital pertencente ao empregador, ao contrário do propósito do emprego dos servos ao longo do feudalismo europeu ou dos escravos na Antigüidade Clássica.
        É fundamental destacar que tais transformações, assim como as pré-condições para a produção capitalista, não ocorreram senão dentro de um processo histórico específico, qual seja, aquele que correntemente denominamos Revolução Industrial, a partir de 1760, na Inglaterra. O trabalhador faz o contrato porque as condições sociais não lhe dão outra alternativa para ganhar a vida, na medida em que alteram-se as relações de poder entre as antigas classes proprietárias e a classe social em ascensão, a burguesia industrial; esta alteração nas relações de poder, dentro da lógica dos Estados Nacionais Modernos pós-mercantilismo, garante a supremacia dos interesses burgueses sobre outros e impõe um processo de mudanças que lhes dará condições de dispor da mão-de-obra necessária para a consecução de seus objetivos: é a destruição das antigas Corporações de Ofício medievais e a expulsão dos camponeses da terra (os enclosures, na Inglaterra), provocando o êxodo rural. O empregador, por outro lado, é o possuidor de uma unidade de capital que ele se esforça por ampliar e para isso converte parte dele em salário. O processo de trabalho é, assim, dominado e modelado pela acumulação de capital.
        Sendo o trabalho uma propriedade inalienável do indivíduo humano, o trabalhador não entrega ao empregador a sua capacidade de trabalho; o trabalhador a retém e o capitalista compra a força para trabalhar por um período contratado de tempo. Esta compra, ao contrário de outras, possui capacidade de trabalho indeterminada, pois está determinada pelo estado subjetivo dos trabalhadores. O trabalho executado, desta forma, será determinado por inúmeros fatores, inclusive a organização do processo e as formas de supervisão.
        O processo de trabalho, então, torna-se responsabilidade do capitalista, ao contrário do que ocorria nas guildas medievais, onde o artesão determinava o processo. Se a matéria-prima, o imóvel, as ferramentas, as maquinarias formam a parte que se pode avaliar com rigor no processo de trabalho, o tempo de trabalho não pode ser avaliado com o mesmo rigor. A parcela de capital empregada na compra de força de trabalho é a porção variável em termos de retorno de investimento do capital. Portanto, torna-se fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas. Esta transição apresenta-se na história como a alienação dos processos de produção do trabalhador; para o capitalista, apresenta-se como o problema da gerência.

 

