Todos os começos são difíceis para cada um destes irmãozinhos brasileiros que corajosamente vêm para Bruxelas. Eles vem sem conhecimento prévio da língua, com raras excesões. A grande maioria vem iludida por outros brasileiros que retornam ao Brasil de férias e deixam lá um rastro de falsas palavras. Contam muitas vantagens positivas. Dizem que ganham muito bem, multiplicam os valores reais, não relatam o lado negativo, desumano, o sofrimento e assim iludem outros tantos que acabam vindo parar na Europa. Os pretendentes a habitar neste paraíso esbarram nas dificuldades provenientes do desaviso e acabam em uma solidão angustiante e insuportável que os obriga a voltar, esquecendo a vitória, que é o objetivo do sonho de cada um.
_____________________________Eloi, acostumado com o trabalho braçal, tornou-se radiante com a possibilidade de ser garçon de dancing. Ele preparou-se muito bem para o primeiro dia de trabalho. Vestiu o melhor terno que tinha ; passou o channel que comprou logo ao chegar em Bruxelas, ajeitou a gravata e saiu satisfeito, despedindo-se dos amigos de quarto que desejaram boa sorte no primeiro dia de luta real.
O Tram não demorou a chegar. Aliás, os coletivos da cidade trabalham dentro de horários estipulados e são pontualíssimos.
Eloi queria estar no dancing em cima da hora marcada com o proprietário. Ele não sabia exatamente qual seria o trabalho a fazer mas estava pronto para o que viesse. Já na porta do estabelecimento passou pelos musculosos homens morenos, pronunciando um boa-noite em inglês e entrando a procura do patrão. Ele o esperava atrás do balcão com um belo sorriso de boas vindas. Eloi não era bonito mas, bem arrumado, terno e gravata, tinha uma presença marcante. Loiro, como os belgas, olhos azuis, uma leve careca que no Brasil parecia feia, desbotada pela camisa de chita xadrez que de hábito ele usava. Aqui a coisa ganhava outra dimensão.
O patrão o recebeu e convidou-o a acompanhá-lo até uma pequena sala localizada ao lado do wc, no fundo do salão de shows.
Logo que os dois entraram na sala Eloi percebeu que a sala era um vestiário. O jovem patrão perguntou que número vestia e pouco depois Eloi estava com a roupa de trabalho em mãos. O patrão então fez sinal para que ele se vestisse e Eloi começou a tirar a roupa um pouco inibido.
- Ah, mas você está um tanto desajeitado, meu amigo ! – exclamou o jovem patrão impaciente.
Após brigar um pouco com as vestes, nada habituado em ficar tirando e colocando roupas diante de outro homem, Eloi estava pronto para receber os treinamentos do novo patrão.
- Uh,lá,lá ! ! – exclamou o patrão, agora vamos para o salão, completou.
>Enfim o trabalho ! Pensou Eloi, sorrindo ao atravessar o salão vazio. Eram oito da noite e não havia nenhum freguês no estabelecimento. Bom, para quem teria que aprender o ofício, era melhor sem fregueses, pensava Eloi. Mas, para surpresa de Eloi, no lugar de levar o empregado para atrás do balcão o jovem louro levou-o para o meio da pista e chegando ao centro o homem fez um gesto para Eloi aproximar-se. Este um pouco espantado andou alguns passos e ouviu outra ordem :
- Pare !
Eloi parou.
O jovem louro andou em direção do equipamento de som, ligou a música e a iluminação. Estas piscaram intermitentemente centralizadas no meio do salão. Eloi não se mexeu. Parado ficou a espera do patrão que andou para o seu lado requebrando-se conforme o rítimo da música, dizendo a Eloi :
- Acompanhe-me !
Eloi não compreendeu de imediato o que significava a expresão « acompanhe-me » e não se mexeu do lugar. O homem repetiu :
- Vamos lá ! Acompanhe-me, rapaz.
- O que… - balbuciou Eloi.
- Faça o que eu faço ! – ordenou o chefe.
- Mas… - balbuciou outra vez Eloi e sua resistência enervou o jovem que dirigiu-se à aparelhagem de som e desligou bruscamente.
-Afinal, disse ele, você vai ou não vai aprender o trabalho ? - Bem, mas o trabalho… - balbuciou outra vez Eloi.Eloi estava perplexo parado no meio da sala. Jamais em toda a sua vida ele havia pensado em trabalhar de strip-man. Que é isto, gente, ele era um gaúcho com fama de macho. Aquele homem belga estava abusando da sua boa-vontade.
O homem foi para atrás do balcão, serviu uma dose de wisk e tomou de um só gole ; ofereceu a Eloi que recusou, olhando assustado para o homem que recomeçou a falar.
- Escuta meu amigo, você é a pessoa mais indecisa que eu conheço ; tem na mão um trabalho que pode render mais de oitenta mil por mês.
Ao ouvir esta soma Eloi mudou de atitude.
- Me dá o wisk, por favor, disse sentando-se no banco diante do balcão.
-Afinal, você quer ou não quer aprender o ofício ?
- Sim ! - disse Eloi pegando o copo de bebida e, imitando o jovem, engoliu tudo de um só gole. Em seguida andou para o meio da pista e aguardou o patrão segui-lo. A música foi novamente ligada e as luzes acompanharam um requebrado desajeitado mas que prometia futuro. Eloi estava empregado.