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Animando autobiograficamente

Divulgação É fácil perceber o quanto este “Persépolis” é diferenciado. Basta sentarmos na poltrona (relaxar) e esperar as luzes se apagarem para a projeção começar. Nada mais. Nos takes iniciais já notamos claramente o jeitão cult desta animação, capaz de dar dinamismo aos traços autorais da criadora/personagem Marjane Satrapi. Emprestar movimentos a HQ homônima (de onde o longa se origina) foi uma saída arriscada, sobretudo pela simbologia simplista dos relatos gráficos de Marjane, contudo, magnânima criatividade de formas acrescentou um charme extra para os 24 quadros que compõem cada segundo de imagens - inesquecíveis para o público.

O forte apelo visual (clássico) fica explicitado pela beleza dos contrastes. Basicamente filmado/pintado em "Preto & Branco" (mantendo a forte acuidade dos quadrinhos), a produção arranja saídas inspiradas para desenvolver uma palheta incessante de alternativas para trabalhar cada desenho - neste aspecto de dualidade cromática. Sem menosprezar a obra ilustrada, vale citar. A cultuada autora iraniana assume (também) a co-direção do projeto, elevando seu preceito autobiográfico para o campo cinematográfico. A presença desta figura central (tanto na realidade quanto na ficção) garante autenticidade ao relato (verídico) e não destoa da agraciada concepção inicial, quando o primeiro volume de “Persépolis” chegou às prateleiras - com enorme sucesso - em 2000.

O conto da pequena garota que floresceu entre revoluções e o advento - posteriori - do rígido controle fundamentalista é enternecedor. Não só pela ilustrativa lição de vida, de alguém que superou momentos difíceis, enfrentando a guerra Irã-Iraque, preconceitos e a própria morte nas vielas européias, mas por quebrar paradigmas, trazendo ao espectador ocidental uma inusitada (e humana) perspectiva sobre uma parcela do mundo, infelizmente, considera por Washington como antro absoluto de “fanáticos primitivos”. Marjane até conversa com referências pop mundiais, incluindo ABBA, Bee Gees, Bruce Lee e Godzilla, mostrando-se tão conectada e descolada nos movimentos juvenis da época quanto qualquer garota vestindo calça jeans deste lado do globo. Independente de suas origens, das quais sua persona fictícia não nega (carregando, por exemplo, o sonho infantil de ser uma profetiza).

Criada de forma culta e liberta, a mocinha acompanha - carregando, desde sempre, um olhar extremamente crítico sobre tudo - o arrocho dos grupos radicais, por anos a fio, numa esgotante vivência em sociedade fechada. Apesar da mente aberta de muitos dos seus cidadãos. Mesmo nos momentos mais negros da perseguição ideológica, Satrapi nunca fecha os olhos para além dos limites impostos pela autoridade ditatorial - as aventuras pelo Rock-Punk demonstram muito desta rebeldia, tão comuns a idade - e ao próprio momento histórico/político. O detalhe é como o Iron Maiden entra no cotidiano dela, no mínimo genial. Assim como seu “renascimento” ao som de “Gonna Fly Now”, a conhecida música-tema de Rocky Balboa. Um lutador. Assim como são, sem qualquer ficção, os habitantes (verdadeiramente) conscientes deste país tão devastado por crises/batalhas internas.

Adjetivações não seriam o bastante para expressar a primazia de um produto tão sincero. Tão bem acabado. Surpreendente a cada nova passagem, a cada esquina cruzada na trajetória da protagonista pelas ruas de Teerã. Seja dentro ou fora das telas. A passagem dela da Nona Arte para a Sétima otimizou um conteúdo primoroso para cinéfilos totalmente alheios as problemas iranianos. Levando uma mensagem aberta para expectadores de todo o planeta: não devemos pré-julgar estas pessoas sem conhecer/tentar entender seus pontos de vista, por vezes, tão distintos - e neste caso, particularmente, inteligentemente bonito.

 

Carlos Campos

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