Brasil 2000 - 500 ANOS DE FÉ BRASIL - 500 ANOS DE FÉ
A Igreja no Brasil, no jubileu dos dois mil anos do nascimento de Cristo, celebra jubilosa e agradecida também os cinco séculos de evangelização de nossa terra - fato que não pode ser esquecido, tantas são suas influências na história do povo brasileiro. Em sintonia com as celebrações para comemorar os quinhentos anos do descobrimento do Brasil, a CNBB não poderia deixar passar em branco o acontecimento. Decidiu, então, incluir, entre os diversos atos para celebrá-lo, a realização de sua 38ª Assembléia Geral em Porto Seguro-BA, de 26 de abril a 3 de maio próximo, no mesmo lugar da chegada dos primeiros missionários e da celebração da primeira missa em terras brasileiras. O Papa João Paulo II quis associar-se de maneira particular à Igreja no Brasil nesse ato de ação de graças. Num gesto de deferência e de especial afeto para com o povo brasileiro, Sua Santidade, em 3 de fevereiro, designou o próprio Secretário de Estado, Sua Eminência o Cardeal Angelo Sodano, como legado para essa solenidade. Em suas comemorações, a Igreja quer destacar sobretudo a eficácia do Evangelho nos quinhentos anos de sua presença no Brasil. A nós brasileiros, é impossível esquecer o que aprendemos nas mais elementares lições da história pátria: a chegada dos primeiros missionários e colonizadores portugueses, que, partindo da Torre de Belém, na enseada do Tejo, cruzaram o Oceano Atlântico em caravelas e, ao fim de longa e arriscada travessia, aportaram na costa da Bahia; a primeira missa, celebrada no dia 26 de abril de 1500, no ilhéu chamado de Coroa Vermelha; e a segunda missa, celebrada por Frei Henrique de Coimbra no dia 1º de maio, quando os descobridores, após desembarcarem, ergueram, em terras brasileiras, uma cruz de madeira, símbolo da fé cristã, fato registrado pelo cronista Pero Vaz de Caminha e imortalizado na tela de Victor Meirelles. Para recordar esses acontecimentos, dezesseis réplicas da cruz da primeira missa, abençoadas pelo Papa João Paulo II no dia 27 de março de 1999, estão peregrinando por todo o Brasil, juntamente com imagens de Nossa Senhora Aparecida. Os colonizadores e missionários foram trazidos ao Brasil por motivos diversos. Aqueles vieram buscar riquezas e construir impérios; estes, impelidos pelo amor a Jesus Cristo, abandonaram tudo e aqui chegaram para anunciar o Evangelho da Salvação. A presença simultânea de uns e de outros não deixou, contudo, de provocar mal-entendidos, pois, embora se confessassem cristãos, não estavam todos à altura das responsabilidades que essa condição lhes impunha. Na "aventura" coletiva da colonização nem tudo foram luzes. Nela, houve também sombras, pois, é difícil impedir que aos mais puros ideais não se venham juntar ambições mesquinhas e até opressões desumanas (Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, de 19/05/1987). Vale lembrar os sofrimentos infringidos aos habitantes nativos da terra e a um grande número de africanos, trazidos à força para o Brasil como escravos, em um dos episódios mais tristes da História da América. A primeira evangelização no Brasil, como se sabe, foi feita, sobretudo, pelas ordens religiosas. Os primeiros missionários foram os franciscanos, carmelitas e jesuítas, destacando-se, dentre estes últimos, as figuras de Manoel da Nóbrega e de José de Anchieta. Ao decorrer do tempo, foram surgindo dioceses, paróquias e seminários para a formação dos presbíteros e foi sendo estruturado um sistema educacional. Não faltaram, porém, problemas à Igreja: a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759 impôs duro golpe à evangelização dos indígenas e ao sistema educacional da Colônia. Em 1808, deu-se a abertura dos portos por Dom João VI, que se estabeleceu no Rio de Janeiro. O fato possibilitou, depois, a vinda de imigrantes dos países católicos da Europa (italianos, espanhóis, alemães, poloneses) e de nações de tradição católica oriental (russos, armênios, libaneses), estes sempre acompanhados de sacerdotes. Aos grupos de imigrantes juntaram-se também membros de comunidades protestantes (luteranos, metodistas, calvinistas) e anglicanas e um expressivo número de mulçumanos e integrantes de comunidades hebraicas. Com a Independência, os imperadores do novo país julgaram-se com o direito de continuar a exercer os mesmos privilégios que a Santa Sé