3. Gerência científica, taylorismo e fordismo

        A forma de produção de mercadorias que hoje conhecemos, com a divisão e supervisão do trabalho que hoje temos, sempre existiu nas indústrias? Por quê o capitalista decidiu colocar os trabalhadores sob um mesmo teto para a produção de uma mercadoria, se esta não era a prática inicial do capitalismo industrial?
        O capitalismo industrial começa quando um número significativo de trabalhadores é empregado por um único capitalista. No início, o capitalista utiliza o trabalho tal como lhe vem das formas anteriores de produção, utilizando os mesmos processos de produção que eram executados no artesanato das guildas. O processo de trabalho continuava sob o domínio dos produtores. Fiandeiros, tecelões, vidreiros, oleiros, entre outros, continuavam a exercer no emprego do capitalista os ofícios produtivos que executavam como diaristas nas guildas e como artesãos independentes.
        Tão logo os produtores foram reunidos em oficinas para trabalhar para um capitalista surgiu o problema da gerência em forma rudimentar. Em primeiro lugar, surgiram as funções da gerência em função do próprio exercício do trabalho cooperativo, que exige coordenação em termos de ordenar as operações, centralizar o suprimento de materiais, escalonamento de prioridades, atribuição de funções, manutenção de registro de custos, folhas de pagamento. Em segundo lugar, empresas como estaleiros e fábricas de viaturas exigiam a mistura relativamente complicada de diferentes tipos de trabalho. Após as primeiras indústrias que surgiram, foram aparecendo outras (refinarias de açúcar, fábricas de sabão, destilarias etc.) que exigiam funções de concepção e coordenação que na indústria capitalista assumiu a forma de gerência.
        O capitalista assumiu essas funções como gerente em virtude de sua propriedade do capital. Nas relações capitalistas de troca, o tempo dos trabalhadores assalariados era propriedade dele tanto quanto a matéria-prima. No início isso não era reconhecido, pois os processos de produção comuns ao modo feudal e corporativo de produção (como as guildas, as regras de aprendizado e os estatutos legais) persistiram por algum tempo.
        As primeiras fases do capitalismo foi caracterizada por um continuado esforço do capitalista para desconsiderar a diferença entre a força de trabalho e o trabalho que pode ser obtido dela. Essa prática assumiu a forma de uma grande variedade de sistemas de produção. Nesse sentido, existiram as práticas do trabalho domiciliar e da subcontratação de trabalhadores. A característica central desses sistemas era que não havia controle sobre o processo de trabalho. O trabalhador continuava a ser “dono de seu próprio tempo”. Como conseqüência, havia os problemas da irregularidade da produção, perdas de material em trânsito e desfalques, lentidão na fabricação, falta de uniformidade e rigor na qualidade do produto. Mas principalmente, eram limitados por sua incapacidade de transformar os processos de produção, limitando o aumento da produção ao aumento do tempo de trabalho comprado e impedindo uma maior divisão do trabalho.
        O controle de turmas grandes de trabalhadores antecede de muito à época burguesa. A prova disto são as pirâmides, a Muralha da China, as redes de estrada, os canais de irrigação e aquedutos, arenas, monumentos, catedrais, etc. Também existiam formas de divisão do trabalho nas oficinas que produziam armas para o exército romano, onde o trabalho era assalariado. No entanto, nos casos citados, a produção era feita sob condições escravistas ou outras formas de trabalho cativo, a tecnologia era estacionária e havia a ausência da necessidade capitalista de expandir cada unidade de capital empregado e, deste modo, era marcadamente diferente da administração capitalista. A forma de administrar do capitalista é historicamente nova.
        Houve outros precedentes para a forma de administrar do capitalista industrial, como por exemplo, as empresas mercantis e as plantations agrícolas coloniais. O capitalismo industrial inventou o sistema italiano de contabilidade e as plantations agrícolas coloniais proporcionaram a experiência de uma rotina supervisora bem desenvolvida.
