ANTIELISÃO
RECEITA QUER LIMITAR PLANEJAMENTO FISCAL

    A Receita Federal enviou à Casa Civil sua proposta para regulamentar a lei antielisão, que tem como objetivo principal o combate aos planejamentos aplicados pelas empresas para reduzir a carga tributária. Sem delimitar operações específicas, o texto proposto estabelece dois conceitos que permitem à fiscalização desconsiderar para fins tributários operações nas quais as empresas tenham optado por soluções mais complexas ou operacionalmente mais onerosas com o intuito de pagar menos impostos e contribuições. Mesmo que as operações sigam a lei.

    A espera pela proposta de regulamentação deixou muitos planejamentos em compasso de espera desde janeiro de 2001. Foi quando a Lei Complementar nº 104 instituiu uma nova previsão que permite ao fisco desconsiderar operações de caráter elisivo. Ou seja, práticas que, embora legais, sejam aplicadas só para reduzir tributos. A própria lei complementar, porém, previu que o assunto seria regulamentado por lei ordinária.

    O projeto deixa claro que a elisão não pode ser confundida com simulação. A secretária adjunta da Receita, Luciana Cussi, explica que a simulação pode se referir a casos em que as operações declaradas não correspondem às transações efetivadas. No caso da elisão, diz, as operações realmente aconteceram como declaradas e são lícitas. "O problema é que houve abuso de forma jurídica, por exemplo."

    Na proposta, a Receita define abuso de forma como a "prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado". Ou seja, quando a empresa substitui determinado procedimento por outra operação que atinge o objetivo econômico mas implica carga tributária menor.

    O tributarista Plínio Marafon dá um exemplo. Ele explica que, por muito tempo, as empresas remuneraram os sócios com a compra de ações em tesouraria em vez da simples distribuição de lucros. A razão era simples. Com a compra das ações, a operação ficava livre do IR cobrado por muito tempo na distribuição de lucros. Se essa operação fosse enquadrada na lei antielisão, a Receita poderia cobrar o IR que deixou de ser pago, além de multas.

    Outro item que pode permitir a desconsideração de operações é a existência de "falta de propósito negocial".  O projeto considera indicativo da falta de propósito a "opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato." Para o consultor Pedro César da Silva poderia ser enquadrado nesse item o caso da empresa que em vez de simplesmente vender um imóvel, adota uma cadeia de operações que amenizam o custo tributário. 

    Em alguns casos, diz, as empresas chegam a montar uma S.A. na qual usam o imóvel para a integralizar o capital. O adquirente do bem também integraliza capital pagando ágio. Depois de um tempo a S.A. é cindida. A empresa fica com o dinheiro e o adquirente, com o imóvel. Tudo para evitar o IR no ganho de capital da operação de compra e venda. Luciana dá outro exemplo. "Quando uma companhia se divide em 12 menores que têm os mesmos sócios e o mesmo objeto social só para viabilizar a opção pelo Simples ou pelo lucro presumido", diz ela. "A reestruturação societária e a opção pelo Simples são atos lícitos. Mas isso pode ser enquadrado na lei antielisão."

    O problema, alegam os especialistas, é que os conceitos de "falta de propósito negocial" e "abuso de forma" são extremamente subjetivos. Para o advogado Júlio de Oliveira, a proposta é inconstitucional ao dar à fiscalização poderes para definir o que podem ser consideradas "operações mais complexas ou mais onerosas" do que as usuais. "Isso pode enquadrar praticamente tudo como ato elisivo e é uma interferência clara na livre iniciativa."

    O projeto prevê que a nova lei entrará em vigor somente quando for editada. E também dá ao contribuinte a oportunidade de ter a multa de ofício substituída pela de mora se o tributo indicado na autuação for pago no prazo da impugnação ou dentro de trinta dias após ciência da decisão de quaisquer instâncias. A autuação deverá explicitar o negócio dissimulado.

FONTE: Valor Econômico - 24/06/2002 - Marta Watanabe.

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