Esse eh o Baracy | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Rafael Baracy 25 anos Assessor Parlamenta Gestor de Politicas Públicas de Juventude Professor de história com RPG em sala de aula Presidente da Associação Gaúcha de RPG Diretor internacional de RPG em POA e Fpolis Coordenador da Juv. do Campo Majoritário do PT em SC Coordenador de juventude em Fpolis Realmente, eu não durmo muito. Conheça a história do RPG e onde ele pode ser utilizado neste mesmo sitio Saiba mais sobre politica, o PT e a Articulação Unidade na Luta també neste sitio. Veja mais fotos minhas no endereço: http://www.oocities.org/br/baracy/fotos.html E...não, o cara a direita no desenho não sou eu Mas bem que poderia ser! Confira o meu cheklist de Mage Knight em: http://geocities.yahoo.com.br/baracy/baracymkpecas.htm |
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Cara de pau | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nome: | Rafael Baracy | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
baracy@yahoo.com.br, baracy@pop.com.br | http://geocities.yahoo.com.br/baracy/baracymkpecas.htm | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
E-mail: | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
< -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------> Qual é o objetivo da política? Em pauta: a política. O conceito em si é polêmico. Não poderia ser diferente: a política expressa os diversos interesses em conflito na sociedade. O "árbitro" deste jogo é – ou deveria ser – o povo (essa entidade abstrata que significa tudo e nada). A política nutre-se da polêmica: os vários interesses econômicos, sociais etc., se manifestam através da disputa de idéias e propostas em permanente colisão e negociação. Já Aristóteles, em sua obra Política, afirmou que "o fim da política não é viver, mas viver bem". A idéia que temos hoje de que a política é a luta constante pelo bem comum, pela justiça, o bom governo etc., remonta à tradição aristotélica, à filosofia política de Platão e ao pensamento cristão medieval. Observamos, por exemplo, que estas idéias fundamentam a ação pastoral da Igreja em diversos setores. Em teoria, esta maneira de conceber a política é prescritiva, isto é, indica o ideal (como deveria ser bom governo, uma sociedade justa e igualitária etc.). Esta é uma bela idéia que alicerça a ação de milhares de pessoas por este Brasil afora. Militam em movimentos sociais, associações, sindicatos, partidos e pastorais. Estas pessoas constroem uma utopia, dedicam sua vida à construção de um ideal traduzido na busca incessante do bem-comum. Como vemos, nem tudo cheira a podridão no reino da política. Devemos reconhecer que, concordemos ou não com suas ações idéias e propostas, ainda existem os idealistas, os que consagram boa parte do seu precioso tempo (pois que na vida, o que passou, passou!) à coletividade. É verdade que muitos são animados por necessidades prementes e bem concretas (como por exemplo, comer, morar, trabalhar na terra etc.). Mas também é verdade que sonham um sonho: o sonho de uma sociedade onde as mazelas sociais presentes em nosso no cotidiano e que ferem as nossas mentes e corações, sejam superadas. Pois que, em meio à insensibilidade de nossos governantes e da elite brasileira diante das questões sociais, ainda há pessoas que se sensibilizam com o olhar desesperançado do trabalhador consternado ante a falta de perspectivas. Estes idealistas são os que ainda se sensibilizam diante do olhar de uma criança num acampamento de trabalhadores sem-terra, ou numa rua qualquer do espaço urbano, pedinte ou em grupo cheirando cola ou utilizando drogas, com suas energias vitais esvaindo-se, num cortejo fúnebre à morte antecipada. Deixemos as chagas que a nossa sociedade alimenta momentaneamente de lado. Afinal, esse quadro sombrio, que teimamos em perpetuar, é para muitos, natural, sem qualquer relação com a política. Voltemos ao idealismo dos que buscam o bem-comum em sua práxis política. Embora sejam imprescindíveis, esses homens e mulheres padecem de uma teoria ingênua sobre a política. Se a política é, como afirmamos, essencialmente a oposição e luta entre interesses diferenciados e antagônicos, então, a idéia de política como a busca incessante do bem-comum é um projeto irrealizável nos marcos da própria existência da política. Como nos ensinou o florentino renascentista Maquiavel, política é sobretudo a arte de conquistar, dominar e manter o poder político. Pensar na superação dos interesses econômicos particularistas, individualistas e egoístas, ou seja, na predominância do coletivo sobre a lógica que anima nossa sociedade significa, em última instância, imaginar a utopia da não-política, em outra palavras, a sociedade onde a política e o Estado não sejam mais necessários. Enquanto a política se fizer necessária, seus fins serão tantos quanto os objetivos que os grupos econômicos e políticos se coloquem. E isso, de acordo com a época histórica e as circunstâncias nas quais os sujeitos políticos representativos destes interesses atuam. A política não tem fins estáticos e perpetuamente definidos. Nessa concepção, o bem comum, a justiça, o bom governo etc., são meios ideológicos ou pura retórica de que se servem tanto os idealistas quanto os grupos econômica e politicamente dominantes em nossa sociedade que, permanentemente, procuram nos fazer acreditar que seus interesses específicos são nossos interesses. Vivenciamos isto através da ilusão do Estado enquanto guardião dos interesses comuns, como se este fosse neutro no jogo político entre as classes e grupos sociais. Desmistificar a ilusão democrática da política e do Estado como agentes do bem comum, parece-nos um bom começo. Polêmico, é verdade. Mas que seria da política se não pudéssemos polemizar! Suprimir o pensamento divergente foi – e ainda é – o sonho dos ditadores de ontem e dos que estão por aí, de plantão, disfarçados sob as máscaras de democratas de última hora. Até que ponto a política é compatível com a ética? A política pode ser eficiente se incorporar a ética? Não seria puro moralismo exigir que a política considere os valores éticos? Quando se trata da relação entre ética e política não há respostas fáceis. Há mesmo quem considere que esta é uma falsa questão, em outras palavras, que ética e política são como a água e o vinho: não se misturam. Quem pensa assim, adota uma postura que nega qualquer vínculo da política com a moral: os fins justificam os meios. O ‘realismo político’, ou seja, a busca de resultados a qualquer preço, subtrai os atos políticos à qualquer avaliação moral, entendendo esta como restrita à vida privada, dissociando o indivíduo do coletivo. Esta concepção sobre a relação ética e política desconsidera que a moral também é um fator social e como tal não pode se restringir ao santuário da consciência dos indivíduos. Em outras palavras, embora a moral se manifeste pelo comportamento do indivíduo, ela expressa uma exigência da sociedade (um exemplo disso é a adoção dos diversos "códigos de ética"). Ou seja, não leva em conta que a política nega ou afirma certa moral e que, em última instância, a política também é avaliada pelo comportamento e entendimento moral das pessoas. Aliás, se a política almeja legitimidade não pode, entre outros fatores, dispensar o consenso dos cidadãos — o que pressupõe o apelo à moral. Há também os que, ingenuamente ou não, adotam critérios moralizantes para julgar os atos políticos. Por conseguinte, condicionam a política á pureza abstrata reservada ao ‘sagrado’ espaço da consciência individual. Estes imaginam poder realizar a política apenas pelos meios puros. O moralismo abstrato concentra a atenção na esfera da vida privada, do indivíduo. Portanto, aprisiona a política à moral intimista e subjetiva deste. Ao centrar a atenção na esfera individual, o moralista julga o governante tão-somente por suas virtudes e vícios, enfatizando suas esperanças na transformação moral dos indivíduos. Ao agir assim reduz um problema de teor social e coletivo a um problema individual. No limite, chega à conclusão de que as questões sociais podem ser solucionadas se convencermos os indivíduos isoladamente a contribuírem, por exemplo, dividindo sua riqueza como os desafortunados. O resultado é catastrófico: o moralista angustia-se porque a política não se enquadra nos seus valores morais individuais e termina por renunciar à própria ação política. Dessa forma, contribui objetivamente para que prevaleça outra política. De um lado o ‘realismo político’; de outro, o moralismo absoluto. Nem tanto mar, nem tanto terra. A política e a moral, embora expressem esferas de ação e de comportamento humano específicas e distintas, são igualmente importantes para a ação humana no sentido da transformação social. Política e moral são formas de comportamento que não se identificam (a primeira enfatiza o coletivo; a segunda o indivíduo). Nem a política pode absorver a moral, nem esta pode ser reduzida à política. Embora sejam esferas diferentes, há a necessidade de uma relação mútua que não anule as características particulares de cada uma. Portanto, nem a renúncia à política em nome da moral; nem a exclusão absoluta da política. Mas, ainda fica a pergunta inicial: é possível a ética na política? Para uma resposta mais abrangente é preciso analisar as diferenças entre ética e moral (conceitos que usamos de forma indistinta). Ética e moral Em nosso cotidiano enfrentamos problemas morais e éticos. Por exemplo: devo cumprir a promessa que fiz ao meu amigo, embora venha a perceber que fazê-lo me causará prejuízos? Sempre devo dizer a verdade ou há ocasiões em que a mentira não apenas se faz necessária como será benéfica ao meu interlocutor? Devo persistir numa ação que moralmente é valorada como boa, mas cujas conseqüências práticas são extremamente prejudicais a outrem? Se cumpro ordens posso ser julgado do ponto de vista moral? Se meu amigo colabora com o inimigo devo denunciá-lo? A questão ética é, portanto, uma questão prática que extrapola a política — no sentido restrito da política institucional. É interessante como se exige ética na política e, muitas vezes, no âmbito da vida privada, procedemos de forma anti-ética. Aliás, determinados casos políticos onde se alardeia a exigência da ética, nada tem a ver com esta: são, em suma, meros casos de polícia. Esta relação direta com a realidade dos indivíduos contribui para o entendimento comum que assemelha ética à moral e toma uma pela outra. Um bom exemplo desta confusão conceitual está na expressão já consolidada no vocabulário as diversas profissões: os códigos de ética. Na verdade são normas, regras procedimentos, que configuram, digamos, um código de moral. Observemos que mesmos os partidos políticos têm os seus códigos de ética! Ética tem origem no grego ethos, que significa modo de ser. A palavra moral vem do latim mos ou mores, ou seja, costume ou costumes. A primeira é uma ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade e está relacionada à Filosofia, isto é, pergunta-se sobre a fundamentação última das questões. Sua função é a mesma de qualquer teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes. A segunda, como define o filósofo VÁZQUEZ (1992), expressa "um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual dos homens". O campo da ética é diferente da moral: enquanto tal não lhe cabe formular juízos valorativos, mas sim explicar as razões e proporcionar a reflexão. A moral pressupõe regras de ação e imperativos materializados em realidades históricas concretas. A moral antecede à própria ética, é normativa e se manifesta concretamente nas diferentes sociedades enquanto resposta às suas necessidades. Sua função consiste precisamente me regulamentar as relações entre os indivíduos e entre estes e a comunidade, contribuindo para a estabilidade da ordem social. A moral não é natural. Pelo contrário, resulta da ação do homem enquanto ser social, histórico e prático. Como fato histórico, a moral corresponde aos diversos estágios da evolução da humanidade. A ética acompanha este desenvolvimento sem se reduzir à moral. No entanto, ambas se confundem porque a ética parte de situações concretas, isto é, dos fatos e consequentemente da existência da moral. Explicitado as relações e diferenças entre ética e moral, retomemos o fio da meada: é possível a ética na política? Se seguirmos o itinerário da política, dos gregos à modernidade, verificaremos que não há resposta simples nem única. De um lado, a exigência da ética enquanto componente da política expressa o desejo da sua moralização. Como a moral é essencialmente uma forma de comportamento relacionada com a consciência individual, seus critérios chocam-se com a esfera da política enquanto atividade coletiva. A política pressupõe ainda confrontos e conflitos entre interesses de grupos opostos e antagônicos, o que potencializa ainda mais o choque com os imperativos morais do indivíduo. Na política não é apenas o interesse individual que está em jogo, mas também os interesses de grupos e coletivos expressados pela ações dos indivíduos. É verdade que muitas vezes aquilo que aparece como algo pertinente à coletividade, de fato mascara o interesse pessoal e carreirista do político que pede seu voto e que faz o discurso do bem comum. Mas, mesmo este político está preso aos interesses dos grupos que financiam sua eleição e, de certa forma, precisa mediatizar seu interesse egoísta com aquele do grupo social do qual faz parte ou do qual depende financeiramente para dar vôos políticos mais altos. Além do mais, nem que se resuma à mera retórica, ele necessita aparentar ser o que não é: um defensor dos anseios coletivos, do bem-estar social da coletividade . Por outro lado, a moralização da política recoloca uma antiga problemática: a relação entre o público e o privado. Foram os gregos na antigüidade que inventaram o espaço da política enquanto expressão da vontade coletiva, isto é, enquanto esfera da ação humana que submete a vontade arbitrária e privada do poder pessoal do governante às instituições públicas. Dessa forma, cunharam a distinção entre a autoridade pública — expressão do coletivo — e autoridade privada — identificada com o déspota, o chefe de família. A condição da política é justamente a ausência do despotismo. Os fins justificam os meios? Com Maquiavel a política atinge a maioridade e é concebida enquanto esfera autônoma da vida social. A política deixa de ser pensada a partir da ética e da religião. Neste sentido, Maquiavel representa uma dupla ruptura: com os clássicos da antiguidade greco-romana e com os valores cristãos medievais. A política deixa de ser pensada apenas no contexto da filosofia e se constitui enquanto um campo de estudo independente, com regras e dinâmica livres de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas Em Maquiavel, a política identifica-se com o espaço do poder, enquanto atividade que na qual se assenta a existência coletiva e que tem prioridade sobre as demais esferas da vida humana. A política funde-se com a realidade objetiva, com os problemas concretos das relações entre os homens: deixa de ser prescritiva — em torno de uma abstração moral e ideal — e passa a ser vista como uma técnica, com leis próprias, atinente ao cotidiano dos indivíduos. Para Maquiavel a política deve se preocupar com as coisas como são, em toda sua crueza, e não com as coisas como deveriam ser, com todo o moralismo que lhe é subjacente. Ao libertar a política da moral religiosa, Maquiavel explicitou seu caráter terreno e transformou-a em algo passível de ser assimilado pelos comuns dos mortais. Isto teve um preço. Não por acaso seu nome virou adjetivo de coisa má. Maquiavelismo virou sinônimo de uma prática política desprovida de moral e de boa fé, um procedimento astucioso e velhaco. De fato, o florentino nada mais fez do que demonstrar a hipocrisia da moral da sua época, isto é, mostrar como, por trás de uma moralidade que justificava a dominação dos senhores feudais e da senhora feudal, a Igreja Católica, a política era cruel e friamente praticada através de meios nada cristãos: traições, assassinatos, guerras etc. A política explicitada e descrita em sua obra com dezenas de exemplos retirados da história mais se assemelha ao inferno dantesco do que ao paraíso prometido aos pobres camponeses, desde é claro, que eles se conformassem com a exploração e a situação de miséria em que viviam. Ontem como hoje a recompensa ao conformismo está no pós-morte, no além. Maquiavel não introduziu as práticas amorais na política. A despeito de toda a moralidade, o ‘maquiavelismo’ que lhe imputam já se fazia presente antes dele escrever sua obra mais polêmica: O Príncipe.** Quem ler este livro sem levar em consideração e estudar minuciosamente o contexto histórico no qual ele escreveu, não aprenderá nem fará justiça ao seu autor. Com Maquiavel cai por terra a falácia da política enquanto busca da justiça, do bem comum etc. A fraseologia cristã-medieval fundada na moral religiosa mascara o fundamento da política e do Estado: a manutenção do poder político em torno das classes dirigentes em cada época histórica. Conquistar e manter o poder: eis em síntese a finalidade essencial da política. É neste sentido que Maquiavel cunha sua famosa e mais polêmica frase: "Os fins justificam os meios." Muito já foi dito e escrito sobre esta assertiva. E ela permanece atual. Em primeiro lugar, é difícil não reconhecer que há uma relação entre fins e meios. Como diria um revolucionário russo: "É preciso semear um grão de trigo se se quiser obter uma espiga de trigo". Há uma relação dialética entre fins e meios, no sentido de que há uma interdependência entre ambos. O problema é o que a afirmação maquiaveliana encerra em si: o que se pode e o que não se pode fazer para atingir determinado fim? Se o fim é justo, todos os meios justificam-se? Esta questão não pode ser satisfatoriamente respondida sem equacionarmos outra que se coloca a priori: o que justifica o fim? Ora, a realidade social na qual vivemos está longe de assemelhar-se ao paraíso ou à harmonia positivista da ordem e progresso. A ordem se mantém a ferro e fogo, isto é, a partir da ocultação ideológica das relações e mecanismos de exploração e pelo uso do aparato repressivo estatal, sempre que se faz necessário. Por outro lado, este século, se pensarmos filosoficamente e não apenas do ponto de vista tecnológico, enterrou a ilusão positivista — mas também iluminista e a leitura evolucionista marxista — de que a humanidade marcharia sempre numa direção progressista. Duas guerras mundiais, o nazismo, o fascismo, o stalinismo, as ditaduras de esquerda e de direita etc., negam qualquer idéia no sentido de uma evolução linear positiva Mesmo de um ponto de vista essencialmente capitalista, o progresso é um fracasso pois que toda a riqueza produzida com o desenvolvimento tecnológico está concentrada cada vez mais em mãos de poucos, aumentando o fosso entre ricos e pobres — e não precisa ser marxista para verificar que a miséria aumenta no mundo, que a desigualdade cresce e que as mazelas sociais atingem até mesmo os países mais poderosos. Assim, a questão dos fins está relacionada à questão política-social. Porém, se entendemos a política enquanto conflitos de interesses entre grupos e classes sociais, a justificação dos fins diz respeito às opções que fazemos quanto ao projeto político. Evidentemente adotar uma ou outra opção justificará este ou aquele fim. Numa sociedade onde impera a desigualdade e as relações de dominação e exploração entre as classes e grupos sociais, os fins não são universais, como também não o é a moral. Justificado o fim pelo projeto social que assumimos, podemos então discutir se os fins justificam os meios. Há uma tradição, que começa com o próprio Maquiavel, que responde afirmativamente (quanto a este é preciso esclarecer que ele se refere ao Estado e não aos procedimentos morais individuais). Se pensarmos na ação política concreta seria ingenuidade, própria de um moralismo abstrato desligado de contextos históricos concretos, imaginarmos que tanto a direita quanto a esquerda não justificou os meios utilizados pelo fim perseguido. Esta análise nos coloca diante de problemas concretos. Partindo do pressuposto que os fins buscados são diferentes, pode a direita e a esquerda utilizar dos mesmos meios? Quem luta pela liberdade pode usar recursos ditatoriais, repressivos? Quem respeita a vida humana pode adotar procedimentos de tortura assassinatos etc., em nome do objetivo político? O que diferencia uma ditadura de esquerda de outra de direita? O terrorista que luta pela liberdade de seu país justifica os meios que utiliza e que, invariavelmente, vitima inocentes? Os fins justificam os meios, é verdade. Mas apenas na medida em que estes meios não entram em contradição com os fins almejados. Quer dizer, nem tudo é permitido! Só é aceitável aquilo que contribui para que se atinja o fim e que não represente a negação deste. Toda a experiência do ‘socialismo real’ expressa a comprovação histórica de que não basta proclamar certos fins — por mais justos que sejam — é preciso encontrar os meios adequados. Não se constrói uma nova sociedade utilizando-se os mesmos recursos predominantes na velha estrutura social. Os marinheiros de Kronstadt, os camponeses da Ucrânia e os trabalhadores oprimidos por um Estado e um partido que governou ditatorialmente em seu nome que o digam. Neste caso, os fins já são outros e muito diferentes dos enunciados. Dialeticamente, os meios também mudaram e justificam-se pelos fins ora em pauta. Maquiavel tinha razão...
