X. DOIS ÚLTIMOS CASOS
SOBRE OS TELHADOS DE CAETITÉ PAIRAVA UMA AMEAÇA... (foto batida por Bolivar - 1984)
CASO UM: OPERAÇÃO NA ESTRADA
   Na rodovia que liga Caetité ao nosso
shopping center Guanambi, tem um lugar denominado Brás. Ali há um entroncamento que de um lado ia para o distrito de Brejinho das Ametistas, terra de Valdick Soriano, e do outro para o ex-distrito do Bonito, atual Igaporã. Bem ali havia uma espécie de venda, cujo dono, natural de Tanque Novo, não atendia pela alcunha de Zé Onça. Ou seja, chamá-lo assim era o mesmo que despertar uma fera - ou cutucar a onça...

   Gerações de jovens se divertiram com o perigo: iam de carro até o Brás, gritavam o apelido repudiado, e fugiam enquanto o iracundo botequeiro disparava tiros com sua garrucha.

   Nossa Turma, à falta de carros, teve a maior criatividade. Como sempre a ação foi meticulosamen-te projetada. Arranjamos tinta e reunimos a cambada: cerca de dez rapazes.

   A ação envolvia um aparato: na altura do local adre-de escolhido, no meio do grande aclive que precede o planalto onde o tal Zé morava, alguns se postaram para desviar os carros. E então começamos aquela que talvez tenha sido a nossa mais divulgada ação: pintamos o asfalto.

   Carros e caminhões eram desviados para que o serviço não fosse interrompido. Lembro-me dum ca-minhoneiro que chegou a parar: "Até que enfim estão sinalizando esta porcaria! Muito bem!"

   Mas não era bem isto. Eu, por ter jeito com dese-nho, dei o arremate. E lá estava, tomando metade da pista, para que todos lessem: PERIGO A CEM METROS - ZÉ ONÇA...
Com uma cara de onça pintada em baixo.

   (Diz Tairone, eu não me lembro, que Kau Lagartixa nos deu carona e fomos, depois, até o Brás, onde demos o famoso grito, mas sinceramente isto foi algo apagado de minhas lembranças. Fica o registo, Tai).

   Foi um sucesso, entre os jovens. Mas o Zé não gostou nem um pouco: tentou lavar a tinta, mas esta era de boa qualidade e não surtiu nenhum efeito. Contam, não sei se é verdade, que o velho, baldados os esforços para remover a inscrição, tentou arrancá-la com um picareta...

   A ação foi projetada para ser secreta, não tivesse Tairone e mais uns dois tido a brilhante idéia de es-crever seus nomes numa pedra no morro ao lado... (Tai insiste que eu também, mas só acredito se ele me apontar mais 3 testemunhas).

CASO DOIS - UM PASSEIO DE FORBICA
   Osvaldo Melo é um nome que marcou a cidade de Caetité. Mecânico conhecido, restaurava primorosa-mente carros antigos, encantando os olhos dos apre-ciadores. Um de seus muitos filhos, Dulcínio, era nos-so conhecido, e muito amigo de Pepê.

   Como já dissemos, a Turma vivia sem grana. A pin-daíba não nos prejudicava muito, a não ser que tives-se festa num dos clubes da cidade. Era então uma luta para tentar entrar de graça e, como sempre acon-tecia, as tentativas restavam frustradas. Foi assim com uma festa que houve na AABB: ficamos de fora - eu, Pepê, Nelsinho, Tibério e, claro, ele, Gilson Bolivar...

   Para agravar nosso drama de
sem-festa, começou a neblinar. Aquela garoa agravava o frio, que tortura nas noites caetiteenses o nordestino incauto. Não havia local onde pudéssemos nos abrigar. Foi então que vimos um dos carros antigos de Osvaldo Melo. Certamente Dulcínio estava na festa, e parara a cha-ranga num ponto da avenida Woquiton Fernandes, na contra-mão, certamente para possibilitar que o veícu-lo pudesse ligar em movimento. Por sugestão de Ma-noel Pedro (o Pepê), era o local ideal para passarmos a chuva: se o dono aparecesse, não tinha problema - eram muito amigos, e nós outros, todos conhecidos.

   A mim não me pareceu lá uma idéia das mais razoá-veis. O pessoal tentou encontrar alguma das portas aberta, mas nada. Eu fiquei quieto, conhecedor que era de carros velhos (antes de restaurar a Kombi com Gilson já mexera em vários carros com meu pai, que era mecânico). Assim, ao empurrar o quebra-vento do motorista, vi que este se abrira. Não disse nada, esperando para ver se o pessoal desistia de vez e ia embora. Como ninguém manifestou tal intenção, e adolescente que se preze não faz nada se não for acompanhado, revelei o que sabia e num instante es-távamos abrigados no interior do veículo, me parece que dos anos 50.

   Ficamos assim: eu, que descobrira a abertura, e Gilson, que abriu a porta por ela, nos bancos da fren-te. Os outros três, atrás, dando tapas na gente. A ga-roa aumentava e diminuía, mas não passava. Bolivar então brincava de fingir guiar o carro, como criança faz quando o pai a deixa esperando enquanto dá uma saidinha...

   Fechei meus olhos, com sono, tentando cochilar. Lá pras tantas senti algo diferente, parecia que o carro estava andando... e estava mesmo! Gilson, na suas peripécias infantis, soltara o freio-de-mão, ou desen-grenara a marcha, e o automóvel descia, atraído pela gravidade...

