EMBALOS DA “PENUMBRA BOITE”
A avenida Santana era a principal rua da cidade, era onde as lojas mais vistosas ficavam e, claro, havia aquela pequena porta que dava para um mundo por mim desconhecido: a “Penumbra Boite”.
Era naquele local que, nos anos 70, século XX claro, minhas irmãs e amigas iam fantasiadas de roupas hiper-coloridas, colants sensuais e meiões listrados, para dançar nas matinês de sábados. E eu, novo demais, ficava em casa, curioso por saber como seria aquele hermético lugar.
O tempo passava, pelo lado de fora ficava vendo que Zezé da Discoteca ampliava a pista. Um dia, imaginava, vestido na surrada farda de tergal do IEAT, eu poderia entrar ali, ver a razão da fumaça que saía pelas paredes que, nunca compreendi, tinha os tijolos alternados com um espaço vazio.
Subia o beco de D. Celina, a última das irmãs de Anísio Teixeira ainda viva, e ia para minha casa na rua Barão. As discotecas estavam na moda, no mundo inteiro. E eu sequer pude assistir John Travolta e Olívia Newton-John rebolarem em “Os Embalos de Sábado à Tarde” no Cine Pax de Seu Nozinho.
Tudo por causa da férrea censura – que hoje libera para a tv filmes outrora proibidos para pessoas muito novas como eu... enfim, uma injustiça. Mas, além da idade, algo depois me inibiria freqüentar o local: o fato de ser gordinho, e não ter grana pra gastar com refrigerante.
Via os colegas mais “adiantadinhos” comentarem suas experiências no fim-de-semana, e ficava para escanteio – o colégio dividia-se entre aqueles que iam e os que não iam à discoteca... e eu era parte duma maioria intimidada, que não podia ainda freqüentar a Penumbra...
Então, um dia, consegui reunir todos os requisitos. Arrumei-me, deram-me uns trocados (minha mãe, como sempre fazendo sacrifícios para os filhos), muita coragem, e parti. Do lado de fora, ninguém. Nem porteiro havia. Fiquei indeciso, achei que havia algo que ainda não sabia o que era. Apenas o portão, a rua deserta (como as ruas eram desertas naqueles tempos!). Ensaiei ir-me embora, até que, do beco de D. Celina, ouvi uma música vindo da estranha construção por trás de um muro baixo. E, claro, uma fumacinha saindo por entre os tijolos falhados.
Havia algo lá dentro, e eu não sabia como entrar. Estava só. Não tinha amigos que fossem comigo. Que ano era? 1980? Sim. A discoteca era já decadente, mas para mim era algo terrível: passar da infância para o inferno que seria a adolescência.
Voltei. Queria muito entrar, e tomei-me de toda a coragem possível reunir e empurrei o portão de ferro. Um comprido corredor se apresentava, com uma porta ao fim, um leão-de-chácara a receber o pagamento do ingresso. Paguei e a porta se abriu. O espaço interno, não tão grande, aliás bastante pequeno, reunia um fraco público – eram no máximo uns dez meninos e meninas ali.
E, para minha surpresa, os meninos ficavam dum lado, as garotas do outro. E sem coragem para ir dançar na pista, vazia, deserta como desertas eram as ruas daqueles tempos...
Eu, gordo e baixinho, sabia que minhas chances eram mínimas. Que não conseguiria ali ter alguma parceira para a dança.
Luzes piscando, uma bola de espelhos, a famosa “luz negra” de que tanto falavam... ah, e a fumacinha era poeira mesmo. Apesar das paredes vazadas, o simples andar ali dentro levantava um pó chato. Enfim, achei aquilo tudo uma grande besteira, sem-graça, perdera meu dinheiro. Conversava com os meninos de minha idade, fiquei ainda um tempo, e fui-me embora, não decepcionado, mas com a certeza de que fui um grande idiota, sonhando com algo que não era... nada!
Na segunda-feira seguinte, na escola, deixei de fazer parte da maioria. Fui aceito no “clube”, o clube dos que tinham um segredo: a discoteca, uma mentira que unia um seleto grupo de jovens cheios de... nada...
Textos de André Koehne - Academia Caetiteense
de Letras - Caetité - Bahia - 2004 - Direitos do Autor