Amenidades dominicais

(João Ubaldo Ribeiro)

Hoje é dia de praia, boteco, pizza, macarronada em família, feijoada, namoro e outras atividades que nos fazem dizer que a vida é boa, o amor é lindo e o domingo é belo (espero que esteja mesmo, pelo menos ainda não estão cobrando taxa de respiração e exposição ao Sol) e semelhantes insanidades, todas destinadas a persuadir-nos de que vale a pena continuar. Claro que vale a pena continuar, não estou querendo convencer ninguém do contrário, mas que tem sido duro, lá isso tem, vocês hão de concordar. Somos um povo extraordinário, capaz de suportar coisas que nem um centésimo dos outros povos agüentariam. Devemos todos ter truques secretos para permanecermos aqui.

Leio os jornais da semana e, por conseguinte, devo estar um pouco desatualizado, neste país em que tudo muda de cinco em cinco horas, mas creio que o pacote ainda está sendo discutido (vem até um antipacote, onde estás que não respondes, Senhor Deus dos Desgraçados?) e que um número considerável de pais e mães de família se encontre roendo as unhas e chutando as paredes, na espera do que virá por aí, inclusive a demissão. Leio cá que a lista preliminar inclui 33 mil nomes. Multiplicando aí por uns quatro e pouco, dá, vamos dizer umas 140 mil pessoas por família. Dito assim, já que os números têm a faculdade de desumanizar os numerados, parece pouca coisa, mas vá dizer isso para quem olha para um lado, olha para o outro e, no meio da vida, não vê mais perspectivas. Pimenta no dos outros sempre foi refresco.

Os miseráveis, cuja soma atinge dezenas de milhões, já nem são mencionáveis, fazem parte do cotidiano, a vida é assim mesmo, que é que se vai fazer. Os aposentados, velhinhos chatos e palpiteiros, que se danem, com suas pensões microscópicas e sua falta de assistência em matéria de tudo, de segurança (assaltar velho é uma especialidade crescente entre nós, é fácil e não dá em nada) à saúde. Os sem-casa que se conformem com a realidade, pois juros altos são juros altos e não há como evitá-los para salvar-nos (salvar quem????) da debacle. As crianças que se virem e a verdade é que nascer preto, pobre ou nordestino é uma irresponsabilidade com que cada um deve arcar. Mateus, quem pariu os teus, etc. Os pequenos empresários, que, no geral, têm obrigações fiscais e trabalhistas iguais às das multinacionais, que vão pastar, há capim de sobra no Brasil e com má vontade é que não se vai para a frente.

A carga tributária continua balanceada. Já contei aqui, faz algum tempo, a história de um amigo meu, rico que só o Cão, que, diante das minhas queixas de que, nos pagamentos, levavam um quarto do que eu ganho, para, no começo do ano, levarem mais, ficou acanhado e me contou que recebia restituição. No exterior, passo por mentiroso quando conto isso, mas sei que a maioria de vocês tem certeza de que é verdade. Agora vão aumentar, mais um pouquinho só, o nosso imposto de renda. Para não falar no congelamento de salários e outras medidas que nos baterão a carteira, enquanto tem gente por aí com iate de torneira de ouro.

Não vamos ser injustos e dizer que os ricos, para usar o verbo agora consagrado, não serão penalizados. Serão, sim, e com rigor. Pagarão US$ 90 de taxa de embarque nos aeroportos e só poderão comprar US$ 300 no free shop do Galeão. Finalmente, a justiça está feita e quem for passar meio ano no apartamento de Paris ou Nova York vai pensar duas vezes, diante desse montante intimidador. Claro que não se pensou no que isso vai causar para o turismo internacional no Brasil, porque é nada. Em vez de ir a Aruba, às Bermudas, ao Cairo ou aonde diabo lá seja, o sujeito vai querer mesmo é vir ao Brasil, pois o que são US$ 90 para desfrutar da emoção de ser roubado em Copacabana, baleado num bar em São Paulo e tungado por pivetes em Salvador? Admito que, por culpa nossa, dos jornalistas, a imagem do Brasil lá fora, quando existe, é negativa. Mas US$ 90 de sobretaxa para ver nossas maravilhas não são nada, todo gringo é milionário e adora brasileiro.

O comércio vai bem, as vendas estavam superaquecidas de qualquer forma, é bom dar um basta a essa indecência. No front fiscal, as chamadas entidades pilantrópicas (sic) serão vigorosamente fiscalizadas (e penalizadas). Até universidades, pasmem vocês, praticam esse tipo de atentado contra a nação. Agora, não poderão fazer mais isso, pois cairão sobre elas as mãos pesadas da Justiça, sempre célere e cega a qualquer tipo de privilégio ou status indevido. A polícia, seja na cidade ou nas estradas, ou ainda nos nossos esporádicos casos de seqüestro, representa um suspiro de alívio para o cidadão, pois basta desembolsar uma pequena quantia, para evitar sanções onerosas ao sistema judicial e à burocracia em geral. A cultura também vai de vento em popa, com as modificações na legislação sobre incentivos, de maneira que, paciência, quem quiser assistir a peças inovadoras, balés deslumbrantes, exposições gloriosas e filmes nacionais que deixe de encher o saco e se mude para Viena.

Enfim vocês não podem se queixar de que, hoje, não lhes forneci farto material para o papo do boteco. Espero um debate cavalheiresco e um ânimo otimista, pelo menos depois de seis chopes. Hoje é dia de praia, boteco, pizza, macarronada em família, feijoada, namoro e outras atividades que nos fazem dizer que a vida é boa, o amor é lindo e o domingo é belo. Beijos compatriotas para todos.