Ortiga italiana e um cravo bem brasileiro

Júlio Cézar, após a catastrófica perda de todo o seu dinheiro, resolveu mudar-se do apartamento comunitário e começou a procurar um quartinho onde pudesse viver mais confiado. Ele não teve dificuldade para encontrar um lugar de moradia. Arranjou suas roupas e mudou-se deixando um recado para os antigos companheiros : se a italiana o procurasse que eles dessem a ela o novo endereço. Júlio não entendia porque a mulher desaparecera sem deixar rastro. Ela costumara vir todo sábado, enfim... Júlio mudou-se carregando uma enorme tristesa no coração. Já gostava da mulher e sentia falta dela. Mas, aquele sábado guardava muitas surpresas para Júlio que saio de casa próximo das onze horas da noite para encontrar um novo bar ou café nas vizinhanças de sua nova moradia. Não poderia continuar amuado esperando que a italiana viesse dar a ele um pouco de carinho. Júlio saio a andar pelas ruas olhando um e outro bar a ver se encontrava uma cara conhecida ou um lugar mais acolhedor. Não andou muito longe. Três quarteirões depois chamou-lhe a atenção aquele carro branco de faróis acesos que impediam ver quem estava do lado de dentro, mas, por simples curiosidade, Júlio firmou o olhar quando passou rente à porta direita do carro e percebeu que havia uma agitação dentro deste. Duas pessoas se agarravam e não parecia um idílio amoroso. Júlio parou e escutou uma voz de mulher gritar : socorro ! No mesmo instante a outra pessoa sentada no banco da direita abriu a porta e saiu para fora com uma faca na mão. Júlio deu três passos de encontro a parede meio assustado, e o homem, saído do carro, inveredou contra ele. A mulher tentava ligar o motor do carro mas este rateou uma ou duas vezes, tempo suficiente para Júlio esquivar-se do indivíduo que investira contra ele e ver claramente a pessoa que estava no volante : a italiana. Foi um pequeno instante que valeu por uma longa hora. Os pensamentos na cabeça de Júlio vieram todos de uma vez. A italiana nunca tivera dinheiro para comprar um carro. O seu próprio dinheiro desaparecera e a italiana… Não era possível ! Na verdade não precisava ser um gênio para ligar uma coisa com outra. Uma pausa de reflexão e o indivíduo investia contra Júlio pelas costas. A italiana desistiu de ligar o carro ao reconhecer o rosto de Júlio iluminado por outros carros que passavam na movimentada rua. Apenas um grito de dor e Júlio caiu por terra. O indivíduo, não se sabe porque, montou sobre o corpo inerte de Júlio e ergueu a faca no mesmo instante em que dois rapazes, que passavam casualmente por ali, vendo a cena, vieram conferir. Afinal, agora seriam três contra um. O indivíduo com a faca erguida, vendo os dois rapazes, levantou-se e debandou a correr. A italiana recomeçou a tentar por em marcha o carro que continuava a ratear ; os dois rapazes ajudaram Júlio a levantar-se do chão ferido no braço esquerdo. No mesmo instante em que Júlio levantou-se e encarou os dois rapazes veio-lhe à memória a lembrança do dia em que fora preso. Ali estavam os dois marroquinos pelos quais ele passara na prisão e que o cumprimentaram gentilmente naquele dia. Agora estavam ali e salvaram sua vida.

-Você conhece a mulher ? – perguntou-lhe um dos rapazes marroquinos. O carro continuava a ratear. A mulher dentro do carro nervosamente tentava fazê-lo dar a partida.

Júlio aproximou-se da porta do carro, olhou fixamente pelo vidro entre-aberto e encontrou os olhos da italiana fixos nos seus. Júlio disse aos rapazes :

- Não ! eu não conheço !

Dentro do carro continuou a mulher a insistir na partida ; o motor ronronava. Júlio passou os braços sobre os ombros dos dois marroquinos e pusseram-se a andar, os três, pela calçada deserta. Já passava da meia noite e Júlio continuava com vontade de beber um copo.