Balzac e Maquiavel: Curso de História e Moral para Uso dos Ambiciosos "O sucesso é a razão suprema de todas as ações, quaisquer que sejam elas. O fato não é pois mais nada por si mesmo, consiste inteiramente na idéia que os outros formam a seu respeito." (Honoré de Balzac) A ambição, define o Aurélio, é o desejo veemente de alcançar aquilo que valoriza os bens materiais ou o amor-próprio (poder, glória, riqueza, posição social, etc.); exprime um desejo ardente de alcançar um objetivo de ordem superior. Na tradição judaica-cristã, a sofreguidão em possuir bens materiais ou mesmo o intenso desejo carnal pela mulher se inscreve entre os maiores pecados que o ser humano pode cometer: "Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás sua mulher, seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo." (Ex. 20,17) "Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério." (Mt., 5, 28) Vivemos numa sociedade onde prevalece desejo ardoroso de consumir bens materiais e simbólicos. A todo momento somos estimulados a querer algo, a possuí-lo. Os padrões sociais são balizados pela ostentação, pela indumentária, por aquilo que temos. Vivemos numa sociedade do TER, na qual o SER encontra-se asfixiado. A sociedade não perdoa a ingenuidade dos que não fazem um bom curso de ambição. Os vencedores são os que tiram as maiores notas. O consumismo e a erotização são faces da mesma moeda. As mercadorias substituem as relações entre as pessoas: não só estas são tratadas como mercadorias – que podem, portanto, serem compradas, vendidas trocadas etc., conforme o poder econômico – como, as próprias mercadorias assumem características humanas. Que me perdoem os cristãos antigos e novos, mas numa sociedade que excita diuturnamente seus membros a consumirem e verter erotismo, é impossível não transgredir a lei sagrada. Do jeito que vai, o anjo rebelde reivindicará uma reforma da lei ou o seu reino ficará diminuto para tantas almas cujos corpos desejam outros corpos e vêem em máquinas e outros objetos a personificação dos corpos cobiçados. Mas deixemos tema tão escabroso de lado e voltemos à ambição. Honoré de Balzac, em Ilusões perdidas (1978), desenvolve uma crítica corrosiva do autor de O Príncipe. Os personagens balzaquianos, o ambicioso Luciano e o maquiavélico cônego, travam um diálogo muito instrutivo. Começa o padre ensinando-nos que há sempre duas histórias: a oficial e a que se ensina ad usum Delfhini, ou seja, a mentirosa; a historia expurgada dos textos que possam confundir a mente, portanto, impróprias para o uso do filho do rei, o Delfim. A história ensinada nas escolas, ontem como hoje, é, em geral, uma coleção de datas e fatos, que nada esclarece sobre as verdadeiras e vergonhosas causas dos acontecimentos. De que nos serve saber que Joana d’Arc existiu?, pergunta o cônego. De que nos serve conhecer os resultados das ações dos grandes homens e mulheres se não conhecermos os meios que utilizaram? Vejamos, a título de ilustração, um trecho deste elucidativo diálogo: – Não estudou os meios pelos quais os Médicis, de simples negociantes, chegaram a grão-duques de Toscana? – Um poeta, na França, não tem obrigação de ser um beneditino – disse Luciano. – Pois bem, meu jovem, eles se tornaram grão-duques como Richelieu se tornou ministro. Se tivesse procurado na história as causas humanas dos acontecimentos, em vez de aprender-lhes de cor as etiquetas, o senhor obteria preceitos para a sua conduta. De que acabo de tomar ao acaso na coleção de fatos verdadeiros, resulta a seguinte lei: Não veja nos homens, e principalmente nas mulheres, senão instrumentos; mas não deixem que eles o percebam. Adore como ao próprio Deus aquele que, colocado acima do senhor, lhe pode ser útil, e não o abandone até que ele lhe tenha pago bem caro a sua servidão. No comércio do mundo, seja em suma, duro como o judeu e vil como ele: faça pelo poder o que faz ele pelo dinheiro. Mas também, preocupe-se tanto com o homem que caiu como se ele jamais tivesse existido. Sabe por que deve proceder assim?... O senhor quer dominar o mundo, não é? Pois é preciso começar por obedecer ao mundo e estudá-lo bem. Os sábios estudam os livros, os políticos estudam os homens, seus interesses, as causas geradoras dos seus interesses, as causas geradoras de suas ações. Ora, o mundo, a sociedade, os homens tomados em seu conjunto são fatalistas: eles adoram o acontecimento. Não sabe por que lhe faço esse pequeno curso de história? É que o julgo de uma ambição desmedida... – Sim, meu padre! Neste diálogo, o cônego balzaquiano assume-se como discípulo de Maquiavel. Neste caso, o nome do florentino adjetiva a atitude dos que pautam sua vida pela cobiça, sem preocupação com qualquer fogo sobrenatural. Luciano, o ambicioso fracassado, é criticado por ter sido humano demais, isto é, por ter deixado que seus sentimentos atrapalhassem sua ascensão, por ter sucumbido ao moralismo. Seu pecado não foi ambicionar, mas não fazê-lo com a devida intensidade. Em Ilusões perdidas, maquiavelismo tem significação pejorativa. Como nos ensina o Aurélio, esta palavra também expressa uma atitude política desprovida de boa-fé, um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro, dissimulador. Numa palavra: maquiavélico. Balzac reafirma o mito do judeu rico e o que poderíamos denominar tipo ideal weberiano do avarento, tão bem representado pelo Pai Grandet noutra de suas obras magistrais: Eugénie de Grandet. Recordemos esse autor clássico escreve no século XIX, quando o espírito burguês encanta a sociedade mercantilizando as relações humanas. Mas é diferente na atualidade? A MoralNão há moral. O que determina o bem e o mal é o resultado. Seja vitorioso, torne-se poderoso, rico etc. e todos os seus atos desonrosos serão esquecidos. O importante não é a prática ou o que você é, mais a imagem que fazem da sua pessoa. "Esconda o avesso da sua vida", afirma o padre, ao ambicioso Luciano. Mesmo que você não se suporte diante do espelho - material e/ou da sua consciência - mostre-se belo para o exterior. Discrição: eis a palavra chave; ou como diremos nos meios políticos, a palavra-de-ordem do ambicioso. Adote-a como sua, ensina-nos o sacerdote. E, para que não fiquem dúvidas, vejamos seu argumento: "Os grandes cometem tantas covardias como os miseráveis; mas cometem-nas na sombra e fazem ostentação das suas virtudes: permanecem grandes. Os pobres exercem suas virtudes na sombra e expõem suas misérias ao sol: são desprezados." Seja verdadeiro e sincero, mostre-se como você é e será ridicularizado e desprezado. Aparente ser o que você não é; atue na escuridão e não deixe que a luz seja suficiente para tornar a obscuridade do seu ser inteligível ao outro e você será respeitado, elogiado e bajulado. Tudo reside na fórmula: dissimule. Balzac revela os desígnios ocultos em relação ao mito da moral e da virtuosidade da justiça. O que é moralmente condenável e justo? Acaso o ladrão é mais culpado do que o indivíduo que, por irresponsabilidade política e administrativa, atira à miséria dezenas e centenas de famílias? Será o governante cuja política econômica aprofunda a exclusão social e favorece os que vivem na sombra menos culpado que o ladrão que rouba um indivíduo ou uma família? "Os juízes, condenando o ladrão, mantém a barreira entre pobres e ricos", afirma Balzac. Na verdade, os grandes roubos - como os escândalos - tendem a ser acobertados porque expressam apenas deslocamentos de fortunas. Há a privatização do dinheiro público. A estratégia é abafar um escândalo com um novo escândalo. Transferem-se fortunas de forma lícita - dentro das normas legais - ou por maneiras ilícitas. O efeito é o mesmo: deslocamento de fortunas. As fraudes, os grandes roubos etc., não colocam a sociedade em risco. Envolve gente graúda, tubarões. Os bagrinhos têm que garantir a sobrevivência, não têm tempo e condições para se preocupar com a dilapidação do bem público. Acompanham estarrecidos. Uma minoria se organiza e tenta influir sobre a maioria para colocá-la em movimento contra este estado de coisas. Mas, não é fácil. O modelo que prevalece é o dos que tem sucesso e... propriedades. Enriquecer! Este é o grito de guerra de todas as torcidas. Feito isso, pode-se permitir o "luxo da honra". Só quem ousa pode atingir o topo. E ousar é saber usar os meios certos nos momentos adequados. Maquiavel diria que o príncipe deve saber usar os vícios e as virtudes, a bondade e a maldade, a paz e a violência: é preciso ser ter a força do leão e a astúcia da raposa: saber agir como homem e como animal. O padre balzaquiano, que é maquiavélico, diz que devemos agir como o jogador: saber dissimular e esconder o jogo. O jogador que é franco, é um péssimo jogador: só perderá. O exímio jogador "não somente oculta o seu jogo, mais ainda trata de dar a entender, quando está certo de ganhar, que vai perder." O segredo é a lei suprema: é imprescindível ocultar os meios. Os fins justificam os meios! Quanto maquiavelismo nesta frase pronunciada há séculos sem qualquer referência com o contexto histórico em que foi escrita - e, na maioria dos casos, descontextualizada em relação à totalidade da obra. Não deve nos surpreender o fato de maquiavelismo e maquiavélico terem adquirido o status de adjetivo e substantivo. Pode realmente haver boa-fé na política? A exemplo do ambicioso balzaquiano, o objetivo do político não é o sucesso? Também ele não é avaliado pelos resultados? O político deve observar a moral ou agir como o jogador? Uma rápida leitura de O Príncipe, modelo para os ambiciosos de todo parecem comprovar a analogia. Mas, de qual ambição nos fala Maquiavel: do indivíduo que almeja a riqueza ou mesmo o poder para o deleite pessoal ou aquela ambição que move os homens mais ilustres na história humana, indivíduos que almejam construir algo que transcenda a finitude da vida? No contexto do renascimento italiano, esse ente duradouro que sobrevive ao seu criador e é legado às gerações futuras, é o Estado. O objetivo de Maquiavel é o estabelecimento de um poder capaz de garantir a ordem social. A política e a moral pertencem a domínios diferentes da práxis humana. O sujeito da política é a coletividade, a Pólis. Na esfera da ação política o que importa é a certeza, os efeitos e a fecundidade dos resultados. O criador de cidades terrenas, condutor de homens e do Estado, é julgado pelo sucesso ou fracasso e não por considerações morais cristãs. Seu lema é: fazer o que é necessário, a fim de aconteça o que se objetiva. Sua ética é a da responsabilidade - como definiria Max Weber. O sujeito da moral é o indivíduo. Sua ética é a do dever pela convicção. A moral individual adota como preceito fazer o que deve ser feito, independente do que possa acontecer. Pouco lhe importa as conseqüências dos seus atos, os resultados: o essencial é a certeza do dever cumprido. O que vale é a pureza das intenções, o que pressupõe a coerência entre a intenção e a ação. Ages com justiça e deixa o resto nas mãos de Deus. Na esfera individual a moral cristã apresenta-se como própria do homem de fé, do sábio profeta, cujos olhos estão postos na cidade celeste. Porém, os homens não são anjos celestiais e a política, enquanto esfera de ação coletiva, é o reino de interesses genuínos e espúrios. Pode o condutor de homens e construtor do Estado pautar suas ações pela ética da convicção? Os antigos falavam em bem comum, bom governo, justiça, etc. Outros, como Thomas More, em Utopia, imaginaram sociedades onde o homem finalmente alcançaria a felicidade. Expressam uma concepção política prescritiva destituída de vínculos com a realidade nua e fria. Há muito que os reis e governantes deixaram de ser avaliados por suas virtudes e/ou vícios, mas por sua eficácia - Ricardo II, de Shakespeare, é uma bela ilustração desta forma de julgar o governante. A política pauta-se por interesses conflituosos e antagônicos concretos e pela ação de homens de carne e osso. Sua moralidade não é a do dever pelo dever. Aquilo que é visto como imoralidade é, na verdade, uma inversão do moralismo sacrossanto: o que move a política é busca de resultados concretos e não imaginários (embora a imaginação também cumpra um papel importante, principalmente quando codificada em Ideologia). Balzac e outros anti-maquiavélicos invertem Maquiavel: trazem para a arena do privado o que foi pensado tendo como referência uma entidade superior aos indivíduos - e mesmo ao governante. A perspectiva de Maquiavel é histórica pois é balizada pela necessidade da constituição do Estado que, nas condições do seu tempo, significava a unificação da Itália. Ora, esta é uma tarefa gigantesca, acima das forças de homens normais e de quaisquer considerações de cunho moralista. O príncipe capaz de dar cabo dessa tarefa pode tudo? Ele pode usar do bem e do mal, dos vícios e das virtudes e da violência conforme considerar necessário. Contudo, há limites: não abusar dos direitos dos súditos, garantir a segurança e a estabilidade, não ser odiado pelo povo - embora seja prudente ser temido. Se o príncipe colocar suas ambições pessoais acima do Estado, poderá ficar em maus lençóis. A ambição do príncipe não é a que se reduz à mesquinhez do indivíduo privado: ele é o criador e provedor de instituições. Se há um bem para Maquiavel, este diz respeito ao estabelecimento da ordem temporal. Maquiavel foi um ambicioso à maneira do que hoje chamamos de cidadão - construtor e mantenedor do Estado. Sua ambição maior era servir à República de Florença e contribuir para a unificação da Itália - não por acaso será reabilitado pelos italianos no século XIX. Também não é um acaso que ele tenha morrido pobre e desprezado pelos políticos da sua época. Maquiavel era bastante pessimista quanto à natureza humana: "Quem quiser praticar sempre a bondade em tudo o que faz está condenado a penar, entre tantos que não são bons. É necessário. Portanto, que o príncipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usará ou não, e cada caso, conforme necessário." (O Príncipe, cap. XV) Se somos ambiciosos por natureza - o homem lobo do homem, como diria Hobbes -, é preciso um poder que garanta a ordem social. Este poder é o Estado: Principado ou República em Maquiavel; Leviatã em Hobbes. Num e noutro caso, a estabilidade da ordem social deve ser mantida. Hoje, essa ordem é a dos privilégios, a que protege os campeões em ambição, a que faculta as condições para os deslocamentos das fortunas. De qualquer forma, não culpemos Maquiavel pelos ambiciosos do nosso tempo. Pois, se como escreveu Balzac no século XIX, "a nossa sociedade não mais adora o verdadeiro Deus, mas o bezerro de ouro", ou seja, se a "política só leva em conta a propriedade", a culpa não é do florentino. O Marxismo no Brasil: múltiplas trajetórias, utopias, decepções e contribuições História do Marxismo no Brasil (Volume V), organizado por Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho, trata dos partidos e organizações dos anos 1920-1960. Nos seis capítulos que compõem O livro, aborda-se, de maneira sucinta, a história das esquerdas marxistas no Brasil: o Partido Comunista do Brasil (PCB), o trotskismo, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP) e a Ação Popular (AP). Inicialmente, Marcos del Roio analisa a atuação dos comunistas, nas décadas de 1920-1940. Trata-se dos primeiros passos do Partido Comunista: as dificuldades objetivas e subjetivas em se firmar enquanto organização política autônoma dos trabalhadores; as debilidades teóricas, próprias da nossa exígua