UMA ANÁLISE MUSICAL
Agora que, em 2003, fiz esta minha página na Internet, passo em revista vários dos textos que abarrotam meu computador e me deparo com coisas que escrevi, achando que nunca seriam divulgadas, sequer lidas.
É a segunda vez que revejo o texto a seguir, escrito (a se dar crédito ao setor de informações do "word") em janeiro de 2001.
Conta uma dessas "revoltas cidadãs", que volta e meia me reaparecem.
Outro dia estava vendo a TV e ouvi alguém dizendo que Tim Maia, o Grande, definira assim o mundo: "o alemão inventa, o americano faz grande, o japonês faz pequeno, o judeu vende... e a gente compra"...
Corri ao computador e deparei-me com este texto: dois anos antes eu tinha escrito, com dezenas de palavras, aquilo que Tim sintetizara acima!
  A  história  da música deve ter  um  capítulo  dedicado aos ouvintes. Tem de ter. Afinal, como justificar a existência dos astros, dos recordes de venda,  das revistas de fofocas?  De fato, aqueles que nada tocam nem  cantam são,   na verdade,  os únicos responsáveis  pelo  imenso volume de dinheiro que circula na indústria fonográfica.
   Mas,   nos  países  subdesenvolvidos,   um  fenômeno  interessante merece,   se não um  capítulo na  História  da  Música,   ao  menos  um
parêntesis,  uma nota de ponderação,  justo no capítulo dedicado aos ouvintes.
   Dentro deste universo que chamamos cultura, a Música,  como  toda arte,   cumpre  o  papel  secundário  de  tornar melhor e  mais  bonita a existência humana. Os sons são, talvez, a arte que mais se destina a este papel coadjuvante:   serve ora para  auxiliar  o  homem  a  relaxar,  encontrar  a  sua  essência,   noutros  momentos  cumpre  o  papel  de animadora  de  festas,   fazendo-nos  dançar.   Em poucos   (falo dos ouvintes, não dos profissionais e artistas que fazem música), entretanto, assume o papel principal: é quando vamos a um concerto, a um show, e ali  dedicamos  algumas  horas de nossas vidas apenas para ouvir  -  e pagamos para isto.
   Com o desenvolvimento tecnólogico a ciência aprendeu,  em pouco mais de cem anos, a conservar o efêmero som e torná-lo disponível a ser posteriormente reutilizado pelo ouvinte, possibilitando o surgimento da  milionária  indústria  que  acima  nos  referimos.   Dos  primitivos fonógrafos até a MP3 dos computadores, passando pelo CD com sua qualidade superior,   a música atingiu níveis de popularidade jamais vistos por qualquer outra arte.
   Quantos estilos e gostos musicais existem?  Do clássico ao jazz,  do forró ao baião, do rock ao disc, uma infinitude de nuances permeia as ondas sonoras que multiplicam as sete notas. Há gostos para tudo: até para coisas de gosto muitíssimo duvidoso.
   Ora, desde que os gregos colocaram o vinho na posição de deus, criando Baco  -  que os homens apreciam o ato de beber enquanto dialogam. A atividade socializante proporcionada pelo álcool engendrou o fato social do botequim, em suas mais amplas categorias que vão desde a mais sórdida biboca aos chiques
american bar...
   No Brasil, país de rica musicalidade, e profícuo em bares, a combina-ção de ambos rendeu uma grande prole: Baco e Música fizeram o sam-ba, o sambão, o pagode, a música de dor-de-cotovelo, etc.   A alegria tomou conta e virou carnaval.   Mas,  mesmo nestes casos,  como nos shows pagos, vale a regra do vai-quem-quer.
   Aproveitando a tecnologia, coisa que sempre vem dos países desen-volvidos, mais e mais maquininhas sonoras são produzidas. São todas estrangeiras,  assim como os automóveis,  as empresas fonográficas, etc.
   Juntando todas estas coisas num país pobre como nosso Brasil, onde a maioria da população recebeu lá de fora a interessante qualificação de
analfabeta funcional - ou seja, sabe ler as palavras mas não têm a menor idéia do que significam - acontece algo que só pode ser mais um fruto, não da burrice das pessoas, mas do processo de burrificação em curso por parte dos que imaginam lucrar com isto: jovens que não tiveram a chance de compreender que as pessoas valem pelo que são, adquirem a penosos sacrifícios automóveis produzidos por inteligentes americanos, japoneses e europeus, compram caros CD Players de indústrias de ponta localizadas todas no hemisfério norte do planeta, abastecem de CDs piratas de espertos coreanos e chineses, vão para as portas de botecos bem brasileiros, ligam ao máximo aquilo que chamam de música (há gosto pra tudo, lembram?), ignoram a mais básica e elementar regra de Justiça que diz "o direito de um termina onde começa o alheio direito", sentam-se para tomar umas "cervas" geladas, ficam ali sem conversar nada (porque é impossível conversar com tal barulham), olham para os lados a fim de verificar se estão sendo notados em sua existência anônima e estéril, e dão-se por satisfeitos quando as pessoas viram-se na sua direção para ver quem as está deseducadamente incomodando.
  
É o triste caso em que a música torna-se não mais a coadjuvante, mas atriz principal do pior drama que regista a História: a ignorância, corroendo os tímpanos e os cérebros da juventude (e de gente nem tão jovem, mas igualmente pueril).
  
   Toda vez que vemos o fato se repetir, tristemente de forma mais comum e freqüente, resta-nos apenas repetir, sem sermos ouvidos, ante tanto barulho:
Como são inteligentes esses americanos. Como são burros
esses brasileiros...
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André Koehne - opiniào - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem ao Autor.