REGIME DE COMPETÊNCIA 
 PROVISÃO DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES
FATO CONTÁBIL

    Sendo o regime de competência uma imposição legal, no sentido de que todos os custos e despesas pagas ou incorridas, bem como as receitas pertinentes a um determinado ano-base ou período-base, devem ser contabilizadas no diário, no mesmo ano-base ou ano de competência, seja das despesas, dos custos ou das receitas, nas respectivas datas em que incorreram (dia, mês e ano), ainda que não tenham sido pagas as despesas ou os custos, mas apenas incorridos; segue-se que a sua não observância acarreta consequências graves para a empresa (Lei nr. 6.403/76, art. 187, § 1º, "a" e "b"; Decreto-lei n" 1.598/77, arts. 7º, caput e seu a § 4º e 8º, caput, e  9º, caput e seu § 1º; inteligência do art. 12 do Código Comercial e do art. 2º do Decreto-lei no 486/69). 

    Regime de competência significa que todo fato contábil que acarrete mutação patrimonial ou em contas de resultado, seja imediatamente ou mediatamente, inclusive os fatos que registrem riscos ou garantias (v. g., seguros, empenhos, avais, fianças, penhor, hipoteca, caução de títulos e valores, endossos de títulos para desconto, bens de terceiros em poder da firma ou bens da firma em poder de terceiros, garantias outras assumidas para com terceiros etc.) devem ser contabilizados no diário na data exata e real com que o fato ocorreu. 
    Um fato contábil ocorreu em 10.3.90 deve ser contabilizado nessa data, ainda que somente seja liquidado ou pago em 1991. 

    Fato contábil, por sua vez, é a consequência material dos atos da administração ou gerência da empresa, entidade ou instituição, dos quais surgem: circulações, saídas com transferência de propriedade, serviços prestados, produção, compras a prazo, pedidos a fornecedores, contratos e  demais atos obrigacionais e compromissos assumidos com terceiros ou por terceiros etc.

    Se em direito dizemos que um ato jurídico é todo aquele capaz de produzir, criar, inovar ou alterar no mundo jurídico, praticado por agente capaz, tendo por objetivo algo lícito, na forma da lei etc., já em contabilidade esse ato denomina-se fato contábil, e as alterações que produz ou produzirá, seja nas contas de resultado ou no patrimônio (mutações) da entidade, instituição ou ou empresa, devem obrigatoriamente serem registradas nos diários do ente jurídico nas datas em que ocorreram, e não apenas nas datas em que as obrigações respectivas foram liquidadas

    O ancião Código Comercial Brasileiro, de 1850, em seu art. 12, continha os pressupostos do regime de competência, como dever de todo o comerciante, termo este que deve ser entendido sempre latu senso

    O dispositivo previa que todas as operações e atos do comerciante deveriam ser registradas no diário, em ordem cronológica rigorosa, de dia, mês e ano, nas datas em que ocorreram, compreendendo o registro das operações, fossem estas de conta própria ou alheia (v. g., a consig- nação de mercadorias, o beneficiamento por conta do encomendante, a guarda ou depósito de bens de terceiros etc.). 

    É o regime de competência que obriga os lançamentos dos tributos e contribuições na data em que ocorreram os respectivos fatos geradores, e não apenas na data em que foram recolhidos ou pagos.        O lançamento primitivo na data em que ocorreu o fato gerador do tributo ou da contribuição no diário denomina-se, técnica e contabilmente, de "provisionamento" de custos ou despesas incorridas, para significar que o fato contábil foi registrado em obediência ao princípio da reserva legal que impõe como obrigação o regime de competência, muito embora o pagamento ou o recolhimento do tributo ou da contribuição só ocorra em outro dia ou em outro mês ou mesmo no ano seguinte em alguns casos de provisionamento feitos em 31 de dezembro de cada ano, por ocasião do encerramento do balanço patrimonial e das contas de resultados, quando a data é prevista nos contratos, estatutos ou determinada em lei. 

    Álias, um balancete geral levantado em qualquer mês do ano ou um balanço geral encerrado, sem que nas peças tenham sido provisionados todos os custos, as despesas incorridas e os tributos e contribuições cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data em que as peças foram encerradas, estaria a comprovar que, tanto o balancete quanto o balanço em geral e as contas de resultado, não representam a realidade contábil, jurídica, econômica e patrimonial da entidade, instituição ou empresa.