        O controle sem centralização do emprego era certamente muito difícil e, assim, o requisito para a gerência era a reunião dos trabalhadores sob um mesmo teto. O primeiro efeito de tal mudança era impor aos trabalhadores horas regulares de trabalho. O segundo efeito de tal mudança foi a criação de formas rígidas e despóticas de gerência para habituar os empregados às suas tarefas e mantê-los trabalhando durante dias e anos. Não podemos esquecer de lembrar que o nascimento da idéia de educação e de escola tal como a conhecemos hoje é produto da própria Revolução Industrial e que houve uma associação arquitetônica profunda entre as fábricas e os reformatórios, prisões e orfanatos. Compulsões legais e uma estrutura informal de castigos no seio da fábrica foram ampliadas para o maior controle dos trabalhadores. Para completar, temos a própria origem do termo to manage (administrar, gerenciar), que vem do latim manus, que significa mão. Antigamente, significava adestrar um cavalo.
        A divisão manufatureira do trabalho é o mais antigo princípio renovador do modo capitalista de produção. Esta divisão do trabalho não é, de modo algum, idêntica ao fenômeno da distribuição de tarefas, ofícios ou especialidades de produção na sociedade. Embora todas as sociedades conhecidas tenham divido seu trabalho em especialidades produtivas, nenhuma sociedade antes do capitalismo subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidade produtiva em operações limitadas. Esta forma de divisão do trabalho tornou-se generalizada apenas com o capitalismo.
        Nas sociedades primitivas, com a exceção de algumas atividades, não há divisão de tarefas dentro dos ofícios. Nessas sociedades, homens e mulheres não dividem as distintas operações na feitura de cada produto. Esta forma de divisão de trabalho, onde não há divisão de tarefas dentro dos ofícios, é o que Marx chamou de divisão social do trabalho. A aranha tece, o urso pesca, o castor constrói diques e casas, mas o homem é simultaneamente tecelão, pescador, construtor e mil outras coisas combinadas de um modo que logo compele à divisão social de acordo com o ofício. Cada homem sozinho não consegue produzir tudo o que necessita, mas a espécie como um todo consegue através da divisão social do trabalho.
        Muito diferente disso é a divisão manufatureira do trabalho. Esta é o parcelamento dos processos dos processos implicados na feitura de um produto em numerosas operações executadas por diferentes trabalhadores. A divisão do trabalho na produção começa com a análise do processo de trabalho e a separação do trabalho da produção em seus elementos constituintes.
        Tomemos como exemplo o contador cujo trabalho é emitir letras e manter registros para futura cobrança. Ele preparará um título e lançará no livro próprio e nos assentamentos do cliente. Mas se houver centenas de títulos, o contador as juntará e levará uns ou dois dias lançando-as nas devidas contas. Esses lançamentos serão feitos diária, semanal ou mensalmente pelos totais, em vez de um por um, o que economiza enorme trabalho.
        Porém, na divisão manufatureira do trabalho, a divisão não se refere apenas à separação das operações, mas também estas operações são atribuídas a diferentes trabalhadores. É a criação do trabalho parcelado. Na produção de mercadorias, o capitalista, ao dividir o trabalho em várias operações e ao atribuir essas operações a trabalhadores diferentes, desmembra o próprio trabalhador e destrói o ofício como um processo de produção sob o controle do trabalhador e o reconstrói como um processo de produção sob o seu controle. Além disso, dividir os ofícios barateia suas partes individuais, numa sociedade baseada na compra e venda do trabalho assalariado. Isso ocorre em função da tendência de simplificação das tarefas exercidas individualmente: a mão-de-obra comprada no mercado se torna mais barata a medida em que o trabalho executado não exige que o trabalhador tenha um conhecimento integrado sobre o processo de produção de um determinado produto.
        A força de trabalho converte-se, então, em uma mercadoria. Suas utilidades são agora organizadas em função das necessidades de seus compradores, que são empregadores à procura de ampliar o valor de seu capital. É interesse especial e permanente destes compradores baratear sua mercadoria. O modo mais fácil de barateá-la é fracioná-la nos seus elementos mais simples.
        Assim, a gerência científica é o empenho no sentido de aplicar os métodos da ciência aos problemas complexos e crescentes no controle do trabalho nas empresas capitalistas em rápida expansão. Não é exatamente uma verdadeira ciência, na medida em que seus suas pressuposições refletem nada mais do que a perspectiva do capitalismo com respeito às condições de produção. Ela parte não do ponto de vista humano, mas do ponto de vista da gerência de uma força de trabalho refratária no quadro de relações sociais antagônicas. Não investiga a origem deste antagonismo, mas a aceita como condição “natural”.