havia concedido aos reis de Portugal em relação à evangelização das Novas Terras. A Lei do Padroado, aplicada rigidamente pelos Imperadores Pedro I e Pedro II, provocou redução do clero religioso e dificultou a criação de novas dioceses. Mas, contribuiu para o crescimento da religiosidade popular, que floresceu por meio de irmandades, sobretudo no interior, embora sem muita assistência espiritual. Além disso, não impediu o surgimento de bispos de grande valor, destacando-se, entre outras, as figuras de Dom Vital, Dom Macedo Costa, Dom Antônio Viçoso. Proclamada a República em 1889, a Igreja experimentou um reflorescimento: muitas dioceses foram criadas e passaram a receber grande ajuda de congregações religiosas proveniente da Europa. Além disso, ela ampliou o número de seminários, reestruturou seu sistema educacional e instituiu variadas obras de assistência social. O catolicismo no Brasil foi formado em ambiente de acentuado pluralismo étnico, descrito por João Paulo II como "um dos amálgamas mais importantes da história humana". "Aqui, segundo as expressões do Papa, se misturaram, durante três séculos, o índio, o europeu e o africano, e, a partir do século XIX, os imigrantes europeus. A esses se somaram o sangue e a cultura dos árabes, como os cristãos maronitas. Nesse sentido, o Brasil oferece um testemunho extremamente positivo. Aqui está em construção, com inspiração cristã, uma comunidade multiétnica. Um verdadeiro tapete de raças, como afirmam os sociólogos, unidas pelo vínculo da mesma língua e da mesma fé" (João Paulo II, São Paulo, 3 de julho de 1980). Não se pode afirmar, com fundamento na própria História, que a presença da Igreja no Brasil, marcada por luzes e sombras, tenha sido e continue sendo livre de todo e qualquer tropeço. Ressalte-se, contudo, que, desde o início da evangelização, a conduta dos missionários foi pautada pelas orientações do Papa Paulo III, que, ainda em 1537, emitiu importantes orientações para os missionários em seu trabalho evangelizador junto as povos autóctones do "Novo Mundo", valendo a pena citar, entre outras, as seguintes: 1. Todos os povos da terra pertencem à raça humana; 2. Todos são iguais e não podem ser espoliados de seus bens e nem reduzidos à condição de escravos por outros povos; 3. Os índios e outros povos devem ser atraídos à fé em Cristo por meio da pregação da Palavra de Jesus e com o testemunho de uma vida exemplar. Não há dúvida de que o anúncio do Evangelho, com seus valores de fraternidade, de solidariedade, de valorização da dignidade da pessoa humana, de justiça e de verdade, tenha prestado um serviço de alto significado humano e uma contribuição essencial na formação da fisionomia do Brasil e do brasileiro. Do povo português, herdou o povo brasileiro, por certo, muitas virtudes cristãs: "a abertura aos costumes e à cultura de povos diferentes, a facilidade de diálogo com todas as raças, a hospitalidade, o amor à pátria e a dedicação à família, o desejo de comunicar a fé, a fidelidade a Cristo e à sua Igreja, a devoção arraigada à Virgem Maria", conforme escreveu o Papa João Paulo II na Mensagem aos Bispos Portugueses, de 25.11.1985, por ocasião da abertura solene das comemorações dos cinco séculos de evangelização e encontro de culturas, enumerando os valores levados por Portugal a outros povos Pedimos ao Espírito de Deus que a Igreja, plantada no Brasil há cinco séculos, continue presente e atuante em nossa História, em nossa vida pública, em todas as regiões do País. E que esteja preparada para enfrentar os novos desafios que lhe são impostos pela realidade atual: a globalização, o processo de urbanização, o desemprego, o pluralismo cultural e religioso, a violência, a corrupção e sobretudo a falta de um número suficiente e qualificado de agentes de pastoral para assumir a tarefa da nova evangelização, além de outros percalços da chamada "pós-modernidade". Que a celebração dos 500 anos de Evangelização no Brasil nos ajude a reafirmar nossa identidade cristã. Tendo aprendido as lições dos erros do passado, peçamos perdão por nossas faltas e nos empenhemos no anúncio do Evangelho, redobrando esforços, daqui para a frente, para a construção de um Brasil mais justo, fraterno, sem exclusões sociais, solidário com os outros povos e marcado pelo respeito à dignidade humana e pela paz. Dom Raymundo Damasceno Assis |