Cadernos de at - uma clínica itinerante

Este livro é fruto de um trabalho iniciado há dois anos atrás. Foi nesta época que começamos a nos reunir periodicamente para tratar de um assunto que nos era comum: o Acompanhamento Terapêutico (AT). Já nos primeiros encontros, tínhamos a preocupação de discutir amplamente o AT. Discutir, não só no sentido de tentar balizar o seu campo de atuação, sua função clínica, suas limitações, seus referenciais teóricos e seus conseqüentes efeitos no dia a dia, mas também com o intuito de conferir-lhe o status de uma clínica autônoma, que não estivesse necessariamente subordinada à uma disciplina do campo da saúde, como a psicologia, a psiquiatria e outras. A partir daí, resolvemos formalizar o que na prática já estava ocorrendo e fundar, então, um grupo de Acompanhamento Terapêutico, que hoje se chama Circulação.

Logo deparamo-nos com um problema: qual era mesmo o referencial teórico que abonava a nossa prática nesta modalidade de intervenção? Uma coisa tínhamos em comum: todos nós já trabalhávamos como acompanhantes terapêuticos e já havíamos iniciado, paralelamente, um percurso psicanalítico. Indagávamo-nos, portanto, como seria possível a intersecção destas duas formas de operar clinicamente na área da psicopatologia. Pois bem, uma primeira resposta poderá ser encontrada em alguns dos artigos publicados neste livro. Não são respostas definitivas, e não cremos que em algum momento tenha sido esta a intenção dos autores, mas trata-se, principalmente, de encetar uma discussão que produza alternativas para a clínica do psicopatológico.

Outro dado que nos chamou a atenção foi a diversidade de pessoas e instituições que faziam do AT uma opção para o tratamento de seus pacientes em Porto Alegre. Não era só a variedade no sentido quantitativo, mas também em relação a abordagem e a sustentação teórica de que se valiam para tal. O trabalho de cada um de nós, ou ia ao encontro ou de encontro com o de alguns colegas. Tanto nas semelhanças quanto nas diferenças, surgiam, não obstante, oportunidades para interlocuções mais ou menos formais, mas que invariavelmente deixavam lacunas a ser preenchidas. Muitas instituições já dispunham deste serviço há vários anos (algumas delas, inclusive, onde já havíamos trabalhado), outras, recém tinham-no incorporado. Existiam, igualmente, profissionais que atuavam autonomamente, sem qualquer vinculação institucional. Diante deste quadro – que cada um de nós, como acompanhante terapêutico, ajudou a construir – e desta diversidade, formulamos algumas opções para organizar um encontro entre estes profissionais. O livro, então, pareceu-nos uma ótima oportunidade para efetivarmos nosso plano.

Esta publicação não é apenas um apanhado de artigos sobre AT. É, antes de mais nada, um meio que encontramos de abrir uma discussão abrangente e qualificada sobre esta prática aqui em Porto Alegre. E neste sentido, o título Uma clínica itinerante alude não só ao passeio que este presente trabalho efetua por variados paradigmas, já que um dos objetivos do mesmo vem a ser o de promover este encontro inusitado entre profissionais que utilizam de diferentes referenciais para sustentar a sua prática, mas também a itinerância pode ser pensada como uma característica que liga esta variedade teórica. Entendemos que a legitimação desta proposta clínica passa, inevitavelmente, pela circulação e contraposição de idéias e modelos teóricos dos diferentes representantes da área da saúde mental de nosso meio. A retidão e a integridade de um projeto de trabalho mostra-se, dentre outras vias, pela abertura e disposição para o debate sério e qualificado daqueles que o empreendem, atividade esta que autores e colaboradores deste livro já começaram a estabelecer entre si. Desde já, temos a certeza de que este intercâmbio renderá novos e proveitosos frutos para – não só – aqueles que crêem e apostam no belo ofício do Acompanhamento Terapêutico. Boa leitura.