        Frederick Winslow Taylor foi um dos primeiros a se ocupar com os fundamentos da organização dos processos de trabalho e do controle sobre eles. Ele não se preocupou com os aspectos tecnológicos da produção, mas sim com a resposta ao problema específico de como melhor controlar o trabalho alienado. O conceito de controle é o aspecto essencial da formulação de Taylor. Antes de Taylor, o capitalista preocupou-se em reunir os trabalhadores sob um mesmo teto, fixar a jornada de trabalho e supervisionar os trabalhadores para garantir a aplicação diligente, intensa e ininterrupta, além de executar normas contra distrações (conversa, fumo, etc...) no ambiente de trabalho.
        Toda a obra de Taylor caminha no sentido de demonstrar que a necessidade absoluta da gerência adequada é impor ao trabalhador uma maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. O trabalhador não pode ter nenhuma decisão sobre seu trabalho. O gerente deve efetuar o controle do modo concreto de execução de toda atividade no trabalho, desde a mais simples à mais complicada. A gerência deve reunir todo o conhecimento tradicional que no passado foi possuído pelos trabalhadores e classificá-los, tabulá-los, reduzindo esse conhecimento à regras, leis e fórmulas. Todo trabalho cerebral deve ser banido do local da produção e centrado no departamento de planejamento ou projeto. O propósito do estudo do trabalho nunca é robustecer a capacidade do trabalhador, concentrar no trabalhador maior capacidade científica ou elevar o trabalhador ao nível das técnicas empreendidas na produção, mas sim baratear o trabalhador ao diminuir seu preparo e aumentar sua produção. A gerência científica implica em preparar as tarefas e sua execução, especificando não só o que deve ser feito mas também como deve ser feito. Se o primeiro princípio é o recolhimento do conhecimento entre os trabalhadores sobre as formas de produção, o terceiro é a utilização deste monopólio de conhecimento para controlar cada fase do processo de trabalho e seu modo de produção.
        As conseqüências da aplicação da gerência científica sobre os trabalhadores são várias. A separação de trabalho mental e manual reduz a necessidade de trabalhadores diretamente na produção, já que o trabalho mental passa para outros funcionários da empresa. A conseqüência inexorável da separação entre concepção e execução é que o processo de trabalho é dividido em locais distintos e em distintos grupos de trabalhadores. Num local, um grupo de trabalhadores executa os processos físicos da produção e em outro local outro grupo de trabalhadores concebe previamente as atividades antes delas serem postas em movimento. Todo o trabalho de planejamento, que antes era feito pelo próprio artesão, é agora feito por um setor de planejamento ou processos. Ambos continuam sendo necessários à produção. Assim, o processo de trabalho retém sua unidade. Os trabalhadores que se especializam no planejamento e processos continuam sob a vigilância do capitalista, através de uma hierarquia de poder no interior da empresa. A tendência é de proletarização dos trabalhadores em planejamento e processos e dos trabalhadores em escritórios em geral, na medida em que suas próprias tarefas cotidianas também são objeto do gerenciamento científico, transformando a própria tarefa de planejar e controlar a produção como destituídos do vínculo entre trabalho e conhecimento. O trabalhador, enfim, se vê destituído do conhecimento que era característico do artesão típico da pré-revolução industrial.
        Tal processo histórico, que fez predominar na indústria capitalista os processos de produção inspirados no taylorismo, assumiu sua forma mais desenvolvida e sofisticada com o fordismo, processo produtivo hegemônico ao longo de grande parte do século XX, cujos elementos constitutivos básicos são a produção em massa através da linha de montagem, o controle do tempo e movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série taylorista, pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação de funções, pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho, pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril.

