 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
|
|
VI. A KOMBI-NAÇÃO |
|
|
|
Antes de narrar os casos de nossa Kombi restaurada, queria contar que devo a este grande amigo Gilson o fato de saber dirigir.
Eu estava perto dos dezoito anos, e ainda não sabia guiar, uma heresia numa cidade pequena, longe dos códigos de trânsito que, aliás, naqueles tempos pré-históricos, parecia nem existir no país inteiro. Meu pai, muito nervoso, tinha sido descartado como professor, e eu continuava um ignorante automotivo. Vi no companheiro o lente ideal, apesar de mais novo que eu. Foi numa outra Kombi, de meu pai, que tive as primeiras aulas. |
|
 |
|
|
|
|
|
|
O professor não poderia ser melhor: sentava-se do lado e ficava mudo. Só depois de fazer as besteiras é que ele me dizia como deveria ter agido...
Uma vez, passando pelo Parque das Árvores, um caminhão manobrava ocupando toda a pista. Fixei os olhos no obstáculo, deduzindo que este iria liberar o lado direito da pista. Assim, coloquei o carro beirando ao máximo o meio-fio deste lado, sem encostar, o olhar vidrado adiante. Tudo certo, com grande habilidade, passei pelo caminhão sem arranhar no passeio. Feliz da vida com minha proeza e habilidade, virei-me para o mestre, perguntando: "Viu só, Gilson, como fiz direito?"
Para minha surpresa ele estava com a cabeça abaixada, segurando-a com as mãos, como quem tivesse visto algo muito ruim. O que poderia ser, diacho, eu não tinha me superado? Com o polegar, sem erguer a cabeça, ele indicou: "Olhe para trás e veja o que você fez..."
Voltei o rosto e vi, deitados na calçada: uma mulher com uma criança no colo, um homem e um menino. O quê?! Como?! Por que?!
Só então ele conseguiu me explicar que o casal e os filhos andavam beirando a sarjeta - a mesma que eu margeara destramente sem tocar a roda - e se jogaram ao chão para não serem atropelados. Lição 412: "olhe tudo à sua volta"
PARTE UM: TROCANDO O PNEU A gente comprou uma garrafa de sidra. Dois playboys como aqueles, um carrão na mão, éramos os donos do mundo. Motorizados, cheirando a gasolina, ia chover mulher. Assim, fomos beber o champagne no colégio, onde certamente arrumaríamos companhia. Devia ser umas quatro horas da tarde, perto do final das aulas...
A estratégia deu certo: havia três meninas cabulando aula, e aceitaram nosso convite para um passeio. Como não cabíamos todos na cabine, e era a vez de Gilson pilotar o carro - a gente se revezava para matar o vício de dirigir - então fui com uma das garotas para a carroceria. Dizem as más línguas que tínhamos colocado um colchão ali. Honestamente, não me recordo deste detalhe, sei apenas que ficamos juntinhos, deitados... bom, enquanto o capitão Boli conduzia a aeronave.
Apenas um parêntesis: a Kombi restaurada pulava tanto que nossa amiga Dinha a apelidara de Pogo-ball, numa referência ao brinquedo pula-pula da época (vou revelar mais um segredo: Gilson tinha um pogo-ball)
Com tanta vibração, deitar acompanhado ali atrás me pareceu estar no céu. Descíamos a rua Barão de Caetité quando o carro parou. Passaram-se alguns minutos e ouvi a voz de Gilson: _Isso, coloca do lado. Agora dá uma viradinha, assim... isso, muito bem... Não, tem de enfiar de baixo... aí... bem colocado!
Ainda era dia claro, aquela conversa me pareceu muito estranha. Pedi licença à companheira e levantei a cabeça para entender o que estava ocorrendo, e deparei-me com o Boli tranqüilo, deitado na calçada, passando instruções para as duas garotas...
Tinha furado um pneu, e ele convencera as meninas que elas tinham de aprender a cuidar dum carro, e estava dando a primeira aula prática. Foi o cara mais folgado que já vi! O pior foi que as duas fizeram o serviço completo!
PARTE DOIS - RISCO DE VIDA É mesmo um milagre entender não só como sobrevivemos à Kombi, mas saber como Caetité sobreviveu a ela! Todo o tempo que rodamos, nenhuma vítima foi feita... em termos...
