GABRIELA "CRAVO E CANELA"
MORREU EM SALVADOR

A morena Gabriela, um dos mais célebres personagens de Jorge Amado (1912-2001), era sensual e fogosa. A personagem que se popularizou nas adaptações para televisão e cinema da obra que leva o nome da moça e o aposto de "cravo e canela", se baseou no mito lendário da morena amorosa, disponível, sensual e ingênua do folclore baiano, um mito antiquíssimo que fazia a fama de Salvador desde seus tempos de capital do Brasil.

Todavia, o mito da Gabriela morreu. E bem antes de seu autor. A morena que seduzia os homens, com aquela tática que popularmente se conhece como "dar mole", não existe mais na capital baiana. Sei que isso dói nas mentes emocionadas dos turistas e até dos próprios soteropolitanos, mas a verdade é que o estereótipo da Gabriela se tornou extinto em Salvador. Faz mais sentido encontrá-la na Austrália ou na Áustria. A atriz que melhor interpretou a morena, a curitibana Sônia Braga, mora nos EUA. A Gabriela, no geral, deve estar escondida num bairro nobre de Sidney.

Aqui se deve considerar duas coisas pouco agradáveis. Primeiro, o número de mulheres bonitas em Salvador é reduzidíssimo, não bastasse ser reduzido o número verdadeiro de mulheres. Segundo, é praticamente nulo o número de mulheres bonitas e adultas disponíveis, e aqui, vale frisar, não adianta apontar adolescentes (ou, no geral, mulheres de até 22 anos) desimpedidas e acessíveis para o amor porque isso existe em qualquer lugar, não com a constância que se supõe, mas com relativa regularidade, mesmo em cidades predominantemente de população masculina como as de Roraima, Amapá e Rondônia. Ninfeta disponível não indica supremacia feminina.

As mulheres de Salvador em geral se tornaram frias. A maioria esmagadora se tornou comprometida, muitas delas casadas e com filhos. Não são muito emotivas, são apenas gentis por etiqueta, simpáticas por obrigação social, mas muito longe da "disponibilidade" que o turismo tanto diz ainda existir.

Além disso, o número de mulheres consideradas feias em Salvador é grande, o que faz a proporção geral de uma mulher para dois homens, que existe na capital baiana, aumentar para uma mulher bonita para mais de dez homens em geral.

O capitalismo, de um lado, e as inseguranças sociais, de outro, fizeram com que a figura da "mulher fogosa" fosse extinta, uma vez que o mito Gabriela é um estereótipo proveniente de uma Salvador arcaica, anterior à urbanização da década de 50, embora a obra tenha sido escrita em 1958, já no curso desenvolvimentista da capital baiana. Hoje as lindas mulheres de Salvador são mais discretas e desconfiadas, e, como elas são raras, vão levando suas vidas com seus namorados e maridos enquanto redatores de propagandas turísticas, trancados em suas refrigeradas quatro paredes, ainda sonham em evocar uma Salvador que já não existe mais, a Salvador onde "mulher brota que nem capim". Essa ficção se dissolveu em cinzas nas águas de Itapuã.

 

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