tradição marxista (ao contrário dos congêneres europeus – onde, em geral, os partidos comunistas surgiram de cisões da social-democracia –,o comunismo brasileiro deita raízes no anarquismo, com o partido se constituindo a partir da conversão de militantes libertários, influenciados pela Revolução Russa, ao bolchevismo); a interferência do movimento comunista internacional, através do Bureau Sul-Americano, que resultou no afastamento do grupo dirigente original (Astrogildo Pereira,Octávio Brandão e Cristiano Cordeiro), abortando os esforços, particularmente de Octávio Brandão, em formular uma teoria da revolução brasileira; e, as relações conflituosas com o positivismo, o liberalismo e o prestismo. O período analisado pelo autor abrange as origens, consolidação e o quase aniquilamento do Partido Comunista, vítima da onda repressiva durante o Estado Novo getulista. Segundo a tradição egípcia, existiu uma ave mitológica que vivia por séculos e, mesmo queimada, ressurgia das cinzas. Esta ave maravilhosa é conhecida como Fênix. Seu nome passou a ser usado enquanto sinônimo de persistência, tenacidade, referência às pessoas e instituições que sobrevivem às mais duras provas. Assim foi o Partido Comunista em vários momentos da sua história. Nos idos dos anos 1940, renascido das cinzas, tal qual a Fênix, o partido cresce excepcionalmente, tornando-se um partido de massas, com considerável influência sobre a política brasileira. Este período, marcado pelos estertores do regime varguista, o final da II Guerra Mundial, e a reconquista da liberdade e da democracia no Brasil, termina com o golpe militar de 1964. Nesta fase o PCB conquistou a legalidade, e perdeu-a, cassado no clima da fria; teve inflexões à esquerda e à direita, oscilando entre uma política de colaboração e alianças de classes a uma retórica esquerdista e revolucionária para, nos anos 50, com a Declaração de Março, se definir pelo caminho pacífico da revolução brasileira. Todo este percurso tortuoso é analisado por Daniel Aarão Reis Filho. Da aurora de todos os sonhos (a redemocratização do Brasil a partir de 1945), à longa noite sombria (iniciada com o despotismo militarista de 1964), o PCB se bateu entre reforma e revolução. Este é o mote deste segundo capítulo. É um período que, guardada as devidas proporções conjunturais e históricas, nutre semelhanças com o processo de lutas sociais de finais de anos 70 e inícios dos anos 1980, com a reconquista das liberdades democráticas, o crescimento do movimento sindical e popular e o surgimento de uma organização política dos trabalhadores, que se afirma como novidade, mas que também incorpora a herança histórica do passado pecebista e das esquerdas marxistas. No terceiro capítulo, Dainis Karepovs e José Castilho Marques Neto resgatam a trajetória dos trotskistas brasileiros, das origens aos anos 1966. O trotskismo se caracterizou por historicamente se restringir a pequenos agrupamentos sem inserção de massas, em geral composto por intelectuais e estudantes. Contudo, o trotskismo também se caracteriza por sua radicalidade e capacidade de interpretar a realidade social brasileira. Segundo os autores, isto permitia aos trotskistas "observar e enunciar realidades que escapavam a outras organizações políticas contemporâneas." O trotskismo contribuiu ainda para romper com o monolitismo do partido único, dando um caráter pluralista à historia do movimento operário e fornecendo chaves teóricas para a discussão dos impasses e derrotas dos projetos da esquerda. (pp. 103-04) As raízes do trotskismo brasileiro estão nas polêmicas e enfrentamentos no seio do Partido Comunista da União Soviética e na III Internacional. A derrota de Leon Trotsky, o profeta assassinado, determinou a reconfiguração do movimento comunista internacional com a formação da Oposição Internacional de Esquerda e, posteriormente, a IV Internacional. É neste contexto que Mário Pedrosa e outros militantes assumem a tarefa de construir a alternativa trotskista no Brasil. Os autores analisam as contribuições e dificuldades desta primeira geração de trotskistas e das posteriores: suas formulações teóricas, a difícil convivência com os comunistas do tronco pecebista e seus embates internos, influenciados pela conjuntura nacional e pelas polêmicas no interior da IV Internacional. Chegamos ao capítulo 4, escrito por Margarida Luiza de Matos Vieira. A autora estuda a contribuição do Partido Socialista Brasileiro, no período 1947-1965. um primeiro elemento que chama a atenção é que o PSB não se afirmava como um partido marxista, embora influenciado pelo pensamento de Karl Marx e de outros teóricos marxistas. O PCB reconhecia esta contribuição e se pretendia um espaço aberto a todos que desejassem lutar por uma sociedade fundada no socialismo e na liberdade. No PSB, mescla-se o socialismo democrático, desvinculado da tradição stalinista, com um socialismo inspirado no pensamento de Rosa Luxemburgo, e uma concepção liberal sobre o Estado e a sociedade. Analisando o programa do PSB, sua prática política e sua trajetória, a autora conclui que o mesmo se constituiu num "partido-semente", agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e mesmos dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia." (pp. 181-82) Também aqui, é possível verificar semelhanças com o Partido dos Trabalhadores, em especial na fase da sua formação e nos primeiros anos. Em ambos confluíram várias vertentes do pensamento social. Também o PT assumiu-se como alternativa ao marxismo oficial do PCB e ao trabalhismo e, especialmente a partir do seu VI Encontro Nacional, no clima da queda do muro de Berlim, assumiu a democracia como centro da sua política, propugnando um resgate do socialismo democrático. Como o PSB do período estudado na obra, o PT terminou por enfatizar a estratégia eleitoralista, reservando para o socialismo o lugar das calendas. A radicalização do movimento social nos anos 1960 gerou condições propícias para o surgimento de uma esquerda desvinculada tanto da tradição stalinista quanto da alternativa trotskista atuante à época, o Partido Operário Revolucionário (POR). Nesta conjuntura, acrescenta-se mais um ingrediente: o crescimento da esquerda católica, em especial no movimento estudantil. É neste contexto que surgem as duas organizações políticas analisadas, respectivamente, por Marcelo Badaró Mattos e Marcelo Ridenti: a POLOP e a AP. Para a formação da POLOP convergiram militantes descontentes com o reformismo do PCB, setores radicalizados da Juventude Socialista do PSB (Guanabara), parte da Juventude Trabalhista (em Minas Gerais) e outros marxistas independentes. Em sua formação inicial participaram militantes destacados na política e na intelectualidade brasileira: Theotônio dos Santos, Moniz Bandeira, Ruy Mauro Marini, Juarez Guimarães, Emir e Eder Sader, Michel Lowy e Eric Sachs, mais conhecido pelo pseudônimo de Ernesto Martins. A POLOP também é reflexo de uma dissidência a nível internacional, que se distanciara tanto do stalinismo quanto do trotskismo. Neste sentido, seus militantes bebem em fontes luxemburguistas e no pensamento de autores poucos conhecidos no Brasil, como Brandler e Talheimer. O autor do capítulo sobre a POLOP, intitula-o, apropriadamente, Em busca da revolução socialista: a trajetória da POLOP (1961-1967). Com efeito, a ORM-POLOP é a primeira organização marxista, depois dos trotskistas, que apresenta uma análise da revolução brasileira contestatória à concepção etapista hegemonizada pelo stalinismo e propõe um Programa Socialista para o Brasil. O autor analisa esta contribuição para o debate no seio das esquerdas, suas origens, composição, inserção nos movimentos sociais e faz um breve balanço. O caso da Ação Popular é singular. Trata-se da síntese construída nos anos 60 entre o marxismo e o cristianismo. O estudo das origens da AP, suas propostas e sua trajetória peculiar nos ajuda a compreender subjetividades, potencialidades e contradições de projetos societários construídos historicamente. As relações entre religião e política, ou mais precisamente, entre religião e marxismo, permanecem como um mistério a ser desvendado: até que ponto a política é sacralizada? Até onde podemos falar em secularização da religião num sentido político? O estudo desta experiência nos ajuda a entender esta difícil relação que, diga-se de passagem, não se restringe ao Brasil: esquerda católica e marxismo se mesclam em toda a América Latina. Retornando com força com força nos anos 1980, a partir da atuação das pastorais e Comunidades Eclesiais de Base fundadas na teologia da libertação, e também devido à experiência da revolução nicaragüense, é um fenômeno que mantém atualidade. Neste capítulo, o autor também analisa as influências das revoluções cubana e chinesa e a tensão vivenciada pelos militantes da AP entre um humanismo cristão em vestes marxistas e a plena adesão ao ideário marxista, cujo significado pode ser medido por quem experimentou crises religiosa, pois, em última instância, trata-se da negação, não apenas da religião, mas da própria idéia de Deus. Crise semelhante vivenciaram os comunistas quando na década de 1950, tiverem que romper com o mito de Stalin, a partir das denúncias dos seus crimes. A questão é emblemática: nestes casos pode-se falar em superação plena da religião ou seria o caso de pensarmos num sacerdócio racionalista e secular, fundado em símbolos e na militância marxista. Com isto, sugerimos temas indicados pela leitura; o objetivo do autor, é claro, é analisar a experiência política da AP, das suas origens à sua completa dissolução nos anos 1980. Sabemos que boa parte dos militantes da AP terminaram por abraçar a idéia de que o partido do proletariado é único e, nos debates do período, pareceu-lhes que este partido era o Partido Comunista do Brasil (observemos que vários dirigentes deste partido são originários da AP). Os organizadores da História do Marxismo anunciam que o próximo volume da História do Marxismo tratará, entre outros temas, do Partido Comunista do Brasil. Está ótimo! Porem, em nossa singela opinião, o presente volume, pelo período abordado, seria o espaço mais apropriado, pois, forneceria um quadro mais abrangente das esquerdas até os anos 1960. Sabemos que a História do Marxismo é uma longa história. Quando, nos anos 1980, o prestigiado historiador Eric J. HOBSBAWM organizou a História do Marxismo, em âmbito internacional, abriu-se a possibilidade de compreensão desta história sem os maniqueísmos, sectarismo e dogmatismos presentes na trajetória dos marxistas. Como escreveu HOBSBAWM, prefaciando o primeiro volume da série: "Comecemos pelo pressuposto evidente de que a História do Marxismo não pode ser considerada como algo acabado, já que o marxismo é uma estrutura de pensamento ainda vital e sua continuidade foi substancialmente ininterrupta desde o tempo de Marx e Engels". (1983: 13) Um projeto com esta amplitude só teria sucesso se partisse do princípio de que o marxismo deve ser tratado no plural, como também os temas e os autores devem respeitar este pluralismo. Neste sentido, o correto é mais correto nos referirmos aos marxismos e não propriamente ao marxismo, no singular. Como bem salientou Carlos Nelson Coutinho: "Ao admitir o fato real do pluralismo nas investigações marxistas, não se está admitindo um relativismo vulgar ou um ecletismo anticientífico. O que está é se constatando outro fato real: que também no interior do marxismo, a busca da verdade não pode fugir à explicitação ampla e democrática de um debate aberto, de um livre confronto de idéias." (Id., da apresentação) Tudo isto parece óbvio, não fosse a tradição sectária, dogmática e autoritária presente no movimento comunista. Não por acaso, o próprio Marx recusou a alcunha de marxista. Não esqueçamos que nos tempos sombrios as divergências eram superadas de uma forma abominável: pelo aniquilamento físico (Trotsky e os militantes dos POUM, durante a guerra civil espanhola, são exemplos clássicos desta triste memória histórica). Tempos em que se proibia a amizade, namoro ou qualquer tipo de aproximação com os inimigos da classe operária, ou seja, os trotskistas. Prevalecia a lógica da política amigo-inimigo. Portanto, um dos aspectos mais relevantes desta História do Marxismo no Brasil, desde o seu primeiro volume, é o tratamento pluralista dos temas, seguindo a trilha aberta pela obra organizada por Hobsbawm. O leitor mais jovem ou menos afeito à política marxista, no passado e no presente, pode até mesmo considerar natural tamanho pluralismo. Mero engano! Em outros tempos não muito longínquos, uma obra com estas características seria impensável e impraticável. Recordo-me por exemplo, das dificuldades que tive quando, nos anos 1980, encetei a saborosa aventura de escrever a História das Tendências no Brasil. À época, ainda sob o rescaldo da ditadura militar, este era um tema tabu: muitos se recusaram a falar sobre ele; outros nutriam uma desconfiança política-ideológica (afinal, era um jovem sem militância nas organizações tradicionalmente vinculadas ao marxismo); desconfiança no tocante à segurança (ainda se tentava superar os insuperáveis sofrimentos da ação repressiva e da clandestinidade). A todas estas dificuldades, perfeitamente compreensíveis, juntava-se a exígua disponibilidade de fontes bibliográficas. Em compensação, o raiar da liberdade aguçou o espírito da nova geração sedenta de saber; uma geração sem militância nas organizações tradicionalmente vinculadas ao marxismo e que estavam sujeitas a um anticomunismo velado ou explícito, seja no interior de organizações como o PT, em movimentos pastorais ligados à Teologia da Libertação, no movimento sindical e social em geral. Nunca esqueço os conselhos para que me afastasse de determinado indivíduo, porque este cometia o grave pecado de ser comunista. Minha geração, em sua maioria, desconhecia a História do Marxismo. E os marxistas não contribuíam muito para se fazerem conhecer. Reduzidos às organizações sobreviventes do ciclo ditatorial apegavam-se em demasia a uma retórica que dificultava a aproximação dos que ainda não haviam se iniciado nos mistérios da militância em tendências. Tratava-se de marcar posição, ocupar as trincheiras e fazer valer suas verdades. Este clima favorecia o sectarismo, mas não anulava os movimentos de tentativa de converter as consciências e conquistar novos quadros. Eram verdadeiros assédios às consciências em formação. Converter-se pressupunha conhecer – sob o risco de se tornar um papagaio, repetidor de fórmulas e discursos políticos memorizados pelas leituras fáceis e a doutrinação dos líderes. E mesmo os não convertidos, pouco a pouco, se deram conta de que era preciso conhecer os marxistas, ainda que com o objetivo de melhor combatê-los. Num e noutro caso, o ato de conhecer estava vinculado ao agir, à militância. Embora a época atual testemunhe, para muitos, a crise das utopias e o interesse acadêmico prevaleça sobre a curiosidade militante, pensamento que se faz ação, a obra História do Marxismo no Brasil é uma contribuição fundamental a quem deseje conhecer a trajetória dos partidos e organizações de inspiração marxista. Hoje, quando o Partido dos Trabalhadores governa cidades e Estados e se credencia para dirigir o país, torna-se fundamental retomar e aprender com a história. A História do Marxismo também cumpre este papel. Seja por objetivos acadêmicos, seja por desígnios militantes, é essencial conhecermos o nosso passado histórico.
