* CULTO OMOLOCÔ OU UMBANDA PRIMITIVA *

Trata-se da prática do ritual dos negros escravizados, que subiram os morros e interiorizaram-se pelo antigo Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro, levado por grupos de negros com suas famílias ao término da escravidão. Esta prática foi muito perseguida pela polícia nas décadas de 40 e 50, até que fosse criada uma Federação para organizar e registrar os terreiros. Hoje se encontra praticamente extinto o CULTO OMOLOCÔ, bem como seus rituais de adoração aos Bacuros (Orixás), praticados na primeira metade do século passado. O antigo ritual tinha sua própria identidade, não se assemelhando em quase nada, com a Umbanda praticada nos dias de hoje. Em alguns casos, observa-se uma mistura com o candomblé ou kardecismo, sendo que no primeiro caso, é chamada vulgarmente de "Umbandomblé".

Sendo eu um antigo praticante desta modalidade de culto, iniciado nos ritos no ano de 1960, tive a oportunidade de conviver com alguns dos grandes sacerdotes do Omolocô: Mingóte de Capangueiro (meu avô no santo), Cacheado, Tia Olga de Xangô, Tia Alzira de Tata Porteira (tia-avó de minha esposa e filha direta de Vó Zenóbia, ex-escrava em fazenda de cultivo de café no Município de Barra do Piraí). Todos os citados anteriormente praticaram o culto em seus terreiros, em Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, onde tive a oportunidade de receber ensinamentos. Ao me afastar do meio religioso nos anos 70, tive a surpresa de, ao retornar em 1995, não mais encontrar aquele Omolocô genuíno, como praticado anteriormente. Hoje, procuro ainda localizar pessoas simpatizantes ou praticantes do velho Culto para, se possível, somar forças no resgate e continuidade da antiga tradição das MACUMBAS do Rio de Janeiro.

"SINCRETISMO EM NOSSO CULTO"

O "fenômeno do sincretismo" foi um processo gerado pela repressão que se abatia sobre o negro e sua cultura no Brasil. Esse processo se caracterizava no fato de, ao tentarem superar a repressão religiosa aos cultos de origem africana e a opressão da sociedade, eminentemente católica, os diversos cultos negros foram introduzindo imagens de santos presentes nas igrejas, transmitindo uma nova aparência para os repressores, a que o culto ali professado era para os santos católicos. Por trás desta cortina de fumaça, o negro manteve õ culto a seus deuses e antepassados, inclusive dinamizando suas atividades no Brasil. No Omolocô ou Umbanda Primitiva do Rio de Janeiro, o culto dos ancestrais é feito aos pretos velhos e caboclos. Juana Elbein dos Santos, assim afirma sobre os ritos de caboclo:

"Não se veneram as divindades dos panteões indígenas brasileiros, mas os espíritos individuais ou coletivos de diversas tribos, em particular, daqueles em cuja terra foram restabelecidos os negros. Trata-se, em realidade, de um culto aos antepassados autóctones, à maneira africana. banta, e em muito deles, sucessivamente ou em dias alternados, são cultuados só pretos velhos espíritos dos antigos escravos, primeiros ancestrais negros em terra brasileira, que se somaram aos espíritos aborígines a quem reconhecem direitos prioritários".

Nas regiões onde dominava a influência indígena, como Norte e Nordeste, surgiu o Candomblé de caboclo, que integrou elementos de origem banta, além de receber alguma influência católica.

"A DUPLA FASE DA MESMA MOEDA"

Em todas as regiões em que o elemento "BANTU" predominou, principalmente no Sudeste, dois tipos de culto desenvolveram-se no século XIX, sendo a prática religiosa mais comum entre os negros escravizados e seus descendentes. O primeiro chamava-se Candomblé de Angola/Congo. Já o segundo, que recebeu também influências do Nagô, chamava-se Makumba (Culto Omolocô ou Cabula). A Cabula e o Culto Omolocô, que eram também chamados de "MAKUMBAS" no passado, foram às práticas que deram impulso a origem da "UMBANDA PRIMITIVA" no Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro (conforme meu conhecimento). Segundo EDSON CARNEIRO, existe a diferença básica entre a MACUMBA e a UMBANDA, e ambas sobrevivem lado a lado:

"As confrarias, chamadas a princípio de MACUMBAS, compreendiam a linguagem mágica dos tambores e a possessão da divindade de acordo com o modelo original e por isso se viram expulsas do perímetro urbano Carioca; As sucessoras, ou aquelas que se adaptaram as novas exigências policiais, passaram a chamar-se UMBANDA, suprindo os tambores e moderando a possessão (Incorporação)".

Para Marco Aurélio Luz, no seu livro "Cultura Negra e Ideologia do Recalque", existiram dois tipos de Umbanda: As que tiveram origem nos morros e interior do Estado, chamada de Macumbas (Culto Omolocô); e a do asfalto ou centro da cidade, chamada de Umbanda Branca. O mesmo autor em "O Segredo da Macumba" fez o seguinte comentário:

"É preciso dizer que a macumba é um fato cultural, especifico e original. E o importante aqui não é só lembrar Angola e o culto africano dos antepassados. É ao contrário, de mostrar como neste esquema original, alguma coisa de muito diferente, e de muito novo foi produzido no Brasil: é o culto dos heróis da história e da revolta, os caboclos, e os pretos velhos que são com os exus os elementos essenciais da macumba".