   O carro movia-se muito devagar. Boli tentava frear, mas não achava o pedal do breque. O carro acelerava, muito lentamente. Nosso amigo se deses-perava, os de trás gritavam feito loucos para que fre-nasse logo, mas ele respondia não conseguir locali-zar o pedal (que era pendurado, de cima para baixo, ao contrário dos carros de nossa época, que eram no assoalho, de baixo para cima - além de ser bem alto). Finalmente Bolivar gritou, feliz: "ACHEI !"

   E tascou um pisão no meu pé...

   O carro, lógico, continuou descendo, o pessoal gri-tando, eu fingia cochilar - com o pé dolorido. Final-mente, numa tentativa desesperada, Gilson jogou a roda contra o meio-fio, que ali era bem alto. Escutei o alívio dos amigos, suspirando. Ledo engano! A sarje-ta apenas retardou nosso drama: os carros antigos, pesadões, feitos de ferro maciço, não reagem como os plastificados de hoje. Com o peso a roda foi subindo a calçada, subindo, subindo... subiu e  continuou a descer...

   Eu continuava de olhos fechados, ouvindo o desen-rolar dos acontecimentos, na esperança de que tudo se resolvesse rápido. Mas aquilo já era demais - se Bolivar fazia mais uma de suas brincadeiras, aquela já fora muito longe! Abri os olhos para entender o que ocorria, qual a causa dos solavancos.

   Antes não o tivesse feito: o carro pulara para o can-teiro central, que separava as duas pistas da avenida e estava cheio de árvores. Junto ao resto, comecei a gritar...

   Numa manobra de perito (ou de desesperado), Boli-var desviou de uma árvore grande para uma recém-plantada, com um engradado de madeira a cercá-la... pá, batemos ali, mas o carrão nem se abalou, seguindo adiante.

   Rumávamos para a morte certa, o carro cada vez mais embalado descendo a ladeira.

   Quando tudo parecia perdido, Gilson finalmente lo-calizou o freio. O carro parou, enfim, estacionado na pista oposta à em que estava, uns 40 metros adiante. Assim que vimos ter o nosso drama brecado, digo, acabado, saltamos e corremos desabaladamente pelas ruas que nos apareciam pela frente.

   Ainda palramos sobre qual atitude a tomar: avisar Dulcínio do ocorrido foi descartado, pois não dava pra entrar no clube. Pepê, que era o amigo dele, depois esclareceria o ocorrido (acho que até hoje nào o fez...)

   O fato é que no dia seguinte Dulcínio contou-lhe que vândalos haviam pegado seu carro na noite ante-rior, passeado pela cidade, e depois abandonado num lugar diferente.

   Então tá...
GALERIA DE LEMBRANÇAS:
Eu, Tiba, Boli, Nelson: no Caiçara em
construção, a gente se divertia a valer...
Tarzan, Boy e Chita... (eu, Tiba, Solon)
feijoada no IEAT : eu, Lara, Boli, Rose e Toninho Batista
Ou, Tai, isso num é cavalo...
OPS! Marcelo faz sua pose para Nelson...
Nelson e eu, na praça (ao fundo o "viação Caetité", de Luiz Pereira)
Tairone, eu e Nelson... saindo pelo cano
Gilson, eu e Nelson, na Variant do pai do primeiro... não era uma Brasília Amarela, mas era quase...
Faça agora o teste de reconhecimento. Quem é esse pessoal aí em baixo?
ENCERRAMENTO

Estes casos se passaram há mais de 20 anos. Retratam os tempos de nossa juventude, numa cidade que conta com uma grande tradição de jovens aprontadores. Não fizemos mais, nem menos, que as gerações que nos precederam. A diferença, agora, entre nós e eles, é que estes episódios, escolhidos em meio a tantos outros, estão expostos na es-crita. Os tempos mudam: os garotos de agora têm muito mais e melhores opções de la-zer que nós. Felizmente a cidade também evoluíra ao nosso tempo - ninguém foi exilado de Caetité, como ocorreu a Valdick Soriano após incidente no Aero Club...

Hoje, que somos pais, que temos nossa famílias para cuidar, podemos nos orgulhar de ter vivido os melhores anos de nossas vidas em Caetité. Mas realmente
vivido.

Cada noite daquelas, percorrendo suas ruas, ruelas, becos, esquinas, na verdade tive-mos aqui uma imensa casa, um gigantesco play-ground, coisa que a modernidade fez passado...

Agora, só nos resta trancar nossos filhos em casa. Comprar-lhes video-games, ligar-lhes o computador, o DVD, para que experimentem no sofá as emoções que seus pais um dia criaram realidade...

Mas com uma diferença: a gente tem histórias para contar.

Gostaria que esse troço gravasse aqui, para encerrar de vez tantas páginas, um som. Era um som próprio, que servia para reunir a Turma, para chamar aqueles que estavam dentro de casa, ou distante na rua.
Um som que atraía cada um dos cerca de vinte rapazes que quebraram a monotonia dos anos 80 do século XX em Caetité: O NOSSO ASSOBIO.

Ele está presente agora, com certeza. Juntando-nos novamente, aqui, nestas memórias de adolescentes que nunca morreram - ficaram eternos, na lembrança e nestas páginas.

   Valeu!
Pra finalizar: Bolivar toma o velotrol de Maira, eu apenas faço pose...