Nota de Repúdio da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia contra as declarações discriminatórias da Ministra Matilde Ribeiro

 

Vimos por meio desta repudiar as afirmações discriminatórias expressas pela ministra MATILDE RIBEIRO da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e veiculadas em entrevista à BBC Brasil, em 27 de março. As afirmações da ministra não nos surpreendem, pois refletem a política que a mesma vem empreendendo em sua secretaria e que, como já há tempos tem sido denunciado por muitos, é orientada pelo realce das diferenças e não pelo realce das semelhanças e da fraternidade entre os brasileiros de diversas origens e identidades. É inaceitável que alguém que está a cargo de uma secretaria pretensamente destinada a combater o racismo veja este como algo natural, em qualquer hipótese. É inaceitável que uma titular de uma secretaria sustentada pelos impostos de brasileiros de todas as origens, etnias e cores considere que alguns destes, pela cor de sua pele, possam insurgir-se contra outros de cor distinta da sua e estar, por sua origem ou pigmentação, moralmente isento da pecha do racismo. São desconfortáveis os sentimentos de revanchismo e hostilidade contra brancos transmitidos pela frase preconceituosa, “Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”. A população branca brasileira não é a primeira vítima da política discriminatória da secretaria comandada pela ministra; o caboclo da Amazônia e sua identidade têm sofrido há muito discriminação e prejuízos em conseqüência do discurso ideológico e do estilo da secretaria da igualdade racial. A SEPPIR de forma arbitrária classifica todos os pardos brasileiros como negros. Sendo o caboclo, porém, um pardo cuja identidade não está baseada numa origem africana, o este tem tido sua identidade apagada para engrossar as estatísticas utilizadas pela SEPPIR e permitir que a ministra faça afirmações como, “o (programa) Prouni, de bolsas de estudos para alunos carentes de escolas, já concedeu em menos de três anos mais de 200 mil bolsas no Brasil, dos quais 63 mil negros e 3 mil indígenas”, algo que, na Amazônia, significa os caboclos serem constrangidos a abrir mão de sua identidade para assumir-se negro ou indígena se desejarem ser beneficiários das citadas bolsas. A política da SEPPIR na Amazônia tem sido não só completamente omissa em relação à população cabocla, mas efetivamente prejudicial à afirmação e preservação de nossa identidade, como ocorre na prática de ignorar a população cabocla de remanescentes de quilombos e considerá-los indistintamente como parte da população negra. Esta política é implementada a nível estadual e municipal por grupos ligados ao governo federal. Nossa experiência de reação ao discurso e prática da SEPPIR tem sido dolorosa. Aqueles que se negam a abrir mão de sua identidade cabocla ficam expostos a retaliações diversas e práticas intimidatórias. Caboclos têm sido expulsos das terras onde vivem. Afirma a ministra que, “chegaram os europeus numa terra de índios, aí chegaram os africanos que não escolheram estar aqui, foram capturados e chegaram aqui como coisa”. Silencia a ministra que antes dos africanos, os indígenas e seus filhos caboclos foram também escravos. Não acumulou, porém, o caboclo sentimentos revanchistas em relação ao homem branco, nem sentimentos de isolamento. Ao assistirmos a ministra afirmar no presente que “a reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural”, ficamos pensando sobre o que no futuro poderá ocorrer em conseqüência desse discurso que vê a segregação racista entre brasileiros como algo natural e não algo essencialmente mau. Sabendo que as políticas para assuntos étnicos raciais dos diversos grupos identitários brasileiros estão a cargo de uma secretaria moldada pela mentalidade refletida na entrevista da ministra, a qual tem desde sua criação o objetivo de tratar com ênfase a população negra diante das demais, entendemos que a simples e necessária substituição da titular da pasta não impedirá que fatos como este voltem a se repetir. É imprescindível, assim, que seja fechada esta secretaria. Uma secretaria cuja titular vê como natural negros não gostarem de conviver com brancos pode estar servindo a qualquer coisa, mas não à igualdade nem ao povo brasileiro.

 

Manaus (AM), 29 de março de 2007.

 

A Coordenação