THE
BEATLES:
FORMAR BANDA É COISA DE MÚSICO
Uma banda não é qualquer agrupamento de gente supostamente envolvida com música. É, sim, um agrupamento de músicos, instrumentistas, comprometidos com o processo de criação musical.
No passado, um conjunto inglês começou a estimular o sonho de adolescentes em montar bandas, há mais de quarenta anos. O grupo era os Beatles, o inesquecível conjunto de Liverpool formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, além de Pete Best durante um tempo e, mais tarde, Ringo Starr. Isso quando o grupo tinha esse nome pois, na década de 50, quando se chamava The Quarrymen, o grupo de John, Paul e George tinha outros músicos na formação. Ah, em tempo: outro músico, Stuart Sutcliffe, chegou a fazer parte dos Beatles em 1960 e, depois, saiu do grupo, adoecendo e falecendo em 1962.
Os Beatles, naturais de uma cidade industrial que é Liverpool, eram um grupo vocal, pois todos cantavam e faziam coro. Mas eram, de fato, uma banda, porque seus integrantes, todos eles, tocavam instrumentos. John e Paul, além de tocarem instrumentos guitarrísticos - nos tempos do Quarrymen, Paul era o terceiro guitarrista, assumindo o baixo depois - , tocavam piano e gaita. George era o guitarrista solo e Ringo, o baterista. Todos faziam os arranjos e compunham as canções. Eram mais rebeldes do que pareciam ser quando começaram a fazer sucesso, pois no fundo não diferiam muito dos Rolling Stones, com os quais o quarteto de Liverpool forjou uma rivalidade que escondia, isso sim, um clima de camaradagem que envolvia praticamente todas as bandas inglesas dos anos 60.
Mesmo em sua fase ingênua, os Beatles faziam ótimas canções. Eram exímios melodistas. Sua simplicidade nas composições se tornou uma marca, e não foram poucos os que imitavam, uns com qualidade e outros não, o estilo dos "quatro fabulosos".
A idolatria estridente por parte das mulheres e a aparente tutela do produtor e maestro George Martin fez o grupo de Liverpool parecer uma "armação". Mas não era. E George Martin não manipulava o grupo, muito pelo contrário, era como um professor que se sentia estimulado não apenas a ensinar, como também a aprender com o potencial dos pupilos. Martin e os Beatles trocaram muitas idéias e o maestro, já ciente da chamada música concreta, uma ousadia na música erudita que depois influenciou a música eletrônica (nascida a partir de novas técnicas sonoras de estúdio e da evolução dos órgãos eletrônicos para sintetizadores no rock progressivo), fez os Beatles descobrirem o maestro alemão Karlheinz Stockhausen, autor das obras Hymnen e Gesang Der Jünglingle, numa época em que o quarteto rompeu com o compromisso dos concertos ao vivo, em 1966.
Este fato comprova a seriedade musical do quarteto. Cansado da gritaria das fãs, os Beatles, que nos palcos não conseguiram ouvir o que tocavam devido ao barulho das garotas na platéia, deixaram de se apresentar ao vivo para prestarem mais atenção à sua experiência musical, crescendo como músicos em suas sessões de estúdio. John, Paul, George e Ringo ampliaram seus horizontes, aproventando os ventos dos escritores beatniks (Allen Ginsberg se tornou amigo de Paul) e de Bob Dylan (provavelmente o "Dr. Robert" da canção de Lennon e McCartney incluida no álbum Revolver, de 1966; Dylan teria iniciado os Beatles para o uso de drogas psicodélicas), que mais tarde formou uma banda com George Harrison, os Travelling Wilburys. Em 1967 veio o estranho álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, um ano após outro álbum excêntrico que o influenciou, o Pet Sounds dos californianos Beach Boys.
Em 1968 veio outro disco de impacto, intitulado apenas The Beatles a princípio, depois sendo alcunhado como The White Album, devido à capa branca, que em vinil tinha o nome do grupo também em branco, só que em relevo. Neste álbum, os experimentos eram mais individuais, pois cada integrante desenvolvia cada vez mais seu estilo, surgindo divergências no quarteto. Anos depois o grupo se dissolveria e uma provável reunião nos anos 80 não aconteceu devido à criminosa morte de John Lennon, no fim de 1980. Paul e John haviam retomado então o contato rompido há anos. Um único consolo foi aproveitar antigas gravações solo de Lennon para, em 1995, ser acrescida pela colaboração dos três remanescentes, como a canção "Free as a Bird", uma das faixas inéditas incluídas nas antologias que o grupo lançou a partir de 1995. Em novembro de 2001, porém, outro remanescente, George Harrison, faleceu por causa de um câncer maligno no pulmão, na garganta e no cérebro.
Com sua trajetória, os Beatles inspiraram o sonho de jovens em aprender a tocar instrumentos e compor, elementos fundamentais para a definição de uma banda. Se o sonho de ver os quatro rapazes de Liverpool reunidos acabou, pelo menos não se deve acabar o sonho de um jovem se esforçar para ser um músico de verdade, instrumentista e compositor. Afinal é com esforço que um homem busca atingir a dignidade.