Fundação legal do PT no Colégio Sion (10 de fevereiro de 1980)
Em 10 de fevereiro, atendendo a uma convocação da Comissão Nacional Provisória, reuniram-se, no Colégio Sion, em São Paulo, representantes do Movimento Pró-PT de 17 Estados brasileiros, já representando articulações regionais que escolhiam democraticamente suas coordenações estaduais e já tomavam iniciativas para campanhas de filiação, alugar sedes, produzir boletins e ampliar o movimento para os municípios do interior do País. Nesta oportunidade foram coletadas as 101 assinaturas exigidas pela Lei Orgânica dos Partidos em vigor para encaminhar o pedido de registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
Divergências na fundação do PT Perseu Abramo *A existência, o papel e a importância de grupos originados de organizações de esquerda dentro do Partido dos Trabalhadores passaram a ser, na última semana, um dos tópicos de discussão nos círculos políticos. O tema surgiu durante e após a reunião nacional de fundação do PT, realizada no dia 10, nas dependências do Colégio Sion, em São Paulo. Convocada para aprovar o Manifesto de Lançamento - cuja primeira divulgação pública se havia dado a 10 de janeiro - e para eleger a Comissão Diretora Nacional Provisória, a reunião só chegou a tratar do primeiro dos dois itens; por consenso dos mil e duzentos presentes à sessão do final da tarde, adiou-se para o Encontro Nacional de 12 e 13 de abril a eleição da Comissão Nacional. A reunião do dia 10 ressentiu-se de falhas de organização consideradas normais pelos dirigentes, num partido que ainda está nos primeiros passos de sua formação e quase não conta com quaisquer recursos materiais. Por causa disso, e por causa das dificuldades em atender a todos os pedidos de credenciamento, a sessão da manhã começou depois do horário de início previsto. As dificuldades foram também de natureza política: nem todas as delegações de fora de São Paulo - havia 18 Estados representados - atenderam ao requisito de credenciar um representante para cada grupo de 21 militantes de núcleos, mais os líderes e dirigentes sindicais indicados pelos núcleos ou pelas regiões. O resultado é que, pressionada pelo enorme número dos que não teriam credenciamento, a direção do encontro foi obrigada a admitir todos no recinto dos debates, concedendo direito a voz aos não credenciados; a recomendação de separar fisicamente, dentro do auditório, os credenciados e os não credenciados não foi integralmente respeitada por estes últimos, o que não permitiu diferenciação entre os dois tipos de participantes, nas fases de discussão. Nas votações das cinco comissões em que se dividiu o plenário, contudo, o critério foi respeitado, e na sessão plenária final, que tornou a congregar os participantes das comissões de trabalho, o critério foi desnecessário, uma vez que as resoluções foram adotadas por aclamação. PRINCIPAIS DECISÕES Dirigida pelo coordenador nacional do PT, o líder sindical Jacó Bittar, a mesa foi secretariada pelo senador goiano Henrique Santillo e contou com a presença do deputado fluminense Edson Khair, de Lula, de Paulo Matos Skromov e de outros líderes populares e dirigentes sindicais. Também sentaram-se à mesa, na parte da manhã, os seis primeiros signatários do Manifesto de Lançamento, muito aplaudido pelo plenário: Mário Pedrosa (fundador do semanário "Vanguarda Socialista" em 1945), Manuel da Conceição, líder camponês do Nordeste; Sérgio Buarque de Holanda, historiador; Lélia Abramo, atriz; Moacir Gadotti, em nome do educador Paulo Freire; e Apolônio de Carvalho, fundador do PCBR. O final da manhã e quase toda a parte da tarde foram ocupados com discussões acirradas a respeito do Manifesto de Lançamento. Foi no processo dessas discussões que se começaram a delinear com maior nitidez as teses defendidas por militantes originários de algumas organizações políticas e as endossadas pelos principais líderes sindicais e parlamentos do PT. Foram feitas acusações recíprocas de "obreirismo" e de "linguajar pseudo-radical", de "legalismo" e "parlamentarismo". Não obstante, no final foi aprovado por consenso, na Comissão de Redação, e por aclamação, no plenário de mil e duzentas pessoas, um Manifesto de Lançamento que não difere muito, no essencial, da sua versão original, mas que contém mudanças de forma no sentido de acentuar a diferenciação entre as classes trabalhadoras e o conjunto da sociedade. Essas diferenças de forma é que foram abundantemente exploradas pelos jornais das grandes empresas, na semana que passou, e que deram origem a disseminadas preocupações sobre as perspectivas de constituição do PT. Em relação à Comissão Nacional, a decisão tomada foi a de manter-se a atual Coordenação, provisoriamente, até o encontro de 12 e 13 de abril, quando deverá ser eleita, de acordo com a Lei Orgânica dos Partidos, a Comissão Diretora Nacional Provisória, que deverá solicitar o registro provisório do partido até a realização da Convenção Nacional e eleição da Comissão definitiva. Até 12 e 13 de abril, contudo, deverão ser eleitas, por plenárias estaduais, as Comissões Diretoras Regionais Provisórias, que serão depois referendadas pela Nacional. "O objetivo fundamental da reunião" - disse Paulo Mattos Skromov, membro da Coordenação Nacional do PT - "é a fundação do partido, sem desprezar nenhum espaço de atuação política dos trabalhadores, e, com esse espírito, nos lançarmos à luta pela legalização do PT. Para isso, estamos hoje abrindo o período preparatório para o Encontro Nacional, com a intensificação de filiação dos militantes, a discussão dos pontos programáticos e estatuários e a adoção dos passos destinados à obtenção do registro no Tribunal Superior Eleitoral". APRECIAÇÕES DIVERSAS Entre os próprios líderes e dirigentes do PT, contudo, foram diversas as avaliações sobre a reunião de fundação do partido. Para alguns, os chamados grupos organizados, que muitos qualificam de "radicais", obtiveram vitórias significativas, principalmente na versão final do Manifesto e no adiantamento da eleição da Comissão Nacional, interpretado pelos que assim pensam como manobra para dificultar ou impedir a legalização do PT. Para outros, o resultado final da reunião, ao contrário, evidenciou que esses grupos são minoritários, levando-se em conta, principalmente, que suas teses não obtiveram o endosso da maioria dos trabalhadores militantes do PT. O coordenador nacional do PT, Jacó Bittar, fez uma avaliação positiva da reunião, afirmando que ela demonstrou a democracia interna do partido, mas prometeu lutar contra eventuais tentativas de hegemonia por parte dos grupos organizados que não representam a vontade dos trabalhadores. Essa, também, é a opinião de Lula, que acrescentou não estar disposto a fazer o papel de "entregar ao Sistema" esses grupos, embora também não admita a substituição da hegemonia dos trabalhadores, dentro do PT, por facções que não os representem. Já o deputado federal Airton Soares foi mais contundente nas suas críticas, considerando que a reunião do dia dez não foi democrática e reafirmando que o PT é um partido dos trabalhadores e não uma frente de organizações de esquerda. E o economista Paulo Singer, escrevendo na "Folha de São Paulo" do dia 14, elogiou o espírito democrático da reunião do dia dez e acentuou o caráter de classe do novo partido, que, segundo ele, tem uma originalidade: "…o PT foi iniciado por líderes sindicais, ou seja, parte de figuras representativas da sociedade civil, enquanto os demais partidos em formação foram originados da área política". Movimento de 18 a 24/02/80 10 de fevereiro de 1980 - significado da data O dia 10 de fevereiro de 1980 ficou consagrado como a data oficial da fundação do PT. Contudo, desde o ano de 1978, a proposta de organização de um partido de trabalhadores vinha sendo objeto de acirradas discussões no meio sindical. Com avanços e recuos a idéia foi avançando e várias etapas foram cumpridas ao longo do ano de 1979. Em 24 de janeiro daquele ano foi apresentada e aprovada a tese elaborada pelos metalúrgicos de Santo André para discussão no IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e Eletricitários do Estado de São Paulo, realizado em Lins/SP. O IX Congresso, representando mais de um milhão de metalúrgicos, deixava claro que um partido de trabalhadores só teria legitimidade se nascesse de um programa feito pelos próprios trabalhadores, sem interferência dos patrões. Dessa reunião saiu a proposta de organização de uma comissão com representantes de outros estados para discutir o programa e os estatutos do futuro partido. No dia 1º de maio do mesmo ano, foi dada a público a Carta de Princípios do PT e no dia 13 de outubro, em S. Bernardo do Campo, foi aprovada uma Declaração Política e criada a Comissão Nacional Provisória que iria dirigir o Movimento Pró-PT em todo o território nacional. Nessa reunião estavam presentes, além dos sindicalistas, vários representantes de movimentos sociais e da igreja progressista, intelectuais, militantes de esquerda de variadas posições, que, todos, convergiam para engrossar o movimento pela criação do partido dos trabalhadores. O dia 10/2/80 ficou marcado como sendo o da fundação do PT, porque na reunião realizada no Colégio Sion cumpria-se uma formalidade indispensável, de acordo com a Lei Orgânica dos Partidos, para que o registro da nova agremiação se tornasse possível: a aprovação do Manifesto, com um mínimo de 101 assinaturas, expressando os objetivos e as linhas fundamentais de pensamento que deveriam ser a base da proposta do partido. Paulo Skromov, membro da Comissão Nacional Provisória do Movimento Pró-PT, conta (ver depoimento publicado abaixo na matéria intitulada "Fundação legal do PT no Colégio Sion"), que a realização dessa reunião chegou a parecer para alguns dos organizadores uma "bobagem". Nas palavras de Skromov, diante da magnitude que o movimento tinha assumido, estendendo-se por todo o país, com milhares de adesões, a reunião de apenas 101 pessoas para assinarem um Manifesto que era exigido pela legislação, parecia muito pouco, uma formalidade sem muita significação. Contra tal opinião pessimista, o que aconteceu no dia 10 de fevereiro, no auditório do Colégio Sion, foi muito mais do que uma reunião formal. Em primeiro lugar, pelo comparecimento maciço dos representantes de quase todos os Estados (242 delegados, mais de 1.000 participantes) e pela presença de vários convidados, não engajados no movimento mas que foram dar apoio à iniciativa. Mas também, e talvez isso tenha sido o mais importante, pelo clima de congraçamento entre os diversos setores que se dispunham a levar avante o projeto da construção do Partido dos Trabalhadores. Fora preciso vencer muitas barreiras: as dúvidas quanto à viabilidade do projeto; a divergência de concepções (tanto no movimento sindical como entre os intelectuais); as desconfianças mútuas entre os militantes de esquerda e os ativistas de movimentos sindicais e populares a que se refere Vinícius (ver depoimento de Vinicius Caldeira Brant); os "preconceitos" da parte dos sindicalistas contra "intelectuais", contra parlamentares e contra estudantes, e vice-versa; e assim por diante. Mas, finalmente, a utopia, há longo tempo alimentada por tantos dos antigos militantes de esquerda, de construir um partido amplo, enraizado nos sindicatos, nos movimentos populares, no meio da juventude (ver depoimento de Paul Singer), parecia tomar forma visível, concreta, naquele auditório do Colégio Sion. Víamos ali, lado a lado, militantes de várias gerações que haviam lutado contra os regimes de opressão, professores universitários, representantes de igrejas e dos mais variados movimentos populares e associativos, intelectuais e a nova vanguarda sindical. Todos juntos num objetivo comum. O entusiasmo gerado por essa percepção foi sem dúvida um dos fatores que concorreram para deflagração das campanhas - de legalização e filiação - que permitiram que, em tempo recorde, todas as exigências da lei partidária fossem cumpridas e o PT pudesse começar sua vida legal. O objetivo da Fundação Perseu Abramo foi recolher, nesta página, alguns documentos, depoimentos de seis dos signatários da ata de fundação do Partido, transcrições de textos e citações, ilustrando a participação de algumas das milhares de pessoas que foram parte importante dessa história. Acreditamos que todo o material reunido será importante, não só para "o resgate do passado", mas também para permitir uma reflexão sobre o "daqui por diante", contribuindo, assim, para o enfrentamento dos complexos desafios que o nosso partido tem pela frente. Zilah Wendel Abramo - vice-presidente da Fundação Perseu Abramo. O manifesto dos 113
O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá. A grande maioria de nossa população trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir através de suas lutas. As grandes maiorias que constróem a riqueza da nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo. Nascendo das lutas sociais Após prolongada e dura resistência democrática, a grande novidade conhecida pela sociedade brasileira é a mobilização dos trabalhadores para lutar por melhores condições de vida para a população das cidades e dos campos. O avanço das lutas populares permitiu que os operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores da periferia, trabalhadores autônomos, camponeses, trabalhadores rurais, mulheres, negros, estudantes, índios e outros setores explorados pudessem se organizar para defender seus interesses, para exigir melhores salários, melhores condições de trabalho, para reclamar o atendimento dos serviços nos bairros e para comprovar a união de que são capazes. Estas lutas levaram ao enfrentamento dos mecanismos de repressão imposto aos trabalhadores, em particular o arrocho salarial e a proibição do direito de greve. Mas tendo de enfrentar um regime organizado para afastar o trabalhador do centro de decisão política, começou a tornar-se cada vez mais claro para os movimentos populares que as suas lutas imediatas e específicas não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo trabalhador. Por isso, surgiu a proposta do Partido dos Trabalhadores. O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados. Por um partido de massas O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce, portanto, da vontade de emancipação das massas populares. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra de seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade, dos exploradores para os explorados. Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores. Queremos a política como atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade. O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias. Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em conse-qüência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases. P ela participação política dos trabalhadoresEm oposição ao regime atual e ao seu modelo de desenvolvimento, que só beneficia os privilegiados do sistema capitalista, o PT lutará pela extinção de todos os mecanismos ditatoriais que reprimem e ameaçam a maioria da sociedade. O PT lutará por todas as liberdades civis, pelas franquias que garantem, efetivamente, os direitos dos cidadãos e pela democratização da sociedade em todos os níveis. Não existe liberdade onde o direito de greve é fraudado na hora de sua regulamentação, onde os sindicatos urbanos e rurais e as associações profissionais permanecem atrelados ao Ministério do Trabalho, onde as correntes de opinião e a criação cultural são submetidas a um clima de suspeição e controle policial, onde os movimentos populares são alvo permanente da repressão policial e patronal, onde os burocratas e tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular. O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas. Lutará por sindicatos independentes do Estado, como também dos próprios partidos políticos. O Partido dos Trabalhadores pretende que o povo decida o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do País. As riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade. Para isto é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares. Mas estes interesses não prevalecerão enquanto o poder político não expressar uma real representação popular, fundada nas organizações de base, para que se efetive o poder de decisão dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis da sociedade. Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o País só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo.
Trabalho e Política Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores (Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação – PT) IntroduçãoA irrupção das massas trabalhadoras no cenário político do século XIX gerou as condições necessárias para o surgimento dos partidos operários de massas, socialistas e social-democratas. Neste momento, os trabalhadores ultrapassam ao âmbito da organização sindical e economicista, voltando-se para a construção de organizações de cunho político. Os caminhos são vários e indicam relações diferentes e contraditórias entre os sindicatos e os partidos. No caso inglês, por exemplo, a organização política, o Partido Trabalhista, surge vinculada e submetida à organização sindical. Já os alemães construiriam uma forte organização social-democrata que estabeleceu uma relação conflituosa e de equilíbrio com o movimento sindical. Onde o sindicalismo era fortemente influenciado pelo anarquismo, a organização política, o partido político, teve mais dificuldades de se implantar. No Brasil, a experiência anarco-sindicalista, aliada à realidade objetiva e subjetiva da classe trabalhadora em suas origens, predominou por muito tempo. Os diversos partidos surgidos em finais do século passado, e nas primeiras décadas deste, não conseguiam se firmar enquanto organizações com fortes vínculos com os trabalhadores. Em geral, reduziam-se a pequenos grupos intelectualizados da classe média e não resistiam à evolução do tempo. Um marco neste processo foi a fundação do Partido Comunista, seção brasileira da Terceira Internacional. É interessante observar que esse partido forma-se no bojo da influência da Revolução Russa de 1917 e, inclusive, com a conversão de vários anarquistas à forma de organização bolchevique e comunista. Esta forma organizativa firmou-se entre os trabalhadores e, pelo menos até 1964, a despeito das suas cisões e dos concorrentes, manteve a hegemonia no movimento social organizado. A fragmentação da esquerda marxista no período posterior ao golpe militar, por seus erros de análise e de estratégia, mas também devido à intensa repressão da qual foi vítima, gerou um vácuo ocupado pelo surgimento de uma nova vanguarda de sindicalistas e de militantes de base, cuja referência foi o ABC paulista. Novamente, colocou-se em pauta a construção do partido político dos trabalhadores. Contudo, esse novo tem a influencia do que considera velho e incorpora sua herança. Portanto, a formação do PT e da Articulação 113 atualiza um debate já muito antigo: a necessidade de os trabalhadores se organizarem em partidos políticos e suas relações com as demais formas de organização sindical e popular. A experiência da organização política dos trabalhadores tem aqui sua continuidade. Por outro lado, também fornece os elementos para a análise das possíveis rupturas com a tradição inaugurada com os grandes partidos social-democratas europeus. A Articulação: origens, caráter e influência política Tendência majoritária, a Articulação (ART) é a face do PT. Sua política, suas teses, sua prática social e partidária dão o tom ao partido. Detentora do controle da direção partidária, com o domínio da máquina burocrática, a maioria dos parlamentares e dos prefeitos, a ART é a principal responsável pela práxis petista, por suas formulações estratégicas, concepção de socialismo e modelo de partido. Não é exagero afirmar que a evolução do PT se confunde com sua trajetória. Essa influência