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Numa favela nem um pouco distante...

DivulgaçãoBreno Silveira não poderia ter ido melhor em sua estréia na direção, fato ocorrido no consagrado “Dois Filhos de Francisco” - que ilustrava a vida da mega-dupla sertaneja "Zezé Di Camargo e Luciano" - o filme não só encantou a crítica tupiniquim (sendo indicado para representar o Brasil na prévia do Oscar) como felizardamente se tornou o exemplar de maior bilheteria na “retomada”. Levando aos cinemas uma esmagadora somatória de 5.3 milhões de expectadores, um recorde pra cinematografia brazuka realizada nos últimos 30 anos. Com as portas abertas, depois da acertada tacada inicial, Breno resolveu reavivar um antigo projeto no prosseguimento da carreira. “’Era Uma Vez...’ nasceu do meu primeiro emprego como câmera, no documentário ‘Santa Marta - Duas Semanas no Morro’, de Eduardo Coutinho, em 1987. Durante as filmagens, tive contato com aquele triste cotidiano e me impressionei bastante”, lembra o (agora) cineasta, cujas contribuições fotográficas passam por marcos da Sétima Arte nacional, vide “Carlota Joaquina” de Bruna Camurati.

Entretanto, outra importante película acabou “influenciando” o ex-fotógrafo na escolha de sua segunda empreitada (na capitania do barco). “Logo procurei o Paulo Lins, pois queria comprar os direitos do livro ‘Cidade de Deus’, tive azar, eles já tinham sido vendidos para o Fernando Meirelles”, relembra o "leitor" do "co-irmão" literário. “Propus ao escritor, então, a criação de outra história, que acabei deixando de lado porque acabou ficando bem dura e violenta. Decidi que ela tinha de ser reescrita de uma maneira mais delicada”, conta o autor, apoiando-se na parceria com Patrícia Andrade (roteirista de “2 Filhos”) para tecer/encontrar um "tratamento" apropriado - que fizesse justiça às verdadeiras pretensões do filmmaker. “O que interessava pra gente não era a violência, mas sim as relações humanas”, confirma Breno, passando a bola para Patrícia, que acrescenta: “O roteiro antigo retratava somente a realidade da favela e era certamente violento, reorganizamos tudo para encaixar nele o ponto de vista de quem vive no asfalto e transformá-lo numa história de amor”, ela revela. “Eu sempre quis entender o Rio de Janeiro de hoje com essa mistura de classes econômicas lado a lado. Isso se repete no Brasil e em tantos outros lugares do mundo. Queria elaborar um enredo que enxergasse esse abismo social de uma maneira mais humanizada”, acrescenta Silveira, reelaborando (nessa conjuntura) um “conto de fadas” foto-realista (transcrito diretamente no título adotado pelos idealizadores) bem ao estilo “Romeu & Julieta”, interligando - corajosamente - os corações (aka universos distintos) de um pacato favelado e uma garota da classe média carioca.

Isso, sem tomar partido de qualquer um destes lados - naturalmente? - opostos. "O grande desafio foi conseguir um olhar isento sobre tudo o que era mostrado. O filme relata a relação entres dois mundos paralelos - por meio de um sentimento puro, o amor entre este casal adolescente”, complementa Andrade, prosseguindo em sua análise: “Foi um quebra-cabeça porque tínhamos receio de fazer uma coisa maniqueísta. Até mesmo no set a gente mudava algo que poderia fazer alguma diferença”, exemplifica, relembrando das gravações in loco - particularmente elementares no retrato verídico proposto por Breno. “’Era Uma Vez...’ foi todo feito em locação. Isso traz uma verossimilhança do tipo que um estúdio nunca daria”, explica o próprio. “Sempre quis rodar na favela, pois achava que, dessa forma, o produto ficaria vívido. Acabamos escolhemos o Morro do Cantagalo porque era o local ideal, a quatro quadras da praia de Ipanema. O problema é que não sabíamos como íamos fazer isso dar certo”, ele diz. “Trabalhamos postados na inclinação das lajes, todavia, nem sempre as construções eram consistentes para a montagem dos equipamentos. Realmente não é um lugar ideal para se filmar. Contudo, as enormes dificuldades foram vencidas graças também à boa vontade dos moradores”, relata Dudu Miranda, um dos dois diretores de fotografia. “Fui lá pessoalmente conhecer os líderes comunitários e alguns moradores para explicar tudo a eles. A partir daí, começamos a criar laços com a comunidade. Além de nos acolher bem, o morro nos ajudou muito com mão-de-obra, figurino e objetos de cenografia”, explana o atarefado Breno.

“Tinha medo de ir a uma favela por causa da criminalidade, mas estar lá dentro valeu como anos e anos de aprendizado. Fiquei muitíssimo emocionada quando vi algumas moradoras chorarem numa das cenas, dizendo que era daquele jeito que as coisas aconteciam. Valeu à pena”, finaliza a - agradecida - roteirista, citando uma das - diversas - intercessões (claras) entre os acontecimentos observados dentro (e fora) das telas. “Já presenciei os momentos que meu personagem presenciou. Já tive as mesmas dificuldades que ele teve, sou morador da periferia e trabalhador. Eu sou essa pessoa”, conta o ator Thiago Martins, referindo-se ao protagonista deste romance (urbano). No final, o Thiago me convenceu a lhe dar o papel. No início, vendo os testes, toda vez que olhava, o achava um sujeito ‘bonitinho’ demais. Queria alguém que não tivesse o estereótipo de herói-galã, o que não era o caso. Mas apesar de ter sido reprovado várias vezes, a cada vez que voltava estava melhor. E mais feio...”, argumenta Silveira, justificando a escolha do esforçado-exigido Martins: “Antes do último teste, fui fazer prova teórica para carteira de habilitação de motociclista, sequer passei. Cheguei a achar que tinha começado o dia com o pé esquerdo. Contudo, saí do ensaio confiante e fui jogar futebol. Só que passei mal. Terminei indo pro hospital e descobri que estava com apendicite. Acabei operando. Ainda internado, recebi um telefonema do Breno dizendo que eu estava finalmente selecionado. Não parei de gritar, pra desespero das enfermeiras”, exclama empolgado.

“Mas o que facilitou pra mim foi o fato dele (Silveira) estar envolvido neste longa há 10 anos, ele já tinha na cabeça tudo o que queria”, finaliza o recuperado interprete - aparentemente tão sofredor quanto sua (super adequada) cara-metade. Como os produtores (enfim) desejaram - tempos atrás - quando (ainda) desenrolavam a frase subseqüente ao tal "Era Uma Vez...".

Fonte: Sony Pictures

Carlos Campos

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