Guerra de Canudos
Os urubus eram tantos que formavam nuvens negras e nem assim davam conta de devorar os milhares de cadáveres. Muitos secavam ao sol, impregnando o sertão de um cheiro indescritivelmente podre. Cachorros, cujos donos também jaziam mortos por ali, acostumaram-se a comer carne humana e apavoravam os poucos desavisados que ousassem visitar a região. Do arraial, restavam escombros, onde antes havia duas igrejas, e montes de cinza, no lugar das casas de barro.
Cento e dois anos depois, a paisagem é certamente menos
aterrorizante, mas tão desolada quanto a daqueles dias depois de
5 de outubro de 1897, quando Canudos foi destruída. Em setembro
passado, a falta de chuvas secou o açude que inundou, nos anos
60, o velho campo de batalha, revelando suas ruínas. O palco
exposto de uma das maiores guerras civis de nossa história, que
deixou 10 000 mortos e mobilizou quase todo o contingente militar
da nação, atraiu historiadores como ímã. A SUPER também foi
lá. O que nós vimos sobre a lama não foram os restos de um
antro de fanáticos nem os destroços de uma comunidade
socialista, mas uma pobre vila, igual a tantas outras do sertão
da Bahia.
© Flávio de
Barros/Arquivo Histório do Museu da República![]() Triste memória Única imagem de Antônio Conselheiro, esta foto célebre foi feita em 1897, quinze dias após sua morte. De Canudos, sobraram lembranças mórbidas, como a cruz abaixo que marca o lugar onde uma dezena de soldados e centenas de jagunços foram enterrados. Agora, tudo está novamente debaixo d'água. |
O bandeirante que descobriu os incas
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Carta de Luis
Ramirez
Luis Ramirez era um tripulante da
expedição de Sebastião Caboto, que chegou à Ilha de Santa
Catarina em 1526 e de lá partiu para explorar a região do
Prata. A carta traz os depoimentos que os náufragos da Ilha de
Santa Catarina fizeram a Caboto sobre a aventura de Aleixo
Garcia. Nessa época, além dos náufragos da expedição de Juan
Dias de Solis, de 1516, havia também um grupo de europeus que
faziam parte da tripulação de Dom Rodrigo de Acuña. Leia
alguns trechos:
A chegada de
Caboto à Ilha de Santa Catarina e o contato com os náufragos:
"Em 19 do dito mês (outubro de
1526), chegamos a uma ilha... e vimos vir uma canoa de índios,
os quais viram à nau capitã e por sinais nos deram a entender
que havia ali cristãos. No outro dia de manhã vimos chegar
outra canora de índios e um cristão dentro dela, o qual deu
nova ao senhor capitão general (Caboto), dizendo que estavam
naquela terra alguns cristãos que eram 15 os que iam à
especiaria na expedição de que ia por capitão Dom Rodrigo de
Acuña, e porque a dita armada se havia desbaratado no estreito
(Estreito de Magalhães), e eles não quiseram voltar à Espanha,
seu capitão os havia deixado ali; e também disse de outros
cristãos, que se deciam Melchor Ramirez, vizinho de Lepe
(espanhol da vila de Lepe) e Henrique Montes. Os dois fizeram
parte de uma armada de Juan Dias de Solis.... e havia mais de 13
ou 14 anos que estavam naquela terra....
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Havia tantas aves domesticadas nas aldeias carijós que eles chegaram a ser chamados de índios patos |
E logo Henrique Montes vio à nau capitã e falando de muitas coisas com os senhor capitão general (Caboto)... e da grande riqueza daquele rio onde mataram seu capitão (Solis, que morreu nas proximidades da ilha hoje chamada de Martim Garcia, onde o rio Uruguai deságua no Prata). E era que se lhe queríamos seguir, nos carregaria as naus de ouro e prata, porque estava certo de que entrando pelo rio de Solis iríamos dar em um rio que chamam Paraná, o qual é muito caudaloso e entra dentro de este de Solis com 22 bocas, e que entrando por este dito rio acima em pouco carregaria as naus de ouro e prata... e este dito rio Paraná e outros que a ele vêm a dar vão dar em uma serra aonde muitos índios estão acostumados a ir e vir; e que nesta serra havia muito metal, e que nela havia muita prata.