 

4. Toyotismo, conseqüências e limites

        Porém, a partir da crise do fordismo nos anos 70, uma nova experiência no mundo da produção, surgida a partir da experiência japonesa, se espalhou pelo mundo, acarretando enormes conseqüências para o mundo do trabalho: o toyotismo. Devemos destacar suas características básicas. A produção é voltada e conduzida diretamente pela demanda, determinando a existência do estoque mínimo, onde o aproveitamento do tempo da produção é garantido pelo just in time e onde a reposição dos estoques é feita após a venda, utilizando-se o kanban. A relação uma máquina/um homem, característica do fordismo, deixa de existir, pois é preciso que a produção se assente em um processo mais flexível, que permita que um trabalhador opere várias máquinas automatizadas. O trabalho passa a ser realizado em equipe, rompendo-se com o parcelamento típico do fordismo. Ao contrário da verticalização fordista, verificamos uma horizontalização das empresas. Observa-se a intensificação da exploração do trabalho, na medida em que ocorre uma intensificação do ritmo produtivo do trabalho. Por último, a flexibilização do aparato produtivo torna necessário a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, de modo a dispor dessa força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor.
        Antunes ressalta que a referida diminuição entre elaboração e execução, entre concepção e produção do modelo toyotista só é possível porque é realizado no universo restrito e rigorosamente concebido do sistema produtor de mercadorias, do processo de criação e valorização do capital. Dessa forma, não é possível entender o toyotismo como uma nova forma de organização societária e acreditar que a diminuição das hierarquias, a redução do despotismo fabril, a maior participação do trabalhador na concepção do processo produtivo possa ser entendido como o rompimento do paradigma taylorista, no sentido de que possa promover a supressão da alienação do processo produtivo. Nasce com o toyotismo uma variação do conceito de gerência taylorista, substituindo a lógica despótica por uma lógica mais consensual, mais envolvente, mais participativa; para Antunes, uma lógica mais manipulatória.
        Do ponto de vista da utilização de mão-de-obra, observa-se uma processualidade contraditória. Por um lado, verifica-se a desproletarização do trabalho industrial, cuja conseqüência é o desemprego estrutural, aumentando o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços, incorporando o trabalho feminino e excluindo os mais velhos e os mais jovens, contribuindo para uma maior heterogeinização e complexificação da classe trabalhadora.
        Por outro lado, a subproletarização do trabalho ganha força pela utilização do trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, terceirizado, vinculados à economia informal, entre tantas outras modalidades. Essas diversas categorias de trabalho têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração, a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a conseqüente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência da proteção e expressão sindicais.
        Além disso, ocorre a tendência de efetivação de um intenso processo de assalariamento dos setores médios, decorrente da expansão do setor de serviços. Essa tendência permite que muitos autores passem a caracterizar as sociedades ocidentais cada vez mais como “sociedade de serviços”. Porém, ao contrário das teses hegemônicas sobre o tema, Antunes ressalta que isso não as qualifica como sociedades pós-industriais ou pós-capitalistas, uma vez que se mantém o caráter improdutivo, no sentido da produção global capitalista, da maioria dos serviços, não se tratando de acumulação de capital autônomo, pois o setor de serviços continua dependente da acumulação industrial e da capacidade das industriais realizar mais-valia nos mercados mundiais.
        Outra conseqüência no interior da classe trabalhadora vai se processando na medida em que ocorre uma redução quantitativa do operariado industrial, provocada pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, pela redução da porção variável do capital, ou ainda, pela substituição do trabalho humano por processo robotizados de produção. Paralelamente, observa-se uma mudança na forma de ser do trabalho, na medida em que o trabalhador se aproxima da condição de supervisor e regulador do processo de produção. Porém, a plena efetivação dessa tendência está impossibilitada pela própria lógica do capital, pois enquanto perdurar o modo de produção capitalista não pode se concretizar a eliminação do trabalho como fonte criadora de valor. O que está ocorrendo, sim, é uma mudança no interior do processo de trabalho, que decorre do avanço científico e tecnológico e que se configura pelo peso crescente da dimensão mais qualificada do trabalho, pela intelectualização do trabalho social.
        O caso da fábrica automotizada japonesa Fujitsu Fanuc é citado pelo autor como exemplo: mais de quatrocentos robôs fabricam, durante 24 horas por dia, outros robôs, e nem assim o trabalho humano deixou de existir. Quatrocentos trabalhadores trabalham de forma relativamente imprevisível nas tarefas de manutenção e supervisão da produção, exemplificando a intelectualização de uma parcela da classe trabalhadora.
        Além disso, imaginar que esta tendência torne-se genérica para todo o capitalismo seria um despropósito, na medida em que acarretaria a própria destruição da economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital, pois os robôs não participam do mercado, não são nem consumidores, nem assalariados.

 

BIBLIOGRAFIA

   - Braverman, Harry. Trabalho e Capital Monopolista. 3ª ed. Rio de Janeiro; Zahar, 1981. 379 p.  Toda a explanação posterior tem como referência a obra de Braverman, especialmente os seus 5 primeiros capítulos.
  - Antunes, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. 3ª ed. São Paulo; Cortez / Campinas; Editora da Unicamp, 1995. 155p.