Molhava o rosto lavando idéias. Queria limpar um pouco a mente para sair de cabeça “nova”, aberta a novos pensamentos. Sempre tentava, nunca conseguia. A água que caía sobre a face contornava os ombros e escorregava no peito. Corria sobre o ventre, arrepiando os quadris, se desmanchando nos joelhos. Como já estava ali, ensaboando seus pensamentos e enxugando-os com pressa, resolveu jogá-los fora. Conseguiu juntá-los, embolá-los e mandá-los pelo ralo. Afinal, para que serviria pensamentos limpos? Iria, certamente, manchá-los depois. Então resolveu deixar a mente em branco e sair em busca de um preenchimento real, que realmente valesse a pena. Mas o que valeria a pena? Realmente neste dia acordou confuso e atormentado por não saber distinguir o que lhe era necessário e dispensável. O maniqueísmo o confundia. Pelo menos uma coisa lhe era clara e precisa: a busca. Seria um fatalista incurável ?, pensou.
O vapor era propício para desenhar palavras no vidro. Uma interrogação. A água cessou e, com o corpo escorrendo restos de pensamentos, desarrumou o cabelo e pingou gotas de perfume na retina para que a mesma atraísse aromas semelhantes. O perfume ele extraía da saliva. Nunca sabia reconhecer o cheiro que lhe era conveniente. Resolveu se deixar escolher, se deixar ser atraído. Queria apenas encontrar alguém. Ou seria algo? |