política determinante tem raízes na própria constituição do PT. O elemento essencial para a formação do PT foi a participação dos sindicalistas. [1] Com efeito, os dirigentes sindicais expressam um dos pilares de sustentação do PT, que lhe dá um caráter de massa. O prestígio dos sindicalistas reflete essa relação – principalmente pelo carisma de lideranças como Lula. Essa base sindical é constituída por diferentes categorias e setores econômicos – com destaque para os metalúrgicos do ABCD. [2] A militância da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), também contribuíram para o crescimento e a consolidação do PT no meio rural. [3] No III CONCUT, 94,1% dos delegados rurais declararam preferência pelo PT. A ART é a principal porta de entrada para o novo contingente de trabalhadores que desperta para a luta política e para muitos dos que decidem assumir a militância partidária. Ela incorpora a maior parte dos militantes que não passara pela experiência do pré-64. [4] A expressividade de suas lideranças, contribui decisivamente para que ela se torne depositária da combatividade e do desejo de participação política de uma geração sem militância orgânica anterior ao PT. Outros fatores, como a linguagem pouco acessível e a ausência de um método mais adequado para o trabalho de massas utilizado por determinados agrupamentos e organizações de esquerda, bem como o sentimento anticomunista arraigado em todos estes anos, também contribuem para o seu predomínio. Destaca-se ainda o fato de essa esquerda, vinculada à tradição marxista, encontrar-se fragilizada pela crise instaurada com a sua derrota no pós-64. Além do mais, a ART, devido à sua prática política pragmática, responde de forma mais positiva às necessidades imediatas da nova geração. Sua composição heterogênea proporciona a flexibilidade organizativa mais adequada às características desta vanguarda emergente. A ART surge em 1983. Em seu primeiro manifesto público, o Manifesto dos 113, defende um PT de massas, de luta e democrático. Durante a maior parte da sua existência, expressa um aglomerado de personalidades e posições políticas diferentes unificadas na defesa do projeto de construção do PT enquanto partido estratégico. Quando da sua formação tem duplo objetivo: 1º) combater as posições dos que ameaçam diluir o PT numa "frente oposicionista liberal como o PMDB" ou daqueles que se deixam "seduzir por uma proposta "socialista" sem trabalhadores, como o PDT"; e, 2º) combater as Tendências organizadas que, em sua avaliação, mantém uma prática ambígua em relação ao PT, ora concebendo-o como um partido tático, ora intentando transformá-lo numa organização à sua semelhança, com política e métodos marxistas e/ou leninistas. (VIANA, 1991: pp. 121-23). Para a ART, a esquerda organizada não se submete à democracia do PT mas sim a comandos paralelos que priorizavam a divulgação das suas posições em detrimento daquelas do partido. Neste momento, a ART não se vê como uma das Tendências do partido. Numa simbiose que descarta a contribuição das demais forças políticas, ela se coloca como a única autenticamente petista – os outros seriam os que usavam duas camisas. Sua constituição inaugura o período da bipolarização interna: ela, de um lado; do outro, uma frente composta pelos setores minoritários (as Tendências). Ambas se caracterizam pela heterogeneidade. O petismo transforma-se em sinônimo de engajamento militante na ART. Majoritária e hegemônica, sua força oculta sua vulnerabilidade. Primeiro, porque sua heterogeneidade dificulta a formação de um núcleo dirigente com uma estratégia definida (as formulações a que chega são mediadas pela necessidade de atender aos diversos interesses coletivos e individuais). Segundo, porque há uma disparidade entre a cúpula e a base (em termos de recursos, acesso às informações, formação política etc.). A base não participa da formulação política, apenas ratifica e lhe dá sustentação. Conseqüentemente, a maioria configurada é superficial, sua unidade é frágil e aparente. Os embates teóricos e a experiência adquirida tendem a desenvolver o espírito crítico da base, que pode se transformar em rebeldia e pressão sobre a cúpula, o que acentua a tensão existente em seu interior. Uma das formas de superação dessa tensão se dá pela emergência de setores dissidentes e o posterior rompimento – além dos casos individuais. A dissidência, em geral, surge como manifestação de descontentamento e revolta. De repente, o mecanismo que sustenta as posições majoritárias – de delegação de poder à Comissão Executiva Nacional e de confiança na liderança do núcleo histórico, os sindicalistas – se torna insuficiente. A base passa a exigir a democratização das discussões e decisões e se mostra favorável às propostas consideradas inadmissíveis pela direção. É a "revolta dos bagrinhos". [5] A reação das suas lideranças é diferenciada: alguns dirigentes reforçam a pressão dos liderados e incorporam as críticas; outros adotam uma postura autodefensiva. De qualquer forma, esse processo pressiona a ART a aprofundar as definições políticas e organizativas, isto é, a se assumir enquanto Tendência interna do PT. Na prática, a ART se remodela, constituindo-se, no período que antecede o 5º EN, numa corrente política em torno de Lula e dos sindicalistas, com a participação de setores vinculados à Igreja progressista e incorporando quadros marxistas oriundos da corrente O Trabalho (OT). A formação dessa corrente insere-se no esforço de consolidar um núcleo dirigente. [6] Na prática, isso significa fechar os espaços para os setores que defendem uma política mais branda e conciliadora e para aqueles politicamente não confiáveis abrigados sob o guarda chuva da ART. Esse processo reflete o crescimento da esquerda nos anos 80, cujo auge será precisamente o ano de 1989; e, expressa o esforço político em forjar um maior grau de homogeneidade e de elaboração teórica. Por outro lado, revela a crescente influência dos dirigentes com formação marxista no interior da ART. Esses quadros são originários do PCB e PC do B – e das suas cisões. Suas referências ideológicas são: a revolução cubana, a China e, em certa medida, outros países no Leste Europeu, como a ex-Alemanha Oriental (RDA). Formados predominantemente no caldo cultural stalinista, romperam com o reformismo e a teoria da revolução por etapas e, em sua maioria, abraçaram, desde o início, o projeto de construção do PT como partido estratégico – inclusive como fundadores da ART. Os laços com Cuba induziram à identificação de parcela destes marxistas com o castrismo. Seria este o núcleo dirigente da ART? De fato, parte expressiva dos quadros que organizam a ART provém da experiência da luta armada, em particular dos setores vinculados à ALN. [7] Por isso, concretizou-se a idéia da existência de um grupo castrista organicamente estruturado no interior da ART. [8] Mas, além desses, há outros militantes formados em outras vertentes da tradição marxista: Eder Sader [9] e Marco Aurélio Garcia (POLOP), Luiz Gushiken e Vito Letizia (de formação trotskista) etc. [10] Rui Falcão pondera que não se pode falar na existência de um marxismo orgânico na ART. [11] Mas também constata a influência do marxismo: presente na noção da luta de classes, no conceito de revolução e do Estado, na idéia do acúmulo de forças etc. Essas questões, embora não fossem colocadas conceitualmente, "davam margem à leitura que se fez do período e algumas avaliações de conjuntura e propostas que tiveram o seu cume no 5º Encontro de 1987, quanto o PT pela primeira vez fez uma leitura mais criteriosa da sociedade brasileira", disse. Pomar concorda que não se configurou um núcleo marxista organicamente estruturado como Tendência na Articulação. No entanto, enfatiza o papel dos marxistas. Para ele, esses setores constituem-se nos principais responsáveis pelas formulações políticas e teóricas que a ART consolida nessa fase. [12] A elaboração das suas teses para o 5º EN, por exemplo, tem uma influência decisiva dos militantes vinculados a essa tradição: José Dirceu, Rui Falcão, Wladimir Pomar, entre outros. Eles não precisam se constituir enquanto Tendência pois a própria estrutura orgânica e a feição heterogênea da ART favorecem sua atuação. Soma-se a isso a experiência prática-teórica acumulada e o respeito que conquistaram junto às lideranças sindicais, especialmente de Lula. A atuação desses setores é fundamental para que prevaleça a proposta de construção da ART enquanto Tendência. Mas as dificuldades para consolidar esse processo são enormes: a ART mantém o caráter de um condomínio entre diferentes grupos em disputa por mais espaço e poder; a relação da direção com a base permanece ambígua, com desvios cupulistas; e há uma ala contra a sua configuração enquanto corrente permanente e centralizada. Além de tudo, a necessidade de manter a hegemonia no partido constitui uma força oposta ao esforço de delimitação e depuração da base política: para garantir a maioria torna-se necessário estabelecer alianças à direita no espectro partidário. Isso restringe a obtenção de um grau de homogeneidade mínimo e necessário que possibilite a unidade – sua coesão é dada pelo peso da direção nacional, sobretudo por Lula. Essa diversidade favorece os movimentos de dispersão e a irrupção da rebeldia – de forma individualizada ou organizada. Por outro lado, expressa uma diferença fundamental em relação aos modelos monolíticos de partidos. Nessa fase, as divergências internas e o descontentamento da base se manifestam com maior intensidade. Setores dirigentes, predominantemente em São Paulo, são favoráveis à dissolução das Tendências e contra a sua regulamentação [13] ; outros defendem o reconhecimento explícito do direito de tendência, inclusive da ART. Às vésperas do 5º EN, realizado em dezembro de 1987, em Brasília, a Comissão Executiva Nacional, composta unicamente por membros da ART, aprova o reconhecimento formal do direito de tendência e descarta a tese da proporcionalidade. [14] Essas posições, referendadas pelo Diretório Nacional, com maioria da ART, são comunicadas aos seus delegados através de várias reuniões paralelas. Os argumentos e o peso dos dirigentes não são suficientes para evitar que a ART se divida sobre o tema. [15] Esta polêmica reflete a insatisfação da base e de dirigentes da própria ART diante dos métodos adotados pela maioria. A exigência da democratização interna e a crítica ao hegemonismo resulta na unificação dos setores dissidentes, que impulsionam a formação da Vertente Socialista (VS). [16] Por outro lado, impõem a necessidade de a ART repensar seu papel e a forma de atuação, redefinindo sua estrutura organizativa e sua política. Já no início de 1988, sua Coordenação Nacional [17] reconhece a nova realidade e lança um documento como subsídio para seu I Seminário Nacional. Nesse documento, os dirigentes máximos da ART reconhecem que a "reflexão partidária tem sido muitas vezes improvisada e superficial" e que sua prática política carece de "planejamento e operacionalidade". [18] Eles observam que o crescente prestígio do PT não se traduz em "incremento da organização partidária e da militância petista" e propõem que a ART se organize com o objetivo principal da "afirmação do PT como Partido estratégico da revolução brasileira". (ARTICULAÇÃO NACIONAL, 1988, p. 03) O Seminário Nacional é precedido da organização de seminários estaduais. Nos estados a realidade da ART corresponde à diversidade de origens e trajetórias políticas dos seus militantes. Essas diferenças se expressam também em posicionamentos divergentes, que geram vários problemas políticos e de relacionamento. A coordenação provisória, ciente dessa situação, aconselha a realização de plenárias conjuntas, que objetivem superar as dissensões internas. Na impossibilidade de isso ocorrer, os representantes dos diversos setores são convidados a participar do Seminário Nacional. A coordenação decide ainda visitar os estados, em missão de paz. [19] A realização dos encontros estaduais possibilita uma amostragem das realidades regionais da ART. Em São Paulo, por exemplo, os militantes observam os seguintes aspectos: desconhecimento da maioria em relação às resoluções do 5ºEN e falta de discussão sobre elas; defasagem entre a direção e os quadros intermediários e a base; levantam a necessidade de aprofundar o debate sobre a relação entre o programa democrático e popular e o socialismo; e cobram uma maior participação dos sindicalistas – que não estariam construindo o partido. Em Minas, o seminário ocorre nos dias 16 e 17 de abril, com a participação de 115 pessoas, representantes de 19 municípios. Também nesse caso, observa-se a dificuldade de inserção dos dirigentes sindicais no cotidiano do partido (constata-se, por exemplo, a ausência destes na secretaria sindical). [20] No Rio de Janeiro, a ART funciona inicialmente através da Secretaria Sindical do PT, que aglutina os esforços para a atuação junto à CUT. Esvaziada, "por falta de discussão e iniciativas conjuntas", ela é reorganizada em fins de 1986, basicamente por sindicalistas. Neste ínterim, alguns se afastam e formam outras articulações. O mosaico carioca acusa divergências quanto à política de alianças e a estrutura partidária. [21] No Espírito Santo, a ART encontra-se dividida em dois setores que se distanciam a partir da luta social no campo. Um setor aglutina-se em torno dos trabalhadores rurais sem terra; no outro despontam os sindicalistas rurais. A ART só consegue a unidade em torno de questões imediatas. Nesse encontro, os participantes chegam a um acordo, formando uma coordenação provisória composta por lideranças dos dois grupos. Em Santa Catarina, a ART toma corpo com a preparação da Plenária Estadual de abril de 1986. Em 1988, incorpora os militantes que haviam rompido com a Tendência O Trabalho e discute o reingresso dos militantes autonomistas. Embora domine de forma quase absoluta [22] , a ART enfrenta problemas quanto à composição da direção executiva. Outra dificuldade, considerada a principal, diz respeito à "falta de consciência política dos militantes da necessidade de se articular" e, por outro lado, ao "acúmulo de tarefas" dos dirigentes – duplicidade de cargos na direção partidária e na ART. [23] Além das dificuldades apontadas, a ART se divide em torno de questões como: assumir-se ou não como Tendência; Tendência de massas ou de quadros; funcionamento e tipo de centralismo que deve adotar. Essas questões estão intimamente relacionadas a temas mais gerais como a estratégia, a concepção de partido, a relação com as demais Tendências etc. O I Seminário Nacional da Articulação realiza-se nos dias 23 e 24 de abril, em Cajamar (SP). [24] Na convocatória, a Coordenação Nacional sugere que os estados escolham como representantes preferencialmente aqueles militantes que foram delegados no 5º EN. Participa a nata da ART, seus melhores e mais expressivos quadros dirigentes. O perfil dos participantes fornece uma amostra do grau de implantação dessa corrente nos Estados, sua composição e características. (ARTICULAÇÃO NACIONAL, 1988b) Conforme os dados, a maior representação concentra-se no eixo Sul/Sudeste (somam 39 membros num total de 71). Na região Centro Oeste, destaca-se Goiás e Distrito Federal (com 12 dos 14 participantes). No Norte/Nordeste, o destaque é para o Pará. Esses números acompanham o grau de implantação do partido e seu crescimento eleitoral nos diversos estados. Quanto às profissões, predominam aquelas ligadas à atividade predominantemente intelectual: setor de serviços e o funcionalismo público. O quadro sugere um alto grau de qualificação educacional. Nas profissões ligadas ao trabalho fabril, devemos considerar a profissionalização dos quadros pelo partido ou seu deslocamento para a atividade parlamentar. É sintomático a exígua participação feminina. A estatística sobre o tempo de militância confirma uma das características da ART já apontadas anteriormente: de ser o pólo aglutinador e ancoradouro político preferencial para nova vanguarda que surgiu a partir de 1978/80. Observamos que os com militância até 10 anos perfazem mais de 54,5%. Considerando que, em geral, os quadros dirigentes têm mais tempo de militância, os números corroboram a novidade que o PT representa enquanto espaço de atuação política. É um partido preponderantemente jovem: 63% dos partícipes têm até 35 anos. A ART expressa a realidade partidária: seu caráter, sua composição, seu discurso e sua prática, sua estratégia etc. Nesse momento ela se coloca enquanto guardiã do partido. Seu objetivo é garantir a aplicação das resoluções do 5ºEN e "assegurar a plena execução das definições fundamentais do Partido, superando os obstáculos e as indefinições" que o entrava. (ARTICULAÇÃO NACIONAL, 1988b, p. 05) Para cumprir esse objetivo de forma eficaz, ela procura superar a fase dispersiva anterior e atuar de forma mais orgânica, com um funcionamento permanente e cotidiano. Nesse aspecto, recusa o caráter de uma articulação "apenas de quadros". Mas, também não se restringe a ser "uma articulação de massas", cujos limites possam "ser confundidos com os do próprio partido". Seu critério de participação exige "um mínimo de acúmulo de discussão política". Seu desafio é superar a dicotomia entre ser de quadros e de massas. A ART decide se estruturar desde o nível municipal até o nacional (através de plenárias, coordenações etc.). Recusa os mecanismos de centralização e subordinação típicos de qualquer organização e advoga a "adesão por solidariedade" e "pelo compromisso político de seus integrantes". [25] Seu objetivo é se diferenciar das demais Tendências. Mesmo se configurando como mais uma Tendência no espectro petista, procura desvencilhar-se deste termo – ao menos no sentido que ele adquiriu pela prática dos grupos políticos presentes no PT. As palavras nunca estão isentas de significado político-ideológico. Na luta interna petista, Tendências eram os outros, os que estavam do outro lado. [26] Ora, o outro só existe em função do interlocutor. Mesmo assumindo-se como Tendência, isto é, como uma entre outras forças políticas que disputam propostas e posições internamente ao PT, a ART mantém o preconceito e a unilateralidade que caracterizou esse conceito na fase bipolar. [27] Esse discurso pertencia ao passado que o 5º EN tornara obsoleto. A época da dualidade entre a ART, de um lado, e a esquerda organizada do outro, se expirava. Ela se renderia às evidências da nova realidade: numa atitude inédita, convida representantes da minoria para participarem da Executiva Nacional. É um indício da aceitação da tese da proporcionalidade. [28] Esse seminário contribui para coesionar a ART. Ele representa uma tentativa de superar a fragmentação presente em vários estados. Aliás, uma das tarefas da Coordenação Nacional eleita [29] é justamente garantir e estimular a busca da unidade. Porém, permanecem problemas como a contradição não resolvida entre a centralização do poder de decisão na CEN e o papel cada vez mais consultivo desempenhado pelo DN. Isso se reproduz na própria ART, no relacionamento entre a sua Coordenação Nacional e os níveis regionais/locais. Suas relações internas tendem a uma centralização, gerando distorções antidemocráticas. Soma-se a isso o fato da sua direção nacional se confundir com a CEN e, assim, diminuir o papel e a intervenção da própria ART como Tendência petista. A Articulação dos 113, a despeito dos seus limites e dificuldades, cumpriu um papel fundamental para que o PT superasse a crise desencadeada logo após as eleições de 1982 e resgatasse seus princípios originais. Agora, estão presentes as mesmas questões, só que num novo patamar. Os desafios expostos pela evolução da realidade política, econômica e social brasileira, do partido e da própria ART, exigem definições políticas e orgânicas mais precisas. O primeiro desafio é avançar na formulação de um projeto estratégico mais preciso. A ART se põe, então, o objetivo de responder a essa realidade. Para