Certa feita o Bolivar exigiu que era a sua vez de guiar o carro. Tudo bem que ele estava passando um período meio de pindaíba, sem poder contribuir com a gasolina, mas cedi. Se no começo, quando a restauração do ferro-velho ainda estava recente, com os apetrechos funcionando, com o tempo foi-se quebrando tudo o que a gente tinha colocado: buzina, que é bom, nada. Assim, com o pogoball tão deficitário, lá fomos nós, guiados por Gilson, para o colégio.
Passamos pelo portão do IEAT (Instituto de Educação Anísio Teixeira), a partir do qual o caminho era de terra, um cascalho vagabundo que tinham colocado para minimizar a erosão. Já junto ao prédio, coincidiu que havia terminado uma aula, e alguns alunos saíam do prédio. Gilson, motorista tarimbado, colocou a cara pra fora e fez: FOM-FOMMM
Um rapaz vinha apressado, olhando para os colegas que vinham atrás, e não obedeceu ao alerta de tão esdrúxula buzina. Bateu do lado da porta do motorista, foi girando por toda a carroceria como um peão, até estatelar-se no chão poeirento. Com o susto, briguei com o colega, chamando-o de barbeiro, ao que tranqüilo respondeu: "Não tive culpa: eu buzinei!" |
|
|
|
Eu, na frente da casa de Jeanne, a namorada (Caetité, lá em baixo): |
|
|
|
Arranjei uma namorada no alto da rua Paramirim, a mais acentuada ladeira de Caetité. Graças à Kombi, a gente vivia na casa dela, Jeanne. Era um namoro muito sério, com o consentimento da família. Por causa do aclive exagerado, tinha de deixar a Kombi muito bem calçada para não descer sozinha - como volta e meia temos notícia de que acontece - pois o carrinho não tinha freio-de-mão... |
|
|
|
|
 |
|
|
|
|
|
|
Com Jeanne : |
|
|
|
|
Uma noite, porém, quando estava no affair, fui chamado com urgência pelo sogro e um dos cunhados: a Kombi descera sozinha, eles tentaram segurar e ela só parou porque subiu no passeio e encontrou um poste! Mais de dez pessoas se uniram para conseguir tirá-la do estacionamento improvisado... |
|
|
|
|
|
|
 |
|
|
|
|
|
Mas o nosso maior susto deu-se com Gilson ao volante, pra variar... Estávamos verdadeiros peritos nas manias do carrinho, fazíamos mesmo várias peripécias e treinávamos muitos truques automotivos. Assim, para exibir nossas manobras e esperteza, enchemos a carroceria com amigos da Turma. Subimos a Avenida, eu dirigindo. Então, tendo avisado os companheiros de que o show ia começar, soltei o volante enquanto o Bolivar saltava para o meu lugar, invertendo as nossas posições. Perfeita a manobra, só que nosso amigo resolveu descer o beco de Edilson Batista, uma ladeirinha razoável...
O beco ia terminando, a Kombi acelerando, e nada de Gilson pedalar o freio para ativá-lo quando chegasse no final. Eu esperando, e ele nada. Será que era mais uma exibição de como ele conseguia frear rapidamente? Só quando chegamos à rua Ruy Barbosa foi que ele pisou no pedal e, claro, o carro continuou a andar, rápido, rumo ao muro da casa fronteira... Ele simplesmente se esquecera de que o freio só funcionava após muito estímulo...
Se não queria exibir-se, conseguiu assim mesmo: vimos o muro aproximar-se cada vez mais, sentindo o pior de carros como a Kombi: elas não têm um bico na frente, a pessoa fica cara a cara com tudo quanto lhe aparece adiante... Quando já sentíamos a porrada, o freio pegou... Meu estômago plantava bananeira no fígado, enquanto o coração saltava pela boca. E a cara de Bolivar era igual.
Vendo que escapáramos ilesos, ele se voltou para o lado, recebendo os comentários dos amigos: _Porra, velho, 'cês são bons, mesmo... _A gente não tava acreditando, mas isso foi DEMAIS! Demais, demais mesmo, foi ouvir um dos gaiatos dizer: _Parabéns, Gilsão! |
|
|
|
 |
|
|
|
 |
|
|
 |
|
|
|
|