Assim sendo, à Macumba ou Culto Omolocô, sempre conservou os rituais e tradições dos negros escravizados, somados a elementos indígenas e católicos. Seu culto tem como dogma os ritos do passado, os quais se desenvolviam sob barracões de sapé e chão de terra batida.

Já a Umbanda, agrega elementos de origem variada que, constitui-se numa religião com diversos elementos de miscigenação (africanos, indígenas, católicos, espíritas e ocultistas). Teve sua maior expressão no Rio de Janeiro, de onde se irradiou para os Estados de Minas Gerais e São Paulo.

Certamente, cada prática de culto afro-brasileiro tem como base ritos e crenças difundidas desde o que já era comumente praticado em solo Africano. Todavia, identifica-las com exatidão a partir de um nome ou uma semelhança, é bastante difícil, gerando um trabalho de pesquisa quase impossível. Desde a década de 50, vem se buscando o local exato da origem do Culto Omolocô, inclusive com pesquisas em terras africanas, para obter confirmação de algumas variantes citadas anteriormente (relatados em publicações da época). No entanto, o escritor não forneceu argumentos precisos e incontestáveis para definir esta polêmica. Normalmente, sem contar com uma validação confiável de tais informações, o pesquisador quase sempre se limita a atribuir a lógica ou semelhança, como elemento caracterizador da base estrutural do Culto.

Tomemos os resultados de novas pesquisas, como uma soma aos nossos conhecimentos, adaptando-se somente o que for possível, de forma simples e objetiva, visando não ferir os princípios implantados e referenciados pelos nossos antepassados. Esta é a minha opinião. Contudo, esclareço que não sou contra a busca de novas respostas ou a resgate das tradições, desde que os resultados sejam inseridos aos poucos, com uma postura consciente, pois o Omolocô é um culto de características simples. Nada tem a ver com o Candomblé, do qual temos em comum os nossos Orixás ou Bacuros. E toda pessoa, que de alguma forma, tenta transmitir a doutrina, praticando o culto com semelhanças do candomblé, certamente não possui conhecimentos (participação ou pesquisas) das MACUMBAS do Rio de Janeiro antigo, procurando desta forma, edificar um novo "Culto Omolokô", com características de Nação Afro-Brasileira, não tendo o cuidado de preservar o modelo original deixando pelos antigos sacerdotes do culto (esta é a minha interpretação).

Sem querer polemizar, ante a possibilidade de uma visão inédita do Omolocô, procuro sempre descrever fatos os quais tive a oportunidade de presenciar a partir do ano de 1955, bem como através de diversos contatos, que realizei em dezenas de terreiros, que mantinham como prática o Culto Omolocô. Estas casas de culto possuíam, na sua maioria, sua localização onde hoje se situa o Estado do Rio de Janeiro. (Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro e, após 1960, Estados da Guanabara e Rio de Janeiro). Na qualidade de iniciado no culto, obtive diversas informações e orientações, com os mais antigos, que me transferiram inúmeros conhecimentos, esclarecendo dúvidas acerca da religião, através de uma coleta variada de informações da doutrina.

Sendo assim, me causa surpresa o elevado número de modificações e adaptações no Culto versado atualmente, pois, no passado, sempre deparei com um pratica simples e popular, sem os grandes rituais próprios das Nações do Candomblé Brasileiro. Será que não tive a oportunidade, como meus pares de religião à época, de localizar um verdadeiro OMOLOCÔ? Mesmo ao percorrer tantos terreiros, casas de culto e de reunião nos últimos cinqüenta anos? Fazendo uma reflexão do contexto atual, estou tendo contato com um novo Culto Omolokô, criado e estruturado para uma nova realidade, que tenta legitimar-se ao apagar traços herdados da antiga MACUMBA do Rio de Janeiro, apresentando-se com certas práticas que nunca fizeram parte de nossa doutrina no passado.

Finalmente, esclareço que não exerço qualificação de nível superior dentro do culto (Zelador-de-Santo), bem como não possuo a titularidade de nenhuma casa de culto. Também não me encontro desenvolvendo pesquisas, nem tampouco pretendo com esta breve exposição qualquer confronto de idéias ou debates, apresentação de trabalhos escritos, para usufruir qualquer tipo de vantagens futuras com a religião, no todo ou em parte. Ou melhor, procuro obter sim apenas uma única vantagem: Meu objetivo é uma interação do antigo com o novo, de forma consciente e equilibrada, buscando novas amizades e companheiros, que venham a somar para a continuidade da velha "MACUMBA" do Rio de Janeiro. Com isso, estarei procurando honrar minha formação, e a de tantos outros, enaltecendo a minha raiz "MINGÓTE DO CAPANGUEIRO". Esta é minha visão particular do Culto Omolocô no Rio de Janeiro. Espero ter contribuído de alguma forma com uma realidade pouco divulgada e muito deturpada na atualidade!


Um Sarapembê (Sarapegbé)
borbaivan@yahoo.com.br