ela, o ponto de partida é a defesa da estratégia democrática e popular e a plena execução das resoluções do 5º EN. A Articulação e a estratégia do PT O Partido dos Trabalhadores dá seus primeiros passos situando-se numa perspectiva socialista. Em linhas gerais, seu projeto político é, nas origens, marcadamente anticapitalista. Desde os primeiros documentos e manifestações, o PT defende a construção de uma sociedade socialista, genericamente apresentada como uma sociedade sem explorados nem exploradores. [30] Mesmo genérica e propensa a ambigüidades, essa definição de socialismo distancia-se tanto da social-democracia clássica quanto do stalinismo. Ainda que essa concepção tenha como fundamento basicamente a negação de modelos, é uma referência para a maioria das forças presentes em seu interior. [31] Paralelamente à referência anticapitalista, o PT desenvolve a crítica contundente à política eleitoreira e de manipulação das massas, praticada pelos partidos tradicionais e pela esquerda reformista. Diferentemente destes, o PT concebe a ação parlamentar na perspectiva da luta social, subordinada ao objetivo de organização e luta das massas exploradas e da elevação da consciência política dos trabalhadores. [32] Pluralista e democrático em sua gênese, o PT se define como um partido de massas, crítico à interpretação estreita e dogmática do partido de quadros. Expressão do ascenso do movimento de massas, ele incorpora tanto as suas energias positivas e virtudes quanto as debilidades. Essa identificação com o movimento popular e sindical combativo propicia a sua consolidação e determina o seu caráter de massas – mas especificamente, sua forma orgânica de massas. O crescimento do partido impõe desafios que exige a superação das formulações genéricas. Falta-lhe uma definição estratégica mais precisa, o aprofundamento da concepção de socialismo etc. O 5º EM sintetiza o acúmulo teórico e prático, constituindo-se num marco em seu processo de construção. É neste encontro que se delineia o projeto político estratégico, e é nele que a discussão sobre o tema do socialismo se torna mais efetiva. Além disso, esse encontro fixa novas diretrizes para a atuação dos petistas no movimento sindical e popular; avança na questão da organização partidária; assume o debate sobre as Tendências em seu interior; e, além de lançar a candidatura Lula para a Presidência da República, aprova a orientação geral para as eleições do ano seguinte. Ainda nesse encontro, se esboça um dos elementos fundamentais para a formulação da estratégia e a definição da política de alianças: a caracterização da sociedade brasileira. Segundo a análise predominante, o desenvolvimento capitalista no Brasil resultou na ampliação da dependência econômica, da "super-exploração e da prevalência do capital monopolista nos segmentos mais importantes". (PT,1987, p. 14) Esse modelo de desenvolvimento teria produzido uma estrutura de classes complexa em que, ao lado de uma "massa de assalariados heterogênea", coexistem setores sociais e frações de classe com interesses contrários à classe dominante, como os pequenos proprietários e produtores, que são ao mesmo tempo proprietários dos meios de produção e trabalhadores (pequeno produtor agrícola, autônomos, profissionais liberais etc.). Esse setor, na visão do 5º EN, teria grande importância política e social. (PT, 1987, p.15) Por outro lado, o 5º EN avalia que crescera o poder econômico da burguesia nas últimas décadas e que, conseqüentemente, ela aperfeiçoou sua organização e expandiu os mecanismos de controle ideológico e político da sociedade, ou seja, seu poder de persuasão. Isso seria ainda mais evidente e intenso no setor monopolista da burguesia ligado à indústria de exportação e ao capital financeiro. Ao mesmo tempo, o Estado se modernizara e se fortalecera, tanto como produtor de bens quanto como aparelho coercitivo. Ainda nesse ponto, o 5º EN constata que o desenvolvimento capitalista no Brasil ocorrera sem qualquer mudança na estrutura agrária, isto é, respeitando o monopólio da terra e promovendo sua concentração; que houvera constantemente o recurso à ação repressiva do Estado para mediar a relação capital-trabalho; que sua integração ocorrera de forma "subordinada ao mercado e ao sistema financeiro do imperialismo". (PT,1987) Esses elementos seriam a demonstração da incapacidade do capitalismo no Brasil de "incorporar, ainda que minimamente, milhões de pessoas aos frutos do desenvolvimento", o que limita "a possibilidade da burguesia exercer sua hegemonia na sociedade". (PT,1987) É a partir dessa caracterização da sociedade brasileira que o PT define sua estratégia da alternativa democrática e popular em torno de um programa antiimperialista, antimonopolista e antilatifundiário. Seu objetivo é estabelecer um governo democrático e popular, através da política de acúmulo de forças e de disputa de hegemonia na sociedade. A implementação dessa política pressupõe uma definição mais precisa dos aliados táticos e estratégicos: a frente democrática e popular e a frente única classista. Pressupõe ainda a realização das seguintes atividades interligadas entre si: 1) a organização do PT como força política socialista, independente e de massas; 2) a construção da CUT e a organização do movimento popular independente; e, 3) a ocupação dos espaços institucionais. Com essa formulação teórica, o 5º EN rejeita qualquer possibilidade de aliança com a burguesia, reafirma a necessidade da ruptura revolucionária e a estreita articulação do programa democrático e popular com o socialismo. O PT descarta a tese etapista da revolução brasileira porque esta pressupõe a "possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase popular". E, o que seria mais grave, cria "ilusões em amplos setores democrática popular‘’. (PT, 1987) A "conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista" é, portanto, o objetivo estratégico maior. Essa formulação identifica a existência de dois momentos distintos na luta pelo socialismo: a "tomada do poder político" e, depois, a construção, propriamente dita, do socialismo. (PT, 1987, pp. 10-14) Mais uma vez, a questão da hegemonia se torna o cerne desta concepção. Na visão do 5º EN, a destruição do sistema capitalista e, conseqüentemente, o início da construção do socialismo, presumem que os trabalhadores se transformem "em classe dominante no poder de Estado, acabando com o domínio exercido pela burguesia". (PT,1987, p.10) A resolução aprovada observa que, iniciado o processo de construção do socialismo, ainda permanecem diferentes expressões políticas, reflexo da existência, por um período difícil de prever, de diferentes classes e camadas sociais. Aqui, salienta-se o caráter pluralista da sociedade socialista, expresso também na organização de diferentes partidos. A concepção de socialismo esboçada tem um caráter profundamente democrático e pluralista. O conteúdo socialista das resoluções do 5º EN foi questionado em duas frentes: no front interno, pelas Tendências que viram a estratégia democrática e popular como uma proposta bem comportada de administração do capitalismo. Em outras palavras, um retorno, disfarçado sob retórica revolucionária, às teses etapistas. E ainda, pela crítica à tese do acúmulo de forças. No front externo, tal estratégia foi tencionada pela prática partidária, voltada cada vez mais para a disputa eleitoral, principalmente após a vitória eleitoral de 1988 e a possibilidade de ganhar as eleições presidenciais em 1989. O PT se vê então diante do clássico dilema dos partidos socialistas: negar o capitalismo e, simultaneamente, administrá-lo. O realismo político, isto é, a necessidade de assegurar a governabilidade de um provável governo democrático e popular explica a tentação reformista que toma conta do partido nesta conjuntura. [33] Embora mantenha a retórica socialista, muito mais para o público interno, prevalece a opção por um programa de governo nitidamente de reformas. A campanha Lula Presidente representa o maior teste das resoluções do 5º EN. Se por um lado, reforça a política de acumular forças e a perspectiva eleitoral, a revolução pelo voto; por outro, põe a nu os limites e riscos de uma prática política essencialmente direcionada para a institucionalidade. Nesse contexto, a discussão sobre a tática e a estratégia adquire importância fundamental. A questão da amplitude das alianças políticas, por exemplo, ganha contornos decisivos e polêmicos. Tudo isto se expressa nas disputas e conflitos internos, entre as forças políticas e entre o partido e suas administrações (como na gestão de Luíza Erundina, em Diadema [34] e em Santos). As conclusões sobre a concepção de socialismo do 5º EN são reafirmadas pelos encontros seguintes. No 7º EN, realizado em 1990, os delegados aprovam a proposta apresentada pelo do DN – o qual, encerrava seu mandato. Predomina uma avaliação positiva sobre as mudanças no Leste Europeu, "ainda que o processo esteja sendo hegemonizado por correntes reacionárias favoráveis à regressão capitalista". [35] (CEN/PT,1990, p. 28) A ênfase recai sobre a ação das massas – embora seja observado a possibilidade da restauração capitalista. Nesse momento, o partido considera que o desfecho desse processo ainda está em aberto e seus contornos dependerão da disputa política e social. O PT alerta para o uso pela mídia do termo "socialismo real", no sentido de desqualificar qualquer projeto histórico anticapitalista. A resolução adotada precisa que: "A expressão "socialismo real", em sua generalidade abstrata, desconsidera particularidades nacionais, diferentes processos revolucionários, variados contextos econômicos e políticos etc. Nivela experiências de transformação social heterogêneas em sua natureza e em sus resultados, desqualificando conquistas históricas que seguramente não são irrelevantes para os povos que as obtiveram". (PT, 1990, p. 27) A resolução sobre o socialismo petista, adotada nesse encontro, é vista positivamente pelo conjunto partidário: ela incorpora, ainda que genericamente, o acúmulo do partido sobre a questão. Mas esse consenso não se estende às avaliações – expostas nas oito teses apresentadas no 7º EN – sobre o Leste Europeu e suas conseqüências. [36] O próprio encontro reconhece esse fato ao concluir que não há acúmulo suficiente que permita uma posição definitiva sobre as experiências socialistas, bem como quanto à questão estratégica, e decide pela continuidade do debate. O PT reafirma seu compromisso com o socialismo democrático. No plano econômico, esse socialismo supõe um modelo de sociedade organizada a partir da "propriedade social dos meios de produção" (a qual não se confunde com a "propriedade estatal") e que deve ser "gerida pelas formas (individual, cooperativa, estatal etc.) que a sociedade democraticamente decidir". (PT, 1990, p.29) Essa concepção recusa tanto "a lógica perversa do mercado capitalista quanto o intolerável planejamento autocrático estatal de tantas economias dita "socialistas". Nesse modelo, as prioridades e metas produtivas devem ser definidas pela "vontade social" e não pelos supostos "interesses estratégicos" do Estado. Por outro lado, prevê uma nova organização do trabalho que garanta a gestão democrática no plano de cada unidade produtiva (tendo os Conselhos de fábrica como referência obrigatória); e, no plano geral, através de "planejamento estratégico sob controle social". (PT,1990, pp.29-30) O 1º Congresso aprofunda a formulação sobre o socialismo petista. Nesse congresso, a rejeição da ditadura do proletariado [37] dará lugar à confirmação da democracia como valor universal e à afirmação do "Estado de direito no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e políticas". A concepção de socialismo aprovada prevê a "legitimação majoritária do poder político, o respeito às minorias e a possibilidade de alternância no poder". (PT, 1992) Isso pressupõe o pluralismo partidário e o rechaço à pluralidade restrita aos partidos operários. Em última instância, a democracia socialista que o PT almeja representa a abolição da "distinção entre governantes e governados" e a extinção das "desigualdades de classe e do Estado enquanto aparelho de dominação". (PT, 1992) Na trilha do 7º EN, o congresso reafirma a crítica à social-democracia. [38] Essa formulação exige a adoção de uma estratégia correspondente. O 1º Congresso consolida a concepção estratégica formulada ao longo desses anos, na qual a disputa da hegemonia adquire um papel central. Essa idéia parte do pressuposto de que o poder político se constrói no cotidiano das lutas. Conseqüentemente, a construção do poder popular se inicia ainda no âmbito da sociedade capitalista. Acredita-se, portanto, que esse poder tem um caráter limitado pelas instituições dominantes nessa sociedade. Mas pode, em situações políticas específicas, adquirir outro caráter, se expandir e se generalizar, extrapolando tais limites. Essa estratégia reafirma a crítica à concepção do Estado tradicionalmente aceita pelas organizações e indivíduos identificados com as diversas matizes do marxismo. [39] O 1º Congresso expressa a síntese da evolução teórica do partido, cristalizada na concepção de socialismo democrático e na formulação estratégica. Porém, a retórica revolucionária do discurso petista conflita com sua realidade interna e externa, isto é, com sua composição heterogênea e com a prática social e política. Setores da própria ART principiam a questionar o viés institucionalista que passa a predominar, determinado pelo pragmatismo eleitoral. [40] Os impactos da crise do socialismo real Desde sua gênese, o PT apresenta elementos de ruptura com a tradição marxista-leninista, com vários dos ícones e das certezas ortodoxas da esquerda socialista e comunista e com uma visão crítica dos regimes de partido único, procurando se diferenciar tanto do socialismo burocrático forjado pela vertente stalinista quanto da social-democracia contemporânea. Sem dúvida, comparado à esquerda marxista – em todas as suas vertentes – o PT é inovador: desde a recusa às formulações estratégicas que fundamentam a atuação destas correntes até o modelo leninista de partido. Destoando do comportamento usual entre os marxistas em travar combates homéricos – em certos casos, risíveis – pela representação da continuidade da tradição, o PT não reivindica qualquer legado marxista, leninista., trotskistas ou outros "istas". Enfim, não se coloca como herdeiro nem da II, da III e ou da IV Internacional. [41] Na verdade, a emergência do movimento social no final dos anos 70 e o surgimento PT representa uma segunda fratura [42] sofrida pela esquerda marxista: uma parte se abre a este processo; outra ignora, passa ao largo ou se coloca frontalmente contra. A vertente marxista que adere ao projeto de constituição do PT é heterogênea. Pessoas como José Dirceu, Rui Falcão, Wladimir Pomar, Marco Aurélio Garcia, Eduardo Jorge, expressam experiências políticas diferenciadas. Suas avaliações críticas e autocríticas sobre seu próprio passado resultam em contribuições e atuações divergentes. [43] Essas diferenças convergem, desde a formação do PT, numa direção heterodoxa, isto é, com vários elementos críticos ao marxismo oficial da esquerda tradicional e em relação ao chamado campo socialista. Essa formação possibilita que, em seu 6º EN, o PT se antecipe aos acontecimentos no Leste Europeu reafirmando a crítica às experiências burocráticas de construção do socialismo e enfatizando o aspecto democrático do socialismo. Porém, essa heterodoxia é mediada, desde sua fundação, pelo intercâmbio com outras vertentes marxistas e mesmo com a ortodoxia do socialismo real. Portanto, a novidade que o PT representa é relativa, pois combina continuidade e descontinuidade, ruptura e tradição, o velho integrado no novo. [44] A despeito da formulação democrática em relação ao socialismo, o PT não fica imune à perplexidade que toma conta da esquerda logo após a queda do muro de Berlim. Não por acaso, o partido não consegue apresentar com nitidez uma proposta de socialismo para o Brasil e é acuado pelas indagações e críticas durante a campanha eleitoral de 1989. De fato, as relações com os países socialistas sempre foram dúbias: entre a crítica e o elogio. Se de um lado, o PT teve a ousadia de defender o sindicato independente Solidariedade na Polônia, de romper com o Partido Comunista Chinês em 1989; por outro, manteve relações incestuosas com a burocracia governante e dirigente dos partidos comunistas do Leste e cultuou o Partido Comunista cubano e sua liderança, apoiando-os acriticamente. Com efeito, várias delegações petistas são enviadas para fazerem cursos de marxismo na Alemanha Oriental, cujo partido governante já foi chamado de partido irmão. [45] Um dos grupos de petistas que viaja a esse país, para aprofundar sua formação política, vê-se em situação constrangedora diante dos protestos populares bem diante da sede do partido onde aprendiam o "marxismo real". As dezenas de militantes, selecionados por vínculos políticos e pessoais, que vão aprender marxismo na pátria de Marx são quadros políticos vinculados à corrente majoritária. Para muitos é a primeira experiência internacionalista e/ou a primeira oportunidade de aprofundamento dos rudimentos teóricos que tinham adquirido nos embates concretos e nos cursos ministrados no Instituto Cajamar – que se tornou o centro, por excelência, de formação política da ART. Nas salas de aula da ex-RDA, esses quadros políticos – os futuros formadores da base da ART – aprendem um marxismo que, como testemunha Frei Betto, "em nome da mais revolucionária das teorias políticas surgidas, na história, ensinava-se a não pensar". [46] (grifos do original) Nesse país, os nativos são obrigados a aprender a língua russa, tinham uma formação manualesca e assimilavam a história do processo revolucionário na Rússia pela leitura mecanicista da História do Partido da União Soviética, publicada por Stalin em 1938. A simpatia com o socialismo real também resulta da bipolaridade imposta pela guerra fria. Embora reconheçam os erros e afirmem trilhar um caminho diferente, todos admitem a necessidade de defender as conquistas sociais da Revolução Russa, do processo revolucionário pós-II Guerra Mundial – em alguns casos imposto pelo exército vermelho russo – e de Cuba. [47] Não se pode afirmar, portanto, que o PT – e a ART – tenham escapado ilesos aos efeitos negativos propagados pelo socialismo real. Nem muito menos que tenham ficado imunes ao desgaste provocado por sua bancarrota. Porém, o impacto é contrabalançado pelos aspectos heterodoxos desenvolvidos em sua trajetória. O PT não sofre cisões por conta do que acontece no Leste Europeu. E, mesmo a divisão da ART, resulta determinantemente de fatores endógenos. Contudo, a crise ideológica provocada pela desagregação do mundo socialista influencia os rumos da ART, provocando a divisão entre ortodoxos e heterodoxos. [48] "As reações diferenciadas a esse processo contribuíram para acentuar as diferenças internas e agudizar contradições que foram se expressando nas formulações estratégicas e nas posturas concretas no plano tático", frisa Carvalho.