    Por essa razão - obrigação de provisionar os custos e as despesas incorridas até a data do encerramento dos balanços gerais e contas de resultados - e que devem ser provisionadas as férias vencidas a serem concedidas aos empregados, os salários vencidos e ainda não pagos, as obrigações sociais e trabalhistas vencidas e ainda não liquidadas, e os tributos e contribuições com fatos geradores ocorridos. Um balanço geral encerrado que omita o provisionamento de todos os custos, despesas e tributos e contribuições com fatos geradores ocorridos ate a data do encerramento, em tese, incide em falsidade ideológica, porque o fato contábil omitido é relevante, e assim, a omissão pode ter ocorrido para confundir ou causar prejuízos a bancos, fornecedores, credores, acionistas, sócios não administradores e o fisco.

    O balanço apresenta uma situação econômica, jurídica e patrimonial que não e a real, se fossem contabilizados todos os custos, as despesas e os tributos e contribuições com fatos geradores ocorridos, e que não tendo sido ainda recolhidos, serão pagos com juros, multas e atualização monetária, encargos esses que também devem ser provisionados, se tiver ocorrido o vencimento dos tributos e contribuições. 

    Todavia, fica a alerta ao leitor: não se deve confundir o provisionamento (isto é, a contabilização de um custo ou de uma despesa já incorridos; de tributos e contribuições com fato gerador já ocorrido) com o pagamento ou a liquidação dos mesmos. Por isso que se diz: um gasto, uma despesa, um custo foi incorrido, porque houve ou ocorreu um fato contábil que o originou em determinada data, e o fato vai determinar uma mutação patrimonial (ou em conta de resultado), embora ainda não tenha sido pago; mas, deve ser registrado no diário na data em que ocorreu, e não na data do seu pagamento. Em hipótese alguma se admite apenas o regime de caixa, isto é, os custos, as despesas, os tributos e contribuições somente são contabilizados na data em que foram pagos.

    Uma contabilidade assim, não guardaria conformidade com o preceito legal que impõe o regime de competência. E também seria imprestável a contabilidade, se ora fosse adotado o regime de competência e ora fosse adotado o regime de caixa, restando tal escrituração uma "salada russa não digerível"...

    Todavia, todas as despesas que são pagas no ato, devem ser registradas nas datas em que foram feitas, sem que isso importe em macular o regime de competência, que visa permitir e determinar cientificamente, em qualquer época, qual a verdadeira, real e concreta situação patrimonial, econômica, jurídica, contábil e financeira de uma entidade, instituição ou empresa.

    O corolário, pois, do regime de competência, é que não se admite que os custos, as despesas e os gastos incorridos em 1990, e bem assim, os tributos e as contribuições com fato gerador ocorrido em 1990, sejam registrados em 1991, quando do seu pagamento.

    Por essas relevantes razões e fundamentos técnico-contábeis, o acórdão da 4º Turma do TFR (AC nr. 85.996-MG, DJU de 27.2.89, p. 1.999), que não admitiu o provisionamento de tributos e contribuições no próprio período–base em que ocorreram os respectivos fatos gerados, restou (salvo grave equívoco na sua emenda... ) sem qualquer fundamentação, porque teria decidido contra expressa previsão legal, nomeadamente no caso da provisão para imposta de renda, que tem determinação expressa (Lei n" 6.404/76, art. 187, V). 

    Finalmente, compete exclusivamente ao fisco federal provar que a escrituração contábil do contribuinte não obedece as determinações das leis comerciais e fiscais (Decreto-lei nr 1.598/77, art. 9º, § 2º, c/c a inteligência do art. 333, I, do CPC/73), não podendo, em face da expressa previsão legal (CF/88, arts. 5º, 11, e 37, caput), transferir a obrigação para o contribuinte: desclassificando a escrita, arbitrando o lucro e exigindo que o contribuinte prove que a sua escrituração contábil e fiscal merece fé e obedece as leis comerciais e fiscais!

    Placitar tal ato administrativo-fiscal absurdo e nulo dos auditores fiscais do Tesouro Nacional, é aplicar o direito às avessas, partindo das vias oblíquas, para atingir o cúmulo da injustiça fiscal.

Samuel Monteiro, Tributos e Contribuições, 1º edição - 1990