Como a nossa guria chegou lá

Moisés Mendes
Revista ZH Donna
Foto: Ricardo Chaves
13/08/00

- Parte 3 -

Seu sonho era ser uma jogadora de vôlei

A vocação espera desfecho das conversas com o diretor Fábio Barreto, de O Quatrilho , que briga para ter Gisele como Jacobina, a personagem do próximo filme. Se quisesse ela poderia filmar sua própria história, sem a necessidade de glamourizar o roteiro.

A epopéia de Gisele é mais complexa do que o clichê da gata borralheira fashion. Tem o primeiro amor, a grande paixão que ela nunca mais viu, revelada pela primeira vez, e que você conhecerá mais adiante, tem agressões, solidão, discriminação, o enfrentamento com John Casablancas, o dono da Elite em NY. E ainda tem DiCaprio. A guria dos Bündchen levou trombada para chegar onde Luiza Brunet, Silvia Pfeifer, Cláudia Liz e Xuxa nunca pensaram em chega. Nem ela.

- Tudo o que ela queria era ser jogadora de vôlei, diz a mãe.

Gisele confirma:

- Eu sonhava ser a Ana Mozer, a Fernanda Venturin, e jogar na Sogipa.

Grasiela Heldt Rodrigues, 20 anos, colega das sétima e oitava série, lembra que desprezavam Gisele pela magreza, mas ninguém competia com ela no vôlei.

- Fui sua reserva no time da escola. Ela sempre foi a melhor. Vivia comendo para ver se pegava corpo. Me lembro dela medindo as coxas e comemorando porque achava que haviam engrossado alguns milímetros.

A Sogipa perdeu a atleta para uma seqüência de acasos. Vânia e Valdir têm outras cinco filhas: Raquel Karine, 27, professora de inglês em Horizontina, Graziela Cristine, 24, advogada, funcionária da Justiça Federal em Santa Maria, Patrícia Aline, 20, estudante de Relações Públicas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Gabriela, 18, estudante de Direito na mesma UFSM, e Rafaela Francine, 12 (faz 13 anos nesta segunda, dia 14/08/00), aluna da sétima série da Escola Evangélica.

Gisele Caroline deve o primeiro nome à personagem de um romance de autor desconhecido que Valdir leu quando moço, e o segundo, claro, à princesa de Mônaco. Raquel e Graziela combinaram, antes do nascimento das irmãs, que cada uma assumiria uma gêmea. Graziela escolheu primeiro e ficou com Patrícia porque era "clarinha gordinha". Sobrou a outra, a magrinha, que virou Gise, para Raquel. A brincadeira com bonecas ficou séria, e as duas assumiram os cuidados com as manas enquanto os pais trabalhavam.

As irmãs cresciam, Gisele espichava, envergada. Quando tinha 13 anos e quase 1m70cm, o casal decidiu que era hora de corrigir a postura da menina. Procuraram Dilson Stein, 35, que dava cursos de modelo para adolescentes, e levaram junto Patrícia e Gabriela. A esqueleto, a somaliana, a saracura, a taquara de medir açude, outros dos muitos apelidos, foi empurrada à força e freqüentou as aulas de uma semana sem empolgação.

- Não gosto de dizer que sou o descobridor dela, mas digo que ela começou comigo, esclarece Stein, que hoje mora em Ijuí, a 170 quilômetros de Horizontina.

Em maio de 1994, Stein juntou 50 meninas em um ônibus para a tradicional caravana de formatura numa viagem a São Paulo. A excursão combina dois atrativos: as meninas são vistas por olheiros de agências de modelos e podem passear pela cidade. Aqui se desfaz a lenda sobre a descoberta casual de Gisele por funcionários da Elite, no Shopping Eldorado. Não houve casualidade. Zeca Abreu e Liliana Gomes, emissários da agência, estava ali, avisados por Stein, para fazer a primeira avaliação da turma. Só Gisele passou, mas rejeitava a idéia de ir ao escritório para ser olhada de perto pelos bookers (agentes). A mãe, que estava junto, convenceu-a mais uma vez. Vânia retornou a Horizontina entusiasmada e ouviu a reação do marido:

- Mas, Vânia, tu acreditas em Papai Noel?

Gisele concordava com o pai.

- Não via aquilo como algo real. O cara encheu meu saco. Eu queria conhecer o Playcenter. Ele prometeu que me levaria depois e não cumpriu a promessa. Só conheci o Playcenter um ano e meio depois de ter ido morar em São Paulo, relembrou na semana passada.

No dia 20 de agosto, Gisele disputava um torneio de vôlei na Sogipa, em Porto Alegre. Foi seqüestrada de novo pelo pessoal da Elite para a etapa estadual do Look of the Year. Estava inscrita, tentou escapar. Foi levada de abrigo, sem banho. Arranjaram-lhe um vestido emprestado.

- Cheguei e levei um susto. As gurias estava maquiadas, todas com vestidos longos, e eu ali, suja, de joelheira. Eu não queria saber daquilo, não queria desfilar.

Ficou entre cinco finalistas. Foi para São Paulo, dessa vez sem muito empurrão, com um enxoval reforçado com roupas emprestadas pelas amigas Melissa e Karina Costa, e tirou o segundo lugar na etapa nacional. O primeiro lugar ficou com a baiana Cláudia Menezes. No concurso mundial, no fim do ano em Ibiza, ganhou um quarto lugar que até hoje ninguém, nem ela, admite ter sido um resultado oficial, até porque não recebeu nenhum troféu. Outra versão diz que teria ficado em sexto, poque três candidatas empataram em terceiro lugar. Quem se interessa por isso hoje, se ninguém lembra de nenhuma da outras cinco? O certo é que na volta de Ibiza Gisele começar a mudar:

- Passei a gostar da idéia de ser independente.

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