CAPÍTULO 3

CAMINHO DO SERVIÇO SEM EGOÍSMO

 

Nota do tradutor para o Português. O Terceiro canto do Bhagavad-gita trata do serviço devocional prestado em ação, dito karmayoga. É importante a sua compreensão para afastar as dúvidas que giram em torno deste importante conceito védico, “karma”, e que tem causado uma certa confusão na mente dos ocidentais. A palavra “karma”, do sânscrito, significa: “ação”; “trabalho”; “envolvimento”, etc., e muitas vezes é confundida com uma lei física de simples causa e efeito, dentro dos conceitos da lei da inércia. A maior parte do Bhagavad-gita enfatiza a necessidade do envolvimento das ações conscientes do Supremo – de Krishna – todo o tempo, realizando tudo para a Sua glória. Quando Sri Krishna declara no final do B.Gita para que Arjuna deixe tudo por conta d´Ele, compreende-se que toda a ação deve ser feita tendo em vista a satisfação do Supremo: diz o verso 18.66: sarva-dharmam prarityajya/ mam ekam saranam vraja – aham tvam sarva-papebhyo/ moksaysyami ma sucah; “Abandona todas as variedades de dharma (obrigações) e simplesmente se renda a Mim. Eu libertarei você de todas as reações pecaminosas; não temas”. Na medida em que Arjuna se rendeu a Krishna, toda e qualquer ação que ele fizesse no campo de Kuruksetra seria oferecida para Ele, de modo que não cairia em pecado. Krishna havia dito no verso 11.55, que “mat-karma-krim mat-paramo/ mad-bhaktah sanga varjitah – nirvairah sarva-bhutesu/ yah sa mam eti pandava”, “Meu estimado Arjuna, a pessoa que se ocupa em Meu serviço devocional puro – karma-yoga – livre das contaminações de atividades anteriores e da especulação mental, que é amigável para com todas as entidades vivas, certamente vem a Mim”.  Eis a máxima do Senhor, que dá o provimento, assistência e proteção ao seu devoto, não precisando deixar a sua vida de relação para poder amá-lO e servi-lO.

Sem nenhuma dúvida os principais obstáculos do devoto são a luxúria, os desejos materiais, e os apegos mundanos. Neste canto o Senhor Krishna instrui Arjuna como controlar e dominar a mente irrequieta, e alcançar a meta suprema, a liberação do mundo material.

 

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Arjuna perguntou: se Você diz que adquirir conhecimento é melhor do que agir, então por que quer que eu me ocupe nesta guerra horrível, Ó Krishna? Parece que Você quer confundir a minha mente, aparentemente, por palavras conflitantes. Diga-me, decisivamente, uma coisa pela qual eu possa alcançar o Supremo.  (3.01-02)

 

Arjuna estava no modo da ilusão; ele acreditava que o Senhor Krishna pensava numa vida contemplativa melhor do que uma vida de obrigações normais. Algumas pessoas ficam freqüentemente confusas, e que a salvação é possível somente por uma vida devotada ao estudo das escrituras, contemplação, e aquisição de autoconhecimento. O Senhor Krishna esclarece isto pela menção dos dois maiores caminhos da prática espiritual - dependendo da natureza individual - no seguinte verso:

 

O Senhor Krishna disse: neste mundo, através do tempo, Eu tenho declarado um duplo caminho de disciplina espiritual: o caminho do autoconhecimento para os contemplativos, e o caminho do trabalho não-egoísta (desapegado) (Seva, Karmayoga) para todos os outros. (3.03)

 

“Seva” ou “Karmayoga”, significa sacrifício, serviço abnegado, trabalho altruísta, ação meritosa, entregar-se, de algum modo, para os outros. Algumas  pessoas, freqüentemente, ficam confusas como Arjuna, e pensam que levar uma vida devotada aos estudos das  escrituras, e contemplação, para aquisição de conhecimento transcendental,  talvez seja melhor para o progresso espiritual do que fazer alguma obrigação materialmente.

A pessoa realizada em Deus não a considera a si própria como a fazedora de qualquer ação, mas somente um instrumento nas mãos do divino, para Seu uso. Isso favorecerá apontando que ambos conhecimentos, metafísico e serviço abnegado, possuem a intenção de alcançar o Ser Supremo. Estes dois caminhos não são separados, mas complementares. Na vida, a combinação destes dois modos é considerada o melhor. Leve ambos, o serviço abnegado e uma disciplina espiritual de aquisição de autoconhecimento com você, como citado nos seguintes versos:

 

Não se alcança a liberdade do cativeiro do karma pela simples abstenção do trabalho. Ninguém alcança a perfeição meramente abandonando o trabalho, porque ninguém pode ficar sem ação, mesmo por um momento. Tudo no universo é dirigido pela ação – realmente não tem saída – pelas forças da natureza. (3.04-05)

 

Não é possível, para qualquer um, abandonar por completo as ações por pensamento, palavras e obras. Portanto, deve-se sempre estar ativo em serviço ao Senhor, pelos vários meios que se escolher, e jamais ficar sem trabalho, porque a mente vazia é a fábrica do diabo. Executar as ações até a morte, sem o desejo da mente é melhor que abandonar o trabalho e conduzir a vida como um asceta, mesmo após a realização em Deus, porque mesmo um asceta não pode fugir da pulsação da ação.

 

Qualquer um que refreie os sentidos, mas, que mentalmente pensa nos prazeres sensoriais é chamado de embusteiro. (3.06)

 

O crescimento de uma pessoa provém do trabalho generoso, mais que da existência desse trabalho ou da prática do controle dos sentidos, antes dessa pessoa estar naturalmente pronta para isso. Trazer a mente sob controle é difícil, e a vida espiritual transforma-se numa zombaria sem comando sobre os sentidos. Os desejos podem tornar-se dormentes e, então, voltarem à tona trazendo problemas, como uma pessoa dormindo que acorda devido ao passar to tempo.

As quarto metas da vida humana – fazer as obrigações, acumular riquezas, gozo material e sensual, e alcance da salvação – foram designadas na tradição Védica, para o natural e sistemático crescimento individual e do progresso da sociedade. O sucesso na vida espiritual não chega prematuramente vestindo roupas açafrão, por manter um Ashrama ou meio de vida, sem primeiro conquistar os seis inimigos: luxúria, ira, ambição, orgulho, apego e inveja. É dito que semelhante embusteiro (que pelo gozo dos sentidos diz os controlar) faz um grande desserviço para Deus, sociedade e para si mesmo, e tornar-se privado de felicidade neste e no outro mundo (BP 11.18.40-41). Um monge fingido é considerado pecaminoso e um destruidor da ordem de vida ascética.

 

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