(1993, p. 10-11) Representantes da esquerda da ART, que nesse debate são classificados como ortodoxos, concordam que o impacto do que ocorreu no Leste Europeu influenciou a práxis do partido, contribuindo para fortalecer a estratégia eleitoral: "Impactados pela velocidade dos acontecimentos no Leste Europeu e pela desenvoltura das iniciativas do bloco capitalista, concentramo-nos na disputa eleitoral de forma quase que exclusiva, como se a realização necessária de reformas político-eleitorais fosse uma espécie de ante-sala ou pré-condição para avançarmos na direção de transformações estruturais na sociedade brasileira". (MANIFESTO, 1993) A disjuntiva ortodoxos/heterodoxos esteve presente nas origens do PT: na discussão sobre o caráter do partido, na reafirmação ou negação da teoria leninista da organização, na forma de conceber essa teoria e sua relação com o fenômeno PT etc. [49] No momento em questão, representa a vitória dos setores que levam às últimas conseqüências os questionamentos sobre o marxismo e o socialismo. Confrontada com as demais Tendências petistas, a ART em seu conjunto sempre foi heterodoxa – no sentido lato da palavra. Os diferentes matizes marxistas em seu interior concordam no essencial sobre o papel estratégico do PT e sua construção como partido socialista. Essa divisão diz respeito ao aprofundamento da heterodoxia, de tal forma que os heterodoxos de antes passam a ser considerados demasiadamente radicais e, por conseguinte, ortodoxos. Mesmo entre as demais correntes, o termo ortodoxo não pode ser aplicado stricto senso a todas. O trotskismo, por exemplo, é herético desde as origens. O desafio à ortodoxia marxista-leninista é mais antigo que o PT. Por outro lado, a ruptura com o passado nem sempre significa negação total dos seus elementos constitutivos e varia de grau conforme a matiz. A heresia trotskista mantém as referências básicas das formulações marxianas. Nesse sentido, ela é ortodoxa. O mesmo se pode afirmar de setores da ART que mantém conceitos tradicionalmente inseridos numa perspectiva marxista. De qualquer forma, considerado num prisma histórico, podemos afirmar que a maior parte das correntes constitutivas do PT se situa no espectro heterodoxo. Mesmo o ultra-ortodoxismo tem elementos de ruptura com o stalinismo. E mesmo os heterodoxos radicais – muitos deles com um pé no passado ultra-ortodoxo do Partido Revolucionário Comunista (PRC) – reconhecem a atualidade de elementos da tradição marxiana. No contexto partidário, as avaliações sobre esse tema têm como base as teses apresentadas pela maioria e adotadas pelo partido até o 1º Congresso, ainda que mediadas pelas posições das Tendências minoritárias. Este, expressa a configuração de um novo reordenamento político entre as diversas forças políticas internas ao PT, resultante tanto dos fatores internos relacionados com os desafios colocados pela trajetória petista na conjuntura desses anos, quanto pelo estímulo e desencadeamento dos fatores externos. Os desdobramentos práticos da estratégia petista "O ano de 1989 pode ser considerado o "ano do PT". Aquele no qual o partido reuniu as condições objetivas para o seu amadurecimento organizativo e teórico. Não que alcançasse sua plenitude nas duas direções: conseguiu ser testado positivamente em ambas". (FERNANDES, 1990) São palavras cheias de vida e esperanças escritas pelo saudoso Florestan Fernandes. Não são loas ao vento, mas calcadas numa análise acurada da realidade, que também aponta deficiências e limitações expostas pela práxis política do sujeito analisado, ao olhar atento dos que procuram a essência dos fenômenos sociais. "É preciso não tecer ilusões ou mistificações", alertava Florestan. O teste é a campanha de Lula à Presidência da República. O partido se credencia organicamente como a principal força de esquerda do país – numa conjuntura internacional desfavorável – e aprofunda suas definições políticas enquanto partido socialista e de massas. 1989 representa o auge de um processo gestado nas lutas de resistência contra a ditadura militar; que continua na campanha pelas eleições diretas e na recusa da conciliação de classes configurada no colégio eleitoral e, depois, na república batizada de nova. 1989 é preparado pela abnegação de milhares de indivíduos – uns poucos sob holofotes, a maioria anônimos; uns conscientes, outros tragados pela onda e pelo fascínio da política – indivíduos que, dentro e fora do PT, têm uma utopia. Em 1988, o PT começa a colher os frutos mais doces desse processo: teve um desempenho eleitoral surpreendente. [50] Os resultados eleitorais confirmam a tendência verificada em 1985: ampliação do perfil do eleitorado para além do proletariado urbano, com o crescimento da sua aceitação em amplos setores da classe média. Ao mesmo tempo, fornecem uma amostra da sua implantação em nível nacional. [51] A vitória eleitoral de 1988 representa um momento significativo na evolução do partido. A partir de então, sua relação com a ordem institucional burguesa atinge um novo patamar, colocando novos problemas e potencializando outros. É precisamente no âmbito da prática institucional que se verifica a tensão constante entre os objetivos estratégicos afirmados nas resoluções e no discurso dos seus dirigentes e a atuação concreta e imediata. O PT passa a viver o dilema do êxito eleitoral: seu crescente desempenho nas eleições é acompanhado de um abrandamento do conteúdo programático para torná-lo mais abrangente e digerível; a ênfase no caráter classista e independente da organização e da luta dos trabalhadores é atenuada e diluída pela necessidade de incorporar outros setores sociais e de ampliar as alianças. Na sua práxis, o PT incorpora o processo histórico vivido pela social-democracia, descrito por Przeworski: "A classe molda o comportamento dos indivíduos tão-somente se os que são operários forem organizados politicamente como tal. Se os partidos políticos não mobilizam as pessoas como operários, e sim como "as massas", "o povo", "consumidores", "contribuintes" ou simplesmente "cidadãos", os operários tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe e, conseqüentemente, a votar como operários. Ao estender seu apelo às "massas", os social-democratas enfraquecem a importância geral da classe como determinante do comportamento político dos indivíduos". (PRZEWORSKI, 1989, p. 42) Ou seja, a manutenção do caráter de classe compromete o êxito eleitoral. Por outro lado, a expansão da política eleitoral, com a transformação do partido da classe num partido pluriclassista, embute o risco de este se converter em apenas mais um partido entre outros, perdendo a especificidade de sua relação com a classe que lhe dá sustentação e, inclusive, o apoio desta – e ainda tende a manter a desconfiança dos setores de classe que pretende conquistar. Está historicamente comprovado que esses partidos "deixam de ser a organização dos operários como classe, que disciplina os indivíduos na competição entre si contrapondo-se a outras classes". Quando isso ocorre, "é o próprio princípio do conflito de classes – o conflito entre coletividades internamente coesas – que se torna comprometido". (PRZEWORSKI, 1989) É evidente que o momento histórico da experiência social-democrata guarda enormes diferenças com o período em questão. Mas a história não é feita apenas de rupturas; ela também inclui permanências. O PT pretendeu, em suas origens, representar uma política independente de classe que rompesse os laços que tradicionalmente ligavam as organizações e partidos operários, comunistas e socialistas à política burguesa. Esse dilema fica ainda mais evidente com as experiências de gestão petista à frente de executivos municipais – e mais recentemente dos governos estaduais. Com efeito, as definições partidárias concebem as prefeituras como instrumentos de apoio à luta dos trabalhadores pelo socialismo e recusa terminantemente uma concepção que se restrinja à ocupação do aparelho de Estado a objetivos meramente administrativos. No discurso petista, as prefeituras sob seu controle devem atuar sob a orientação do partido, fazendo a ponte entre o particular e o universal, entre o imediato e o estratégico. Em outras palavras, as prefeituras não são governos socialistas locais. Mas só faz sentido administrá-las se isso corresponder às exigências colocadas pela estratégia. [52] Se por um lado, o triunfo eleitoral constitui um fator importante que impulsiona a candidatura Lula em 1989; por outro os primeiros meses das administrações petistas são desastrosos. [53] Além das dificuldades herdadas dos administradores anteriores (endividamento, cultura política marcada por anos de autoritarismo, clientelismo e corrupção etc.), somam-se outros fatores como: o cerco sistemático da grande imprensa; os vícios administrativos e burocráticos da máquina; ausência de um projeto global; o enfraquecimento e cooptação do movimento popular; a inexperiência ou ausência de quadros políticos etc. Porém, a própria evolução do partido, suas origens, seu programa, seu discurso contra a ordem burguesa, sua concepção de sociedade etc., criam expectativas naturais tanto em sua militância quanto no eleitorado. Sem entrar no mérito dos limites próprios de qualquer administração local dentro de uma realidade global onde imperam valores e métodos capitalistas, e descartando a ingenuidade revolucionária de muitos, a verdade é que várias administrações decepcionam profundamente a base partidária e a população em geral. [54] O 7º EN reconhece que, via de regra, as prefeituras não conseguem implementar a política do partido e estabelecem uma prática administrativa burocrática e de caráter capitalista, onde os programas pelos quais foram eleitas se tornam peças decorativas. [55] É verdade que vários fatores pressionam as prefeituras em direção à política da eficiência administrativa, ainda que com o custo de negar a utopia dos que pensam ser possível administrar do ponto de vista dos trabalhadores e na senda do socialismo. Porém, ainda na avaliação do 7º EN, tudo isso "não pode obscurecer o fato de que elas (as prefeituras) em sua maioria não tem logrado dar visibilidade à marca democrática e popular que prometemos imprimir, e com a qual, via de regra, a população, e em especial, a nossa base social não tem se identificado". (PT, 1990, p. 62) Criticadas à direita e à esquerda – em alguns casos, como em São Paulo e Diadema, em conflito aberto com setores petistas e o movimento popular – a resposta das administrações petistas às questões levantadas vai, especialmente em São Paulo, na direção inversa ao conteúdo classista imprimido na campanha eleitoral. O discurso de inversão de prioridades é substituído pelo lema Governar para todos, seguido da tentativa de ampliar as alianças políticas. Como observa Couto, o ato de administrar obriga o partido a negociar, a modificar sua orientação radical e assumir uma postura mais realista. Paulatinamente, os militantes envolvidos com a administração incorporam uma "ética da responsabilidade, em substituição ao ‘principismo’ da ética da convicção". Nesse processo, as posições anti-estatistas foram substituídas "por uma abordagem bem mais afeita à institucionalidade e à negociação política". [56] Essa prática fortalece o poder de pressão do aparato institucional-parlamentar, condicionando cada vez mais a atuação partidária. Mesmo inserido no jogo institucional, o PT expressa os interesses e anseios dos excluídos da política burguesa. Nesse sentido, representa uma ameaça. Porém, a prática institucional não é neutra, nem uma via de mão única: ela também é ameaçadora, envolve-o, cobra-lhe determinados compromissos, exige-lhe que aceite as regras do jogo e, assim, o induz à domesticação. A aceitação da institucionalidade expressa a necessidade de operar as reformas necessárias dentro da ordem. Pode gerar dividendos políticos e garantir ganhos imediatos que fortalecem a luta e a organização dos trabalhadores. Mas, ao mesmo tempo, fortalece tendências que impulsionam o partido a se manter no limite das reformas, a abandonar qualquer projeto de ruptura com o sistema vigente. Por outro lado, o crescimento eleitoral e do número de filiados é acompanhado por uma inevitável ampliação da máquina partidária. Dezenas e centenas de militantes passam a depender do trabalho no aparelho. Sua sobrevivência econômica e política passa a ser condicionada ao bom desempenho e à fidelidade. [57] Essa inflexão no âmbito da institucionalidade – ou o mal do êxito, como diria Florestan (FERNANDES, 1991) - produz mudanças significativas no comportamento político dos dirigentes, da militância de base e na relação entre as Tendências em seu seio. Mudanças que afetam o perfil partidário, sua política e relação com os movimentos sociais. O 1º Congresso, exprime a preocupação com a institucionalização do partido ao admitir que se estabeleceu uma divisão de trabalho entre os militantes envolvidos nos movimentos sociais, os parlamentares e executivos na frente institucional e os dirigentes do aparelho partidário, que passaram a funcionar como uma espécie de "tribunal de última instância" para as disputas entre os petistas. Suas resoluções procuram superar esses problemas, reafirmando a necessidade da combinação da luta social com a luta institucional e a adoção de uma política de alianças que tome em conta os setores excluídos e marginalizados da sociedade. (PT, 1992) Essa combinação das frentes de lutas insere-se na perspectiva de ganhar a eleição presidencial de 1994 – sendo as eleições de 1992 um momento importante para o acúmulo de forças nesta direção. Almeja-se criar condições mais favoráveis para a conquista do objetivo estratégico: o governo democrático e popular. Conclusão Nascido enquanto alternativa de organização política dos trabalhadores inserida na tradição socialista e comunista, embora com inúmeros elementos de ruptura, o PT percorre, num contexto diferente, caminhos semelhantes à social-democracia clássica. Seu dilema, muito bem explicitado pelas disputas no seio da Articulação diz respeito à difícil dialética em ser governo e oposição; em pretender revolucionar a sociedade capitalista e administrá-la segundo o figurino burguês; em pretender defender uma parte da sociedade e administrar para todos; em ser um partido da ordem e contra a ordem. Essas questões se traduzem em opções políticas cotidianas em diferentes situações: numa greve do funcionalismo, numa ocupação de terra, no relacionamento entre os militantes nos diferentes níveis hierárquicos, no esvaziamento ou controle da máquina partidária, na relação entre o executivo e o legislativo etc. Essa complexa e contraditória atuação gera não apenas tensões, mas também alegrias e expectativas, frustrações e desesperanças. Se para uns a evolução eleitoral do partido tem um sentido político positivo, gerando perspectivas otimistas e possibilidades concretas e atraentes, para outros, o partido que disputaria as eleições em 1994 já era, a negação da utopia anunciada no início da década de 1980. Então, transformara-se numa alternativa eleitoral – embora de esquerda. De qualquer forma, as diferentes avaliações sobre essa trajetória, somadas ao enfrentamento entre as diferentes Tendências diante da realidade política e social, abreviam a mutação petista. Já no 1º Congresso verificam-se divergências irreconciliáveis que tornaria insustentável o frágil equilíbrio que amparava a unidade da ART. Após esse congresso a Articulação aprofunda seu processo de desagregação e se desarticula: a Articulação de Esquerda toma forma... Muitos continuam acreditando no PT enquanto a organização política dos trabalhadores, com independência de classe e um projeto alternativo ao capitalismo. Outros não... De qualquer forma, a presença e importância do PT na sociedade brasileira é inquestionável. Nessa trajetória, e independente de valores de juízo moral, o papel da Articulação foi fundamental. ___________________ [1] Um dado que permite mensurar o peso real desse setor é a composição da direção nacional: a primeira Comissão Nacional Provisória, de 1979, era composta por doze dirigentes sindicais, num total de 16 membros. Entre 1979 e 1981, esse setor sempre foi majoritário na composição da direção. Essa não é uma questão que se resuma aos números. Ainda que tenha diminuído a participação de lideranças de origem sindical na composição da direção petista, sua influência se manteve, por muito tempo, inabalável. [2] Os dados sobre a preferência partidária dos dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) demonstram sua importância: nada menos que 91% dos delegados que participam do III CONCUT, realizado em 1988, declaram preferência pelo PT (no caso dos metalúrgicos esse número chega a 92,95%). (RODRIGUES, 1990) Outro exemplo que ilustra essa influência no PT reside no campo institucional. Em 1988, o PT elege os prefeitos dos grandes centros industriais (Santo André, São Bernardo, Diadema, na Grande São Paulo; e, o Vale do Aço mineiro), regiões onde o sindicalismo destaca-se. [3] Segundo os dados da Secretaria Rural Nacional do PT, 40% dos vereadores eleitos pelo partido são trabalhadores rurais, militantes da CPT e MST. Ver: "Pesquisa diz que 40% dos vereadores petistas eleitos são ligados ao campo". (FOLHA DE S. PAULO, 07 dez. 1988). [4] Não é exagero afirmar que boa parte da militância (da ART) formou-se no período final da ditadura ou mesmo já sob a Nova República, como reconhecem seus dirigentes. [5] "De repente se quer falar e ser ouvido, um processo que assume logo o caráter de questionamento das direções ou lideranças estabelecidas no partido, em todos os níveis". (VIANA, 1991, p. 06). [6] Essa necessidade foi assumida, entre outros, por Mercadante: "O PT não um núcleo de direção política e não tem um coletivo que discuta, que elabore, que reflita, que decida. Um partido assim não tem uma política de formação de seus quadros. Portanto, não tem uma estrutura orgânica. Um partido como esse não dirige a si mesmo. (...) Para mim, o centro da crise é a inexistência de um núcleo dirigente. Temos que ser capazes de montar uma articulação no partido capaz de equacionar esse diagnóstico e aprofundá-lo, reconstruindo a direção política do partido". Instituto Cajamar. A relação partido-sindicato. São Paulo, maio de 1988, p. 16. [7] A Ação Libertadora Nacional (ALN) foi uma das dissidências do PCB, formada no final de 1968, em torno da liderança de Carlos Marighella. Segundo Paulo de Tarso, a ALN sobreviveu até 1983-84. Em sua versão, este coletivo não passava de 20 pessoas. Ver: Eugênio Bucci e Ricardo Azevedo. "Paulo de Tarso Venceslau". (Entrevista) Teoria & Debate 15, ago. de 1991, p. 34. [8] O castrismo, segundo Pomar, não era homogêneo. Diz ele: "Por exemplo, Paulo Vannuchi e José Dirceu, na época tinham diferenças políticas e de condutas, mas provinham da mesma matriz. Não dá para caracterizar, a não ser pós-fato. Na época, olhando de dentro e tendo participado, não acho que dê prá dividir esses vários setores da Articulação que compunham esse núcleo marxista, alinhá-los em várias correntes ideológicas – castristas, maoístas. Acho que isso tudo se diluiu. O PT e Articulação serviram como solvente para essas forças". (Entrevista ao autor). [9] No início dos anos 80, Eder Sader foi o principal animador da revista Desvios. Já nesta época, ele enfatiza a necessidade da esquerda repensar seus referenciais teóricos, especialmente o conceito marxista-leninista de partido. Por suas posições heterodoxas, Sader é identificado como o líder de um grupo dentro do PT que ficou conhecido pelo rótulo de autonomista. Marco Aurélio Garcia testemunha como Sader divertia-se com o paradoxo dos que apontavam-no como dirigente de uma organização que eles próprios diziam "ser contra as organizações". Neste momento, Sader e Garcia estavam na contramão da ortodoxia, representada por José Dirceu, Rui Falcão Wladimir Pomar e outros. Sader morreu em 21 de maio de 1988, vítima de AIDS, adquirida numa das transfusões de sangue que era obrigado a fazer devido ao fato de ser hemofílico. Ver: Marco Aurélio Garcia. "Eder Sader – O Futuro sem este homem". Teoria & Debate 04, setembro de 1988, p. 05-10. [10] Nesse período, o setor que sai do PCB, liderado por David Capistrano, também ingressa na Articulação. [11] "Tinha pessoas que se reivindicavam desta origem, mas boa parte deles formado pela vulgata marxista que chegou ao Brasil pelo stalinismo", afirmou Falcão. (Entrevista ao autor). [12] O depoimento de Valter Pomar ilustra bem o peso e a importância política das lideranças políticas vinculados ao marxismo: "Há as mais variadas pessoas que tinham influência sobre Lula ou que tinha um papel importante na estrutura do partido. Paulo Vannuchi, que teve um papel importante como assessor do Lula; o José Dirceu, que cumpriu um papel importante como organizador da própria Articulação durante um bom tempo; Wladimir Pomar, cumpriu um papel importante como ideólogo, autor de textos de resolução, secretário de formação política; e ‘n’ outras figuras. O próprio Rui Falcão. Essas pessoas não eram marxistas apenas porque utilizavam como fundamento as referências marxistas, eram marxistas do ponto de vista militante. Elas buscavam de maneira coerente e lógica e declarada, estabelecer uma hegemonia dentro da Articulação por um conjunto de idéias referenciados na prática comunista, materialista e marxista. Com essa prática plural, cabia, já na época, muita coisa lá dentro. Citei estes três nomes. Não é que eles fossem o núcleo dirigente. Mas o núcleo dirigente da Articulação era um núcleo marxista. Só que isso combinado com aquilo que tem peso dentro do PT como um todo: o sindicalismo e o movimento popular. Exemplo disto, foi a criação do Cajamar: de 86 a 89, a linha hegemônica dos cursos era nitidamente marxista". (Entrevista ao autor). [13] Na verdade, essa postura não suprime a Articulação. Ela não é vista como uma Tendência, mas sim como uma espécie de um enorme "guarda chuva" onde cabem todos; como um fórum que permite articular diferentes pessoas e posições políticas, em dados momentos da vida do partido. Tinha, portanto, um caráter espontâneo. Segundo Devanir Ribeiro, essa foi a posição que prevaleceu em São Paulo. Em Brasília, durante o 5º EN, seus defensores recuam para não provocar um racha maior da Articulação. Ele reconhece que a atuação do "grupo do Zé" (referência a José Dirceu), foi fundamental para esse desfecho. (Devanir Ribeiro, concedeu-nos esse depoimento em 08 de fevereiro de 1993). [14] A proporcionalidade se restringe à composição dos diretórios (municipal, estadual e nacional), com a participação de todas as chapas que tivessem o mínio de 10% de votos nos encontros. As direções executivas eram compostas pela chapa mais votada; a minoria não tinha o direito de participar. [15] A tese da proporcionalidade é derrotada por uma diferença de 35 votos (199 votos contra a sua adoção e 164 a favor). O resultado mostra o grau e a importância dessa polêmica. Essa tese é vitoriosa na maioria dos encontros estaduais. Só não é aprovada no 5º EN porque a Tendência majoritária impôs uma orientação contrária. [16] Formada oficialmente em seu 1º Encontro Nacional, em Belo Horizonte, nos dias 23 a 26 de março de 1989, a VS é síntese de um movimento crítico às posições da "Articulação dos 113". Ela expressa a confluência de vários setores, destacando-se a corrente política liderada por Eduardo Jorge, Carlos Néder, Roberto Gouveia, Aldo Leite, Adriano Diogo, Anízio Batista, Waldemar Rossi, entre outros. [17] Essa coordenação é eleita na reunião de 14 de janeiro de 1988, composta por: Luiz Gushiken, Luís Soares Dulci, Gilberto Carvalho, José Dirceu, Avelino Ganzer (pela Articulação Sindical) e por Eugênio Pasqualini (pela Articulação Estudantil). [18] Como afirma a coordenação: "É consenso entre nós que nossa Articulação apresenta limites. Não podemos mais admitir que uma Articulação com vida episódica, que funcione apenas durante o período que precede as pré-convenções nas diversas instâncias partidárias. (...) Não temos condições de persistir convivendo com uma Articulação inorgânica, onde ninguém sabe direito quem é quem, onde os critérios de pertença não eram explicitados. Não sobreviremos se persistirmos numa prática de desorganização, das discussões "em-cima-da-hora", dos "tiroteios-prá-todo-lado", das contradições não resolvidas". (ARTICULAÇÃO NACIONAL, 1988, p. 2-3). [19] Nesse esforço de unificação e reestruturação, Djalma Bom, Avelino Ganzer e Luís Dulci realizaram uma reunião com Lula – pois ele não pôde participar da reunião de janeiro, devido a compromissos em Brasília (à época era deputado constituinte). Foi solicitado ao mesmo um maior entrosamento com o cotidiano da Articulação. Lula reafirmou seu compromisso político com a Articulação e prometeu conversar com os demais dirigentes que, como ele, tinham dificuldades em participar mais ativamente das atividades da Articulação. Os participantes não detectam grupos cristalizados no interior da ART. [20] Nesse estado, a ART era hegemônica: dos cinco deputados estaduais, quatro estavam em seu campo; dos três federais, dois estavam ligados à ART; na capital, Belo Horizonte, havia um equilíbrio de forças (com a ART detendo cerca de 1/3 do diretório). Os participantes não detectam a existência de grupos cristalizados no interior da ART. [21] A Articulação, nesse estado, fragmentou-se em cinco setores. [22] No Encontro Estadual obtém 85% dos votos, sendo a única chapa apresentada. [23] A Articulação estava fragmentada em outros estados como Pará e Goiás [24] Sua pauta contempla os seguintes itens: 1º) análise da proposta da Alternativa Democrática e Popular, aprovada no 5º EN; 2º) construção partidária e a proposta de organização do PT; 3º) o projeto estratégico do PT e o socialismo; 4º) objetivos, caráter e organização da ART; e, 5º) eleição da Coordenação Nacional. Os três pontos iniciais foram debatidos, consecutivamente, a partir da exposição dos seguintes dirigentes: Rui Falcão (DN), César Alvarez (CEN) e José Dirceu (CEN). [25] Ora, este centralismo solidário é um sofisma: toda organização política funciona, ao menos em tese, pela adesão voluntária. [26] Os "outros" também são os que, dentro da Articulação, ousam divergir. É comum o processo de "queimação" política de militantes, também rotulados nos bastidores como pertencentes a esta ou àquela Tendência. [27] Nesse momento a Articulação ainda mantém o discurso de que ela é a única Tendência a se identificar com o PT. As outras – de forma genérica – não seriam autenticamente petistas. "A Articulação não é uma Tendência como outras existentes no interior do partido (...). A linha política geral da Articulação é na verdade a linha política geral do Partido dos Trabalhadores", afirma sua Coordenação Nacional. (ARTICULAÇÃO NACIONAL, 1988) [28] A Articulação sugere três nomes: José Genoino, Raul Pont e Eduardo Jorge. Após um processo de negociação, Genoino e João Machado passam a fazer parte da direção máxima (eles eram membros do Diretório Nacional). Eduardo Jorge, que representa a chapa PT pela base, não aceita o convite. Nas negociações a Articulação deixa claro que seu objetivo é acabar com a existência de partidos dentro do PT. Sua tática é simples: incorporá-los. [29] Os membros da coordenação nacional eleita no seminário são: Luiz Soares Dulci (MG), José Dirceu (SP), Luís Gushiken (SP), Valdi Camarcio (GO), Laerte Dorneles Meliga (RS), Eurides Mescolotto (SC), Gilberto Carvalho (PR), Avelino Ganzer (pela Articulação Sindical) e Eugênio Pasqualini (pela Articulação Estudantil). Mantêm-se todos os membros da coordenação provisória. [30] "O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores", afirma seu Manifesto de fundação. (CHACON,1985, p. 695-96). [31] Em 1981, Lula procura responder à indagação que muitos fazem sobre o PT: Qual a sua ideologia? O que ele pensa sobre o socialismo? Do alto da sua autoridade, afirma: "Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém. Sabemos que não nos convém nem está em nosso horizonte adotar a idéia do socialismo para buscar medidas paliativas aos males sociais causados pelo capitalismo ou para gerenciar a crise em que este sistema econômico se encontra. Sabemos também que não nos convém adotar como perspectiva um socialismo burocrático que atende mais às novas castas de tecnocratas e de privilegiados que aos trabalhadores e ao povo. O Socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e econômica global a todas as aspirações concretas que o PT seja capaz de enfrentar". (Discurso pronunciado na I Convenção do PT, realizada em 1981) [32] Seu Manifesto de fundação defende a autonomia da organização política dos trabalhadores: "O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida pelas massas. Nesse sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas". In: (CHACON, 1985, p. 694-95). Essa postura é reafirmada em vários momentos. A Carta Eleitoral de 1982 insere-se nesse esforço de diferenciar a prática petista da experiência dos partidos políticos tradicionais. (Ver: PT, 1982) [33] A expressão é de Carlos Eduardo de Carvalho, coordenador do Programa de Ação de Governo da FBP. Ver: "Medo (e gosto) de pecar", na Teoria & Debate. 10 de maio, 1990, p. 49-53. [34] Simões (1992) estuda a experiência da primeira administração petista em Diadema. Esse trabalho é uma referência importante para a análise de um período da história do PT no qual os dilemas apontados eram enfrentados no cotidiano pela militância. As soluções encontradas fortaleceram a estratégia do acúmulo de forças. Por outro lado, evidenciam os limites da resistência política dos setores à esquerda dentro do partido. [35] Para a maioria dos petistas: "Tais movimentos devem ser valorizados não porque representem em si um projeto renovador de socialismo, mas porque rompem com a paralisia política, recolocam em cena aberta os diversos agentes políticos e sociais, impulsionaram perspectivas democráticas e, em perspectiva, podem abrir novas possibilidades para o socialismo". (PT, 1990, p.28) [36] Embora nesse momento as divergências apareçam apenas quando confrontadas as Tendências entre si, a evolução dessa discussão explicita a existência de diferenças no interior da Articulação. [37] Esse é um dos temas polêmicos do congresso. A proposta do Projeto Para o Brasil (PPB) é aprovada devido ao acordo político com a Articulação que prevê a autocrítica da forma como essa questão foi trabalhada na grande imprensa por expoentes do PPB. A formulação do PPB iguala stalinismo e ditadura do proletariado. [38] "O PT não vê na social-democracia um caminho para a construção do socialismo nem tampouco uma alternativa real aos impasses da sociedade brasileira. (...) A adoção de profundas reformas estruturais necessárias ao Brasil supões uma ruptura radical com a ordem econômica, política e social vigente – o que ultrapassa os limites da proposta social-democrata, que politicamente acredita na neutralidade do Estado e adota no horizonte máximo a luta por reformas no interior do próprio capitalismo", afirma a resolução. (PT, 1992, p. 35) [39] O texto aprovado afirma: "Para o PT, a conquista do poder político não começa nem termina, e tão pouco se reduz simplesmente à clássica representação simbólica da ‘ocupação do palácio governamental’. Se não visualizamos a conquista do poder como um ‘assalto ao Estado’, tampouco acreditamos que o socialismo virá através de um ininterrupto e linear crescimento das forças e da hegemonia socialista dentro da sociedade, sem que ocorram choques e confrontos internos. Reafirmamos, portanto, que as transformações políticas econômicas e culturais que o Brasil necessita supõem uma revolução social, como a experiência histórica comprovou, inclusive recentemente, até no Leste Europeu". (PT, 1992, p. 37-38) [40] Lula, por exemplo, já antes do 1º Congresso, afirmava: "Não podemos deixar que o eleitoralismo tome conta do PT. Nós percebemos, nessas eleições, que em alguns lugares o comportamento de certos companheiros na disputa maluca por um cargo não se diferenciou da atitude de membros de outros partidos, tanto nos conflitos internos quanto no tipo de campanha". Lula se referia à eleição de 1990. João Machado e Paulo Vannuchi. "Mãos à obra" (Entrevista: Lula) Teoria & Debate 13, fev. 1991, p.06. Observamos que, em última instância, resoluções congressuais refletem a correlação das forças políticas do organismo que as adotam. No Manifesto aos Petistas, lançado em setembro de 1991, Lula volta ao tema: "O partido precisa ter a coragem de dar um basta a esse tipo de prática, porque abala a seriedade de nossa imagem política". Lula propõe que o partido desenvolva condições para adotar o rodízio entre os parlamentares, de forma que os suplentes possam assumir e adquirir experiência. (SILVA, 1991, pp.15-16). [41] Guimarães(1990), compara o PT com a noção de partido em Marx no período da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), apresentando elementos comuns como: a noção de independência política da organização dos trabalhadores; a ênfase no caráter democrático e de massas do partido operário; a recusa em estabelecer uma doutrina oficial; a idéia de que os comunistas deveriam participar do partido operário e que não constituem uma força oposta ao mesmo; a fusão da organização com a classe. [42] A primeira foi o processo de fragmentação no período pós-golpe militar, nos anos 1960-70. [43] Essa realidade inclui os marxismos das Tendências organizadas. Aqui, nos restringimos às manifestações marxistas na Articulação. [44] Isso permite, por exemplo, que uns enfatizem os aspectos de ruptura; que outros salientem a relação entre esta e a tradição; ou mesmo, como faz Sokol, que o destaca como "um dos fenômenos mais clássicos, ortodoxos, que surgiram no panorama das organizações políticas que lutam pelo socialismo". Markus Sokol. "De volta para o futuro". Teoria & Debate 13, fev. 1991, p. 39. [45] Frei Betto nos relata um exemplo do marxismo desse partido irmão. Em janeiro de 1988, nas homenagens a Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, estudantes luteranos portavam cartazes com as clássicas palavras de Rosa: "Liberdade apenas para os partidários do governo, somente para os membros do partido – não importa quão numerosos – não é liberdade. Só é liberdade se for para aquele que pensa diferente". Ao que, a burocracia dirigente, respondeu: "Em nosso país, a liberdade é somente para aqueles que compartilham de nossa filosofia". Como salienta Frei Betto, essa reposta retrata bem "o tipo de concepção que fizera dos fundamentos do partido um simulacro da ditadura". Frei Betto. "O Fim do que foi o Princípio". Teoria & Debate 10, maio 1990, p. 11. [46] Frei Betto, profundo conhecedor da religião e suas imbricações com a política, fez uma comparação interessante entre esse tipo de formação marxista e a teologia. Escreve ele: "Assim como certos teólogos tridentinos acreditavam que a leitura da Suma Teológica de São Tomás de Aquino era suficiente para aprender teologia, os ideólogos do partido diziam que, uma vez aprendida a lição oficial, não se fazia necessário conhecer outra corrente filosófica e nem mesmo outros teóricos marxistas. Trotsky, Kautsky, Rosa Luxemburgo, Gramsci, eram nomes que suscitavam repulsa. Aprendia-se o marxismo como se hoje um seminarista estudasse a teologia do Concílio de Trento, ignorando toda a história posterior da Igreja, o Concílio Vaticano II e a Teologia da Libertação". (BETTO, Frei. 1990, p.12). [47] A rigor, mesmo o trotskismo manteve laços com o socialismo real. É verdade que, como o PT, se trata de uma relação contraditória. Nesse caso, os vínculos têm origens nas próprias formulações de Trotsky sobre o Estado Operário Degenerado e na ênfase que deu à necessidade de defender a URSS. [48] Segundo o Aurélio, ortodoxo é o indivíduo que professa uma doutrina tida como verdadeira; e heterodoxo é o seu oposto, o indivíduo que questiona essa doutrina, o herético. No universo político os adjetivos nem sempre são assumidos por quem os usa e invariavelmente são aplicados ao outro. Assim, pode ser vantajoso, do ponto de vista da disputa política, chamar o outro de ortodoxo. No período assinalado, esse termo adquire uma conotação negativa e preconceituosa. Deste ponto de vista, é um despropósito utilizar, ao se referir ao acusador, a alcunha de heterodoxo. [49] Se nos ativermos apenas às forças constitutivas da Articulação, podemos visualizar esta disjuntiva na polêmica com as posições autonomistas, logo superada pela predominância das tarefas concretas de consolidação do PT. [50] As vitórias eleitorais em três capitais (São Paulo, Vitória e Porto Alegre), nas principais cidades industriais e operárias de São Paulo e no Vale do Aço (MG), indicam um dos fatores que explicam o crescimento eleitoral: sua presença e ligação orgânica com as lutas dos trabalhadores. Também destacam-se a vitória em Ronda Alta (RS), cidade que simboliza a luta e resistência dos trabalhadores sem-terra; e a reeleição em Diadema (SP) e Icapuí (CE), que expressam a aprovação da população às administrações anteriores.Além destas, o PT elege prefeitos nos seguintes municípios: Cardoso, Campinas, Cedral, Conchas, Cosmópolis, Jaboticabal, Piracicaba, Presidente Bernardes, Santo André, Santos e São Bernardo do Campo, todos no estado de São Paulo; Severiano de Almeida (RS); Campo Erê (SC); no Paraná, Salto do Lontra e São João do Triunfo; em Minas Gerais, Amambaí, Ilicinea, Ipatinga, João Monlevade e Timóteo; Jaguaré (ES); Amélia Rodrigues e Jaguaquara na Bahia; e, Janduís (RN). [51] Além dos prefeitos, o PT elegeu 1032 vereadores em 543 municípios, atingindo todas as unidades da Federação. Sua participação no processo eleitoral atingiu 45,1% do total dos municípios. Evidentemente, devemos considerar que a população brasileira se concentra em determinadas e regiões, nas capitais e grandes cidades. Esses dados foram analisados por Gilney Amorim Viana (MT), Jonas Paulo de Oliveira (BA), Rochinha (PE), Ilário Marques (CE), Marcelo Déda (SE) e Perly Cipriano (ES). Suas conclusões são apresentadas no II Seminário Nacional da Articulação, realizado em maio de 1989. (VIANA, 1991, p. 30-40) [52] Já em 1982, afirma-se: "A participação do PT nas eleições não nos deve levar a confundir a conquista de executivos estaduais e municipais como sendo a conquista do poder. Mas eles devem servir como alavanca na organização e mobilização dos trabalhadores na perspectiva da construção do poder popular. É uma etapa de aprendizado, de acúmulo de forças, de propaganda em torno de um programa de transformações. De conquista de espaços mais amplos para o fortalecimento da organização política dos trabalhadores, de mais respaldo para as lutas sociais". (PT, 1982) [53] A ponto de setores do partido avaliarem que o desempenho de algumas administrações petistas – principalmente, na capital paulista – terem atrapalhado a campanha de Lula para a presidência. E, de fato, a imprensa e os adversários exploraram intensamente as debilidades e equívocos do PT no governo local. [54] Há exceções (como a gestão petista em Porto Alegre). Uma análise mais aprofundada sobre o tema é feita por autores como: COUTO, 1995; SADER, 1992; e, PINHEIRO:1995. A avaliação oficial do partido, resultante da realização de várias reuniões e seminários durante meses, foi publicada pelo Diretório Regional PT/SP, em 1992, com o título O modo petista de governar. (PT/SP, 1992) [55] "Adotamos muitas vezes o que se batizou de "administrativismo". Estamos tímidos diante dos confrontos e muitas vezes conciliamos. Tentamos governar para toda a população e perdemos de vista nossa base social e política". (PT, 1990, p.59) [56] Enquanto "partido de situação": "Não bastava mais denunciar, levantar bandeiras, marcar posições e encaminhar as reivindicações dos segmentos sociais a que o partido era ligado - orgânica ou idealmente. Era necessário agora responder, atender a reivindicações, implantar um programa de governo e dar ouvidos a demandas de diversos segmentos sociais, inclusive daqueles identificados com os setores combatidos pelo PT em seu programa e durante toda sua história pregressa". (COUTO, 1995, p.178-79). O partido ao assumir o governo adotara uma "política positiva", deixando de lado a postura meramente oposicionista, isto é, a "política negativa". Couto utiliza conceitos weberianos. A questão a discutir é qual a ótica em que se coloca o positivo e o negativo. (COUTO, 1995, p. 177). [57] Nesse processo, a existência da organização política se transforma no objetivo final da sua atuação. Isso contribui para a sua moderação e integração à ordem burguesa. Michel (1982), analisa esta dinâmica em relação à social-democracia européia. Organizado por Rafael Baracy
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