Neste mesmo dia à tarde veio à mesma nau capitã o dito Melchor Ramirez, companheiro de Henrique Montes... Este também disse muito bem da riqueza da terra... disse haver estado no rio de Solís como língua (tradutor) de uma armada de Portugal (a expedição de Cristóvão Jacques ao Prata, em 1521). E o capitão general (Caboto) lhe perguntou se eles tinham alguma mostra de aquele ouro e daquela prata que diziam.
Montes disse que estavam ali (na Ilha de Santa Catarina) sete homens de sua armada (a expedição de Solis), sem outros que por outra parte se haviam apartado e que desses só eles haviam sobrado ali... e os demais, visto a grande riqueza da terra e como nessa dita serra havia um rei branco que tinha barba e, vestidos como nós (visão mítica dos habitantes da serra de prata), eles se determinaram a ir lá, para ver o que era; os quais (Aleixo e outros náufragos) foram e lhes enviaram cartas, e que embora não houvessem chegado à minas, mas já tinham tido contato com uns índios comarcanos (vizinhos) à serra, e que traziam nas cabeças umas coroas de prata e uma pranchas de ouro nos pescoços e orelhas ... E lhes enviaram doze escravos e as amostras de metal que tenho dito (mensageiros enviados à Ilha por Aleixo), e que fizeram saber como naquela terra havia muita riqueza e que tinha recolhido mito metal para que fossem até lá (à Serra de Prata) com eles, os quais (os náufragos da ilha) não quiseram ir por que os outros (Aleixo e seu grupo) haviam passado por muito perigo por causa das muitas gerações (tribos) que havia nos caminhos por onde era preciso passar. E que depois havia havido notícias de que estes seus companheiros, voltando-se contra eles uma geração de índios que se dizem os guaranis (há dúvidas sobre qual grupo de índios atacou o acampamento de Aleixo) os haviam matado para tomar-lhes os escravos (os índios que acompanhavam Aleixo) que estavam carregados de metal.
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Martim Afonso organizou a primeira grande expedição em busca do caminho de Aleixo |
E logo o capitão general (Caboto) lhe pediu para mostrar (o tesouro) que teriam lhe enviado seus companheiros. Montes disse que quatro meses, pouco mais ou menos antes, que chegássemos a este porto dos Patos, que assim se chamava onde eles estavam, chegou ao dito porto uma nau, na qual vinha por capitão o dito Dom Rodrigo que a vossa mercê digo, ao qual deram até duas arrobas de ouro e prata e de outro metal muito bom... para que levasse tudo a Sua Majestade e que ele fosse informado de terra tão rica, e que ao tempo em que lhes entregaram ao batel para levá-lo à nau (...) e se perdeu tudo, e que então se haviam afogado no dito batel quinze homens e que ele (Montes) escapou a nado com a ajuda dos índios que entraram (no mar) por ele, e que por causa disso não teria metal nenhum, salvo ouro e prata, e por se a primeira coisa que naquela terra haviam encontrado, as haviam guardado para dar a Nossa Senhora Guadalupe; os quais deram (as amostras) ao senhor capitão general e as de ouro eram muito finas, de mais de 20 quilates, segundo pareceu, e que se o senhor capitão general queria tocar no dito rio de Solís que eles iriam com suas casas e filhos e nos mostrariam a grande riqueza que havia lá e o senhor capitão general respondeu que era outro o seu caminho.
Caboto logo mudou de idéia e, diante de tão entusiasmados depoimentos, decidiu ir explorar a região do Prata:
Sobre a partida
da Ilha de Santa Catarina para ir ao Prata:
"Recolhida toda a gente às naus e
nela, com todos os cristãos que ali encontramos, saímos com bom
tempo do dito porto (dos Patos) aos 15 dias de fevereiro do dito
ano de 1527."
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Não há imagens de Juan Díaz de Solis, o capitão da frota que trouxe Aleixo Garcia à América, apenas a assinatura ao lado |