Ícaro Verde-amarelo
De Alda Inacio
Crônica publicada em antologia em 1993
Classificado no concurso literário "Prêmio Goiás"

Nasceu de sete meses, dois antes do derradeiro – um ratinho – pálido, feio, parecia sem forças para resistir às agruras da vida que o esperava. O pai o carregou escada acima, degrau por degrau, até a quinta viela do morro do Boréu, pisando em ovos, delicadamente . Lá em cima, frente ao barranco onde ele habitaria pelo resto de sua vida, o pai com o filhote no colo, virou-se para o despenhadeiro, de onde se via toda a Cidade Maravilhosa e fez o pedido, como a olhar uma estrela cadente – « que o teu mais desejado sonho se realize » - e adentrou ao barraco sorrindo pelas orelhas.

Não era seu primeiro filho, outros três já haviam recebido o sumo batizado frente ao barraco e este pedido soou como os outros aos ouvidos dele mesmo. O tempo foi passando e, enquanto o menino ia crescendo, o pai cogitava apressar o dia em que o filho, finalmente, expressasse seu desejo – e quem dera fosse realizável – dado que, dos outros três, um queria ser médico, outro Presidente da República e o terceiro queria viver cem anos. – Morando na favela ? Era uma pergunta que o pai fazia constantement a si mesmo.

O menino já estava com três anos e nada de citar um desejo sequer. Todos na casa perguntavam-lhe seguidamente – o que você vai ser quando crescer ? » E o menino respondia – « não sei » - e a expressão de desolação nos rostos ao redor era gritante.

Certo dia, já crescidinho, o menino foi encontrado olhando admirado a paisagem « postálica » que se estendia à sua frente. « Papai, eu quero voar como um pássaro »

O pai viu seus pelos se arrepiarem todinhos pelo corpo afora. – Um médico, pensava ele, quem sabe uma bolsa de estudos e estava resolvido – Presidente da República, quem sabe se ganhasse na loteira, compraria todos os votos do mundo, e viver até cem anos, era só não deixar o menino exposto a tiros errantes leste-oeste-norte-sul, mas pássaro é que o menino não poderia ser mesmo.

Foram anos a fio preocupado; o pai sempre à espera do dia em que o rapazinho fosse exigir o desejo realizado.

Aconteceu no primeiro dia do ano que lá se foi. Sentado sobre uma pedra, cotovelos sobre os joelhos, mãos segurando o rosto, pensamentos perdidos ao léu. Ali o pai, a sua frente todo o oceano, as suas costas o morro e suas mazelas e sobre sua cabeça – de repente – um assobio : « Fiu,fiu » Ele ergueu-se, deitou a nuca ao ombro, assim meio de lado e não acreditou no que viu – seu menino – aquele do sonho de Ícaro, sob uma asa-delta, voando, voando…

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