MEDO NOSSO DE CADA VIAGEM

Se fosse pontuar meu grau de coragem numa escala de zero a dez, chegaria facilmente a menos um.

Você sabe como é: se me pedem para comprar ingressos para aquela fantástica montanha russa de 22 loopings, sendo 11 com giros 360º e outros 11 de ponta-cabeça, vou e compro para todos, menos um. Eu tô fora.

Nada de viver nos limites da emoção. Já foi o tempo em que montanhas russas me seduziam. Era o mesmo tempo que revistas Playboy surtiam efeito semelhante oferecendo riscos ainda mais ameaçadores de ser flagrado com ela nas mãos. 

Foi a época em que, quando dava a cara para a vida, ela me trazia mais espinhas do que espinhos no caminho do crescimento.Invejo os que aos 40 ou 50 anos encontram diversão no boogie-jump, paraquedismo ou asa delta.

Sou dos que preferem terra firme e já considero bastante heróico chegar a dez mil pés de altura para conquistá-la. Avião é bonito, me leva onde quero, é moderno, até certo ponto divertido e dizem que seguro, principalmente no chão. Quando começa a taxiar, fico pensando se não podia continuar assim: no solo até o destino.

Se fosse por mim, o co-piloto deveria orientar o comandante com algo como:"fica nessa pista que você vai entrar à esquerda logo depois da torre de comando."
Mas não tem jeito. O piloto insiste em levantar vôo. Minha esposa sorri satisfeita. Eu também pareço estar sorrindo: travou a mandíbula e não consigo fechar a boca.

Voar, para mim, já é bastante heróico e faz parte da aventura de ser turista.

Ir para Alemanha com um vocabulário limitado a
páprika schinitzel também. Muito útil na mesa do almoço, mas experimente usá-lo para pegar um táxi (a menos que você esteja procurando um restaurante).

O turista é um ser que vive de pequenos atos heróicos. Bem pequenos. E heróicos somente, no conceito muito pessoal de cada um.

Por isso mesmo, me senti herói quando tive uma cobra em volta do pescoço numa praça em Marrakesh, quando voei de hidroavião de Victoria a Vancouver, ao comer carne de iguana, quando alimentei
pombos na Praça São Marco em Veneza (parece simples, mas tente fazer isso num inverno escasso de turistas para ver o que acontece).

Quando um táxi deixou a mim e a um  amigo francês, que queria reencontrar uma namorada peruana, no pior bairro de Lima e não teve nem coragem de ficar esperando.

Quando fui para Argentina na época em que Peron sofreu um atentado. Para a Venezuela, quando foi declarado estado de sítio em razão de enchente. Para o litoral de São Paulo num feriado prolongado.

São pequenas ações de turistas, como eu e você, que realimentam a cada viagem a vontade adolescente de experimentar o novo e voltar com as melhores histórias para contar.

No meu caso, são e salvo, e sentado na cadeira de balanço,
de preferência.
Olha, quantas pombinhas!
Vem comer aqui na minha mão, vem!
Socorr...mmmmfff
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