ICMS - IPI - ISS - IVV - REGIME DISCRIMINATÓRIO 
CONTRADITÓRIO PLENO

    Certos Estados, no silêncio ou na omissão da lei complementar nacional vedando tal prática, editaram leis ordinárias prevendo a imposição do regime especial para determinados contribuintes escolhidos para ficarem sujeitos a tal regime, na maioria das vezes, por se tratar de comerciante de pequeno porte ou indústrias pequenas, sem qualquer influência política ou econômica, isto é, sem cobertura política junto às autoridades fazendárias. Escolhidos ao bel-prazer da administração fazendária, através de critérios extra normas vinculativas ou regradas, como deveriam ser as leis, em se tratando de tributos sujeitos ao CTN.

    Geralmente o regime especial obriga o contribuinte ou o responsável tributário a recolher antecipadamente o ICMS, vulnerando a ocasião própria para tal, isto é, dentro do período comum a todos os demais contribuintes com o mesmo código de atividade econômica. O regime especial que submete o contribuinte às sanções ou às discriminações incompatíveis com a livre iniciativa, com a livre concorrência, com o livre comércio, com a livre indústria, com o próprio exercício da profissão  (CF/69, arts. 153, §§ 23 e 36 e CF/88, art. 5º, XIII e § 2º, bem como  art. 160,  I, CF/69 e art.170, caput e inciso IV da CF/88), impondo-lhe ônus ou penalidades através da sanção financeira a que ficam constantemente submetidos ou impondo-lhes obrigações acessórias outras que os oneram com papéis, documentos, escriturações especiais, declarações ou informações periódicas, ferem a própria Constituição, dentro dos princípios de liberdade para as atividades lícitas, a que se referem as notas 1392 e 1393.

    Constitui abuso de poder a imposição aleatória de regime especial a contribuintes escolhidos de uma determinada categoria ou atividade, e ato discriminatório, já que não atinge toda a atividade ou categoria, o que só pode ser aplicado em situações excepcionais, com  medida in extremis ou punitiva do sonegador contumaz, do emitente de notas frias ou do fraudador (STF, RE nr. 106.759–sp, 1ª T., RTJ 115/1.439–1.443 – precedente citado: RE nr. 76.455–MG, 2ª T., RTJ 73/821). E sua imposição, baseada em motivos inidôneos, inexistentes ou falsos, leva à nulidade do ato administrativo-fiscal ( STF, RTJ 85/143, 2ª coluna, in princípio e ERE nr. 75.421–BA, pleno, RTJ 79/478–491. Themístocles Brandão Cavalcanti, Direito e Processo Disciplinar, p.53 (RTJ 51/507–508)  VitorNunes Leal, RDA III/81. CC/16, arts. 82 e 145, III e IV. CF/69, art. 153 §§ 23 e 36. CF/88, art. 5º, XIII e § 2º).

    O ato administrativo-fisca1 deve ser de natureza vinculada e regrada, e somente o exclusivo interesse público pode permitir tal imposição, quando presentes situações excepcionais já exemplificadas, e assim mesmo, somente após a formação de contraditório pleno, assegurada ampla defesa ao contribuinte ou ao responsável tributário, de que falaremos adiante. Se o ato de imposição não tiver motivação relevante e fundamentada, será nulo (STF, MS  nr. 20.277-SP, pleno, RTJ 114/512-536. Hely Lopes Meirelles, ob. cit., 7ª edição, pp.176/177.  Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios Gerais de Direto Administrativo, 2ª edição, I / 527-28 Manual Maria Diez, El acto administrativo, 2ª edição, p.243)

    A imposição genérica e aleatória do regime especial, nomeadamente quando discriminatório, tem sido repelida pelo STF (STF, RE nr. 100.918, RTJ 111/1.307, RE nr. 110.938–SP, 2ª T., RTJ 120/437–440 e RE nr. 115.452–SP, 1ª T., RTJ 125/395–398) por ser incompatível com o estado de direito, nomeadamente após a Carta de 1988, com a redemocratização do Brasil. Com a vigência da Constituição, nomeadamente dos princípios por ela adotados (arts. 5º, caput, 1ª parte, 146, 150, II, 5º, XIII, e 170, caput e inciso IV), somente se admitirá a adoção do regime especial pela União, Distrito Federal, Estados e municípios, se a imposição obedecer às garantias constitucionais e aos direitos fundamentais e sociais por ela consagrados, o que importa em reconhecer que a eficácia da imposição depende sempre: 

    lº) da generalidade da imposição para todos os contribuintes ou responsáveis tributários de uma determinada atividade econômica, financeira, industrial, comercial ou de prestação de serviços, isto é, a imposição terá caráter de universalidade para a categoria ou para a atividade; vale dizer, será para todos e não para os "eleitos" ou "escolhidos". Aplica-se aqui e agora a ampla e irrestrita isonomia tributária assegurada nas limitações constitucionais ao poder de tributar pelo art. 150, II, da CF/88 (STF, RTJ 119/465, interpretando a isonomia);

    2º) a imposição poderá ser justificada para os contribuintes de atividade diversa ou categoria diversa, quando em processo administrativo-fiscal individual restar comprovado, sempre em contraditório pleno (CF/88, art. 5", LV), a prática pelos contribuintes excepcionalizados com a medida in extremis de sonegação fiscal, notas frias, fraudes fiscais, conluio ou simulação, que causem lesão ao erário público; 

    3º) a imposição do regime especial em qualquer caso (seja para todos os de uma categoria ou atividade, seja para os excepcionalizados) .dependerá sempre, e como condição elementar de eficácia e validade, da formação de processo administrativo-fisca1, com contraditório pleno individual para cada contribuinte ou responsável tributário, com ampla defesa, com a produção de todas as provas licitas em direito permitidas. É o corolário do princípio assegurado a todos, sem distinção qualquer, pelo art. 5º, LV, da CF/88. 

    Consideram-se revogadas de maneira absoluta, por serem totalmente incompatíveis com os princípios adotados extrínseca e intrinsecamente pela Constituição, todas as leis, sejam federais, estaduais, municipais ou as do Distrito Federal, que disponham em contrário do que aqui se expôs.

    Tais leis restaram derrogadas desde 5.10.88. E os processos ou os procedimentos adotados pelas autoridades federais, estaduais, municipais ou do Distrito Federal, com base em leis anteriores à Constituição, que não observarem os princípios e os direitos por ela assegurados e aqui expostos, são absolutamente ineficazes, meros atos nulos ex tunc,  não podendo gerar quaisquer direitos, e todos eles aptos a proteção das garantias constitucionais através do mandado de segurança, onde deverá ser arguído incidenter tantum a inconstitucionalidade do procedimento administrativo-fiscal.

    Antes da Carta de 1988, o STF decidiu que não cabia mandado de Segurança para impugnar auto de infração e imposição de multa pelo fisco do ICM de São Paulo, por ter o contribuinte descumprido o regime especial a que ficou submetido(STF, RE nr. 110.938-SP, 2ª T., RTJ 120/437-440).

    Mas, após 5.10.88, repita-se, os tempos são outros; novos ventos democráticos sopraram sobre o Brasil, retirando o pó do autoritarismo e a mortalha do arbítrio; por isso, a partir dessa data nenhum dos procedimentos arbitrários, frutos da ilegitimidade dos próprios governantes impostos indiretamente, terão validade ou eficácia.

Samuel Monteiro, Tributos e Contribuições, 1ª edição - 1990

Veja também, 

  SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

ICMS - Diferencial de alíquota