ICMS - ESTIMATIVA FISCAL – LC nr. 44/83

    O velho e anacrônico método do fisco estimar as operações do contribuinte e o valor (antecipado) de circulações imaginárias de mercadorias, emitindo carnê de ICMS para que o contribuinte recolha o tributo, independentemente de ter ocorrido ou não no período circulação que gere saldo devedor na conta corrente fiscal, alheando-se ao valor real da operação, à base de cálculo, e desprezando literalmente o princípio constitucional da não-cumulatividade, não mais encontra guarida a partir de 10.3.89, com a vigência do sistema tributário decorrente da Constituição, que alijou o entulho e os resquícios do arbítrio e do servilismo que levou o Congresso subserviente a desvirtuar totalmente o princípio da não-cumulatividade, abrindo exceções, onde a Constituição de 1969 (art. 23, II) não as abrira, e a pretexto de "complementar" a Constituição então em vigor: na realidade o princípio acima foi elidido pela Lei Complementar no 44/83, que veio "legalizar" o que o fisco estadual já fazia, e sacramentar as leis tributárias estaduais.

    Não mais podem conviver as disposições da LC nr. 44/83, no tocante à estimativa fiscal do ICMS, com total desprezo do princípio da não-cumulatividade, porque, não complementou a Constituição de 1969, mas, transformou-se em norma inferior que se sobrepôs à norma superior.

    Foi a falta de capacidade técnica e moral do fisco estadual, despreparado em alguns grandes Estados, que levou à institucionalização do regime de estimativa fiscal, não consagrado na Constituição de 1988: atividades prósperas e lucrativas foram taxadas em quantias mensais ínfimas, enquanto pequenos comerciantes suportaram estimativas absurdas, sem qualquer critério de análise da evolução dos resultados positivos, das vendas deflacionadas, da rentabilidade bruta no ramo, num festival de empirismo e de aleatoriedade.

    Hoje, diante das normas de comando do art. 145, § 1º, c/c o art. 150, IV, ambos da CF/88, não mais pode subsistir a estimativa fiscal, imposta unilateralmente, no interesse exclusivo do próprio fisco, sem processo contraditório pleno (CF/88, art. 50, LV), sem avaliação contraditória pelo contribuinte do ICMS (CTN/66, art. 148).

   Do exposto, e a partir da vigência das disposições sobre o sistema tributário nacional, oriundo da Constituição, o regime de estimativa fiscal do ICMS não mais pode subsistir, porque afronta dispositivos constitucionais:

    lº) os ideais e os princípios adotados pela Constituição e o seu espírito de redemocratização, incompatível com o regime arbitrário e ilegítimo, do qual emanou a LC n" 44/83 (CF/88, art. 5º, §§ 1º e 2º; art. 34 do ADCT);

    2º) o art. 5º, LV, da CF/88, que assegura o contraditório pleno e amplo em toda a vida nacional, não admitindo, em conseqüência, que o fisco, em seu interesse exclusivo, sem qualquer critério racional ou ilógico, sem qualquer relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo, sem qualquer relação com seu movimento econômico, fixe arbitrária e aleatoriamente, por antecipação, valores de circulação ainda não ocorridas, com apego em critério futurólogo; 3º) o art. 155, I, "b", que não contém previsão autorizando o fisco a exigir ICMS mensal, sem que se prove a ocorrência material de circulação econômica ou jurídica de mercadorias, isto é, sem a prova da materialização ou exteriorização do fato gerador do imposto;

4º) o princípio da não-cumulatividade, inserto e garantido no art. 155, § 2º, I, porque impõe um quantum mensal a ser recolhido, haja ou não circulação no mês, sem considerar qualquer crédito pelas entradas com ICMS destacado na nota fiscal (pago pelo vendedor);

5º) o art. 148 da CF/88, ao criar um financiamento ao Estado e Distrito Federal, fora da sua previsão, cobrando ICMS sem qualquer vinculação a ocorrência do fato gerador;

6º) o art. 148 do CTN/66, uma vez que não há contraprova do contribuinte, através de avaliação contraditória no valor da operação sujeita ao ICMS;

7º) o art. 145, § 1º, da CF/88, pois a imposição obedece única e exclusivamente o discricionarismo do fisco estadual, sem levar em conta o princípio da capacidade contributiva de cada sujeito passivo.

   A imposição unilateral pelo fisco, do regime de estimativa fiscal do ICMS, nos moldes aqui estudados, dá ao contribuinte o direito de recorrer ao Judiciário, para obter tratamento tributário isonômico, com direito a se utilizar mês a mês dos créditos legítimos das entradas de mercadorias e se debitar pelas saídas tributadas, apurando normalmente (i saldo a recolher ou a transportar para o período seguinte, com amparo nos arts. 5º, caput, 1º parte, 150, II, e 155, I, "b", da CF/88, e produzir prova pericial contábil, para demonstrar, com fulcro no art. 148 do CTN/66: as circulações reais e concretas, mês a mês, os saldos da conta corrente fiscal gráfica, os percentuais de lucro bruto de seu ramo de atividade em confronto e comparação com estabelecimentos semelhantes, e a aleatoriedade completa da estimativa do fisco, divorciada totalmente de qualquer critério racional ou econômico, tudo em processo contraditório como garantido pela Constituição.

    O mandado de segurança somente seria admissível em caráter excepcionalíssimo, se todos os fatos relevantes viessem provados de plano, com prova documental inequívoca, sem depender de quaisquer outras indagações probatórias ou de quaisquer dúvidas a serem esclarecidas (O que torna quase impossível o remédio heróico, em face da natureza  dos fatos a serem expostos e que dependem da prova pericial contábil).

    A ação declaratória fiscal, com depósitos mensais das parcelas em cautelar, se nos afigura o meio jurídico correto e adequado ao acertamento da relação jurídico-tributária entre o contribuinte e a Fazenda do Estado ou do Distrito Federal, porque comportará toda produção de provas, nomeadamente a pericial contábil ou, dependendo da natureza das operações, também a perícia técnica relativa à produção industrial ou mista (serviços com materiais).

   Com as devidas particularidades, o proposto pode ser adaptado às estimativas do ISS e do IVV, sendo aplicável por excelência ao ICMS.

Samuel Monteiro - Tributo e Contribuições, 1º edição, 1990