Poesias e textos
Ternura Eu te peço perdão por te amar de repente
Vinícius de Moraes.
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Soneto de Amor Total Amo-te tanto, meu amor...não cante
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
Amo-te como um bicho, simplesmente
E de amar assim muito amiúde
Vinícius de Moraes. |
Purificação
Senhor, logo que vi a natureza
As lágrimas secaram
Os meus olhos pousados na contemplação
Viveram o milagre da luz que explodia no céu.
Eu caminhei, Senhor
Com as mãos espalmadas eu caminhei para a massa de seiva.
Eu caminhei
Nem senti a derrota tremenda
Do que era mal em mim.
A luz cresceu, cresceu interiormente
E toda me envolveu
A ti, Senhor, gritei que estava puro
E na natureza ouvi a tua voz
Pássaros contaram no céu
Eu olhei para o céu e cantei e cantei
Senti a alegria da vida
Que vivia nas flores pequenas
Senti a beleza da vida
Que morava na luz e morava no céu
E cantei e cantei.
A minha voz subiu até ti, Senhor
E tu me deste a paz
Eu te peço, Senhor
Guarda meu coração no teu coração
Que ele é puro e simples
Guarda minha alma na tua alma
Que ela é bela, Senhor.
Guarda meu espírito no teu espírito
Porque ele é a minha luz
E porque só a ti ele exalta e ama.
Vinícius de Moraes (1968).
De repente do riso fez-se o pranto
De repente da calma fez-se o vento
De repente não mais que de repente
Fez-se do amigo próximo o distante
Vinícius de Moraes. |
Soneto de Fidelidade De tudo ao meu amor serei atento
Quero vive-lo em cada vão momento
E assim quando mais tarde me procure
Eu possa lhe dizer do amor que tive
Vinícius de Moraes. |
Soneto do amor demais Não, já não amo mais os passarinhos
Tenho medo de amar o que de cada
E que não sofra por desmerecida
Vinicius de Moraes
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Receita de Mulher
As muito feias que me perdoem
Mas beleza e fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de danca, qualquer coisa de "haute couture" Em
tudo
isso ( ou entao Que a mulher se socialize elegantemente em azul,
como na Republica Popular Chinesa).
Nao ha meio-termo possivel.
E preciso Que tudo isso seja belo.
E preciso que de subito Tenha-se a impressao de ver uma garça
apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor so encontravel no terceiro
minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita
e dasabroche
No olhar dos homens.
E preciso, e absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado.
E preciso que umas palpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acarecie nuns bracos
Alguma coisa alem de carne: que se toque
Como no ambar de uma tarde.
Ah, deixai-me dizer-vos
Que e preciso que a mulher que ali esta como a corola ante o
passaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas e importantissimo.
Olhos, então Nem se fala, que olhem com certa maldade
inocente.
Uma boca Fresca (nunca umida!) e tambem de extrema pertinencia.
E preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rotula no cruzar das pernas, e as pontas
pelvicas
No enlacar de uma cintura semovente.
Gravissimo e porem o problema das saboneteiras: uma mulher sem
saboneteiras
E como um rio sem pontes. indispensavel.
Que haja uma hipotese de barriguinha, e sem seguida
A mulher se alteie em calice, e que seus seios
Sejam uma expressao greco-romana, mais que gotica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade minima de cinco
velas.
Sobremodo pertinaz e estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente a mostra; e que exista um grande latifundio dorsal!
Os menbros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume
de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a petala e cobertas de suavissima
penugem
No entanto, sensivel a caricia em sentido contrario.
E aconselhavel na axila uma doce relva com aroma proprio
Apenas sensivel (um minimo de produtos farmaceuticos!). Preferiveis
sem duvida os pescocos longos
De forma que a cabeca de por vezes a impressao
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher nao lembre Flores sem
misterio.
Pes e maos devem conter elementos goticos Discretos.
A pele deve ser fresca nas maos, nos bracos, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrancias tenham uma temperatura
nunca inferior
A 37* centigrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau.
Os olhos, que sejam de preferencia grandes
E de rotacao pelo menos tao lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para la de um invisivel muro de paixao
Que e preciso ultrapassar. Que a mulher seja em principio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos pincaros.
Ah, que a mulher de sempre a impressao de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela nao mais estara presente
Com seu sorriso e suas tramas.
Que ela surja, nao venha; parta, nao va
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos
fazer beber
O fel da duvida. Oh, sobretudo Que ela nao perca nunca, nao importa
em que mundo
Nao importa em que circunstancias, a sua infinita volubilidade
De passaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graca de ave; e que exale
sempre
O impossivel perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudivel canto
Da sua combustao; e nao deixe de ser nunca a eterna dancarina
Do efemero; e em sua incalculavel imprefeicao
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criacao
inumeravel.
Vinícius de Moraes