Artigos
"Muitas doenças têm
origem na boca"
Publicado na revista Super Saudável - publicação bimestral da
Yakult do Brasil
Edição
nº 16 (nov/dez 2003), pág. 8-9.
Por
Yannik D´Elboux e Martha Alves
A boca é mais do
que porta de entrada de alimentos para a subsistência humana, e
funciona também como caminho inicial para muitas doenças, inclusive
males graves que podem levar à morte. Entre os problemas que podem
surgir a partir de uma infecção bucodentária estão reumatismo
articular agudo, nefrite, artrite, gastrite e endocardite
bacteriana. De acordo com pesquisas realizadas em vários países,
inclusive no Brasil – a Faculdade de Farmácia e Odontologia de
Araraquara realizou estudo na década de 70 e o professor P. Lepoivre
fez pesquisa na França na década de 60 – 38% dos indivíduos
portadores de endocardite bacteriana ou que morreram em consequência
da doença tinham origem em infecções bucodentárias. Já a cárie e as
periodontopatias – doenças dos tecidos que circundam os dentes
(gengiva, ligamento, alvéolo-dentário e osso alveolar) –, são duas
causas desencadeantes de doenças mais comuns que atingem a
população. A disseminação se dá através da circulação sangüínea e,
em alguns casos, pela deglutição de solução purulenta como, por exemplo,
no caso da gastrite.
“Grande parte
das doenças sistêmicas tem origem nas infecções bucodentárias”,
assegura Emil Adib Razuk, presidente do Conselho Regional de
Odontologia de São Paulo (Crosp). O cirurgiãodentista defende a
fluoretação das águas para a diminuição da cárie dentária, um dos
problemas mais comuns com chance de se transformar em foco
infeccioso. Segundo Emil Razuk, este método reduz em até 65% a
incidência de cáries, um índice importante porque uma cárie não
tratada pode acarretar conseqüências mais graves do que uma simples
dor de dente. “Pode evoluir para um abscesso dento-alveolar que, ao
se disseminar para o pescoço, pode atingir o coração. É uma situação
muito grave, que requer internação hospitalar, antibioticoterapia
endovenosa e cuidados
médicos intensivos, pois existe risco de vida iminente”, completa o
professor da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ), Luiz Flávio Martins Moliterno.
A endocardite,
doença que acomete o coração e pode matar, é provocada pela bactéria
Streptococcus viridans e 40% dos casos são originados tanto
por infecções de dente ou de gengiva em mau estado quanto por
manipulações de áreas infectadas para tratamento odontológico. “Essa
bactéria faz parte da flora natural da boca, mas, se penetra na
circulação, pode provocar uma bacteremia e causar endocardite. Isso
ocorre principalmente em indivíduos portadores de lesões de válvula
cardíaca e cardiopatias congênitas”, diz a professora de Saúde
Coletiva do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo (HRAC-USP), Renata Pernambuco.
Por isso, o
professor titular de Semiologia da Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo (FO-USP), Gilberto Marcucci, recomenda
que, dependendo da alteração cardíaca, o cirurgião dentista entre em
contato com o cardiologista para expor a
necessidade
do tratamento odontológico e se o momento é oportuno para a
realização, diante do estado atual da doença. “Este exemplo também
serve para outras doenças sistêmicas que o paciente for portador”,
reforça. A boa saúde bucal também é fundamental para os diabéticos,
pois uma infecção no local pode romper o equilíbrio do nível de
açúcar do sangue, provocando, por exemplo, uma hipoglicemia que
poderá trazer sérias conseqüências ao paciente.
Perigo
- O câncer bucal é outra
doença grave que pode, através da metástase, atingir diversos órgãos
do corpo. Segundo as Estimativas da Incidência e Mortalidade por
Câncer no Brasil para 2003, do Instituto Nacional de Câncer (Inca),
o câncer da cavidade oral, que compreende todo o conteúdo da boca –
de lábios até a parede posterior da orofaringe – aparece em oitavo
lugar para os homens e em nono para as mulheres. A neoplasia
representa mais de 10 mil novos casos por ano, sobretudo por causa
do câncer de lábio, que é mais freqüente em pessoas brancas e surge
principalmente no lábio inferior.
Para evitar a
doença ou diagnosticar de forma precoce, é importante que médicos e
dentistas fiquem atentos aos fatores de risco, como hábito de fumar
cachimbos
e cigarros, consumo de álcool e má higiene bucal. Uma recente
pesquisa realizada por Luciana Tibiriçá Aguilar, mestre em
diagnóstico bucal pela FO-USP, comprova a tese que a ingestão de
bebidas alcoólicas e o consumo de carnes, fritura e pimenta estão
associados com o aumento de risco de desenvolvimento da doença. Já a
dieta baseada no consumo de hortaliças está associada com proteção
em relação ao desenvolvimento do câncer bucal. O Inca orienta o
auto-exame da boca a cada seis meses para todos os indivíduos, que
devem observar se há mudança na cor da pele e das mucosas,
endurecimentos, caroços, feridas, inchaços, áreas dormentes, e
úlcera rasa, indolor e avermelhada. No caso de homens com mais de 40
anos, fumantes e que possuem dentes fraturados, a orientação é
evitar o fumo e o álcool, promover a higiene bucal, ter os dentes
tratados, realizar o auto-exame da boca e fazer uma consulta
odontológica de controle anualmente. Para prevenir o câncer de
lábio, é importante evitar a exposição ao sol sem proteção. Gilberto
Marcucci alerta que os pacientes devem procurar o dentista, de
preferência o estomatologista – especialista em doenças que acometem
a boca – em qualquer caso de alteração na mucosa bucal que não cure
em um prazo médio de 14 dias, porque existem lesões com potencial de
se transformar em câncer, como a leucoplasia e a eritroplasia, ou a
queilite actínica, que afeta o lábio inferior. “O câncer de boca tem
cura, desde que seja diagnosticado e tratado precocemente”, enfatiza
o médico da USP.
Parto
- Pesquisas apontam que
a periodontite em grávidas pode ser um possível fator de risco para
o nascimento de bebês prematuros com baixo peso. Na tese de
doutorado defendida pelo professor Luiz Flávio Moliterno, da UERJ,
com 151 mulheres – divididas em mães de bebês prematuros com baixo
peso e de bebês com idade gestacional acima de 37 semanas e peso ao
nascer de mais de 2,5 kg – a prevalência da periodontite foi de 70%
nos dois grupos. A média de peso dos bebês nascidos das mães do
primeiro grupo foi de 1,924 kg, enquanto no segundo foi de 3,261 kg.
Uma pesquisa da Universidade do Alabama, em Birmingham, nos Estados
Unidos, com duas mil grávidas, constatou que as mulheres com doença
periodontal severa têm até sete vezes mais chance de dar à luz antes
de 32 semanas.
Para evitar esse
e outros problemas odontológicos e, conseqüentemente, ter boa saúde
geral, é importante fazer alimentação balanceada, sem excesso de
açúcar; higiene bucal e visitas regulares ao dentista. Mas, no
Brasil, a situação está longe da ideal. De acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 18%
da população – cerca de 30 milhões de pessoas – nunca foi ao
dentista, e falta conscientização sobre os problemas que as
infecções bucodentárias podem acarretar. “A relação dos agravos à
saúde e os índices de mortalidade da população com problemas
dentários não estão descritos na literatura científica, nem pelos
órgãos responsáveis pelas estatísticas em saúde. Contudo, ao
analisar os dados coletados, podemos sugerir que esta relação tem
fortes chances de estar ocorrendo em elevados percentuais na
população”, afirma